sexta-feira, 9 de agosto de 2013

TCU reconhece não existir vedação legal de OSCIP participar de licitação

Identificação
Acórdão 1021/2007 - Plenário
Processo
002.993/2007-5
Natureza
Representação
Entidade
Entidade: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
Interessados
Interessadas: Montana Soluções Corporativas Ltda. e Sigma Dataserv Informática S/A.
Sumário
REPRESENTAÇÃO. CONHECIMENTO. PREGÃO. LOCAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O OBJETO DA LICITAÇÃO E OS OBJETIVOS SOCIAIS DA ENTIDADE. PROCEDÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR. DETERMINAÇÃO. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DA HABILITAÇÃO E ADJUDICAÇÃO. ARQUIVAMENTO.
1. Inviável a habilitação de licitante cujo objeto social é incompatível com o da licitação.
2. A contratação de empresa especializada em locação de mão-de-obra deve se restringir às situações em que as características intrínsecas dos serviços impossibilitem a contratação da prestação dos mesmos.
Ministro Relator
MARCOS VINICIOS VILAÇA
Voto do Ministro Relator
Este processo trata de representação formulada pela empresa Montana Soluções Corporativas Ltda. acerca de irregularidades no Pregão Eletrônico AA nº 50/2006, promovido pelo BNDES com a finalidade de contratar empresa especializada na locação de mão-de-obra terceirizada, para prestar serviços de programação de sistemas informatizados. O TC 003.830/2007-4, apensado a este, cuida de representação de mesmo teor da empresa Sigma Dataserv Informática.

2. Protesta-se contra a habilitação do Instituto Brasileiro de Conhecimento - IBDCON, entidade sem fins lucrativos, vencedora do certame. As empresas alegam, basicamente, afronta ao princípio da isonomia, ante os privilégios tributários do Instituto, e incompatibilidade do objeto social do IBDCON com o da licitação.

3. Em relação ao primeiro aspecto, mencionei, no despacho em que determinei a suspensão cautelar do certame, que a questão se insere em perspectiva mais ampla, e não somente pela presença de regime tributário diferenciado. É que, no meu modo de ver, a participação de Oscips em licitações objetivando a prestação de serviços à Administração desvirtua os delineamentos traçados pelo ordenamento jurídico para este tipo de entidade.

4. As Oscips fazem parte do Terceiro Setor, onde se situam as “organizações privadas com adjetivos públicos, ocupando pelo menos em tese uma posição intermediária que lhes permita prestar serviços de interesse social sem as limitações do Estado, nem sempre evitáveis, e as ambições do Mercado, muitas vezes inaceitáveis” (José Eduardo Sabo Paes, “Fundações e Entidades de Interesse Social - Aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários”, Brasília Jurídica, 2ª edição, p. 57). “Trata-se de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo Poder público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria” (Di Pietro, “Direito Administrativo”, 13ª edição).

5. Os objetivos sociais das Oscips devem ter pelo menos uma das finalidades listadas no art. 3º da Lei n.º 9.790/99:
“I - promoção da assistência social;
II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;
IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;
VII - promoção do voluntariado;
VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;
XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;
XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.”

6. A atuação de uma Oscip volta-se, portanto, para o atendimento do interesse público, mediante serviços de cunho social, e não para o fornecimento de bens e serviços para a Administração Pública. Sua área de atuação é incompatível, no meu entendimento, com os serviços de que nos fala os arts. 6º, II, e 13 da Lei n.º 8.666/93:
“Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:
I - ........................................................................ ..........................................................
II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;
........................................................................ ..........................................................
Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II - pareceres, perícias e avaliações em geral;
III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico.”

7. Os objetivos relacionados no art. 5º do Estatuto do IBDCON podem ser enquadrados entre os previstos na Lei n.º 9.790/99, até pela forma como se encontram redigidos, de forma bem aberta, como por exemplo:
- identificar demandas e soluções para a sociedade civil, governo e iniciativa privada;
- estimular e participar de demandas articuladas por agentes;
- desenvolver ações para o desenvolvimento tecnológico, através do apoio, difusão e realização de programas técnicos e operacionais voltados à tecnologia da informação;
- prestar serviços especializados de desenvolvimento e integração de sistemas, de planos de tecnologia da informação e de reengenharia tecnológica;
- desenvolver campanhas de sensibilização e arrecadação de recursos;
- realizar cursos, seminários e eventos assemelhados;
- promover o voluntariado;
- assessorar gestores públicos na consolidação, no financiamento, no refinanciamento e na administração de dívidas e créditos;
- e outros.

8. Ocorre que, além da obrigatoriedade de os objetivos sociais da Oscip estarem conformes às finalidades relacionadas no art. 3º da Lei n.º 9.790/99, as atividades desenvolvidas em concreto pela entidade também devem condizer com os limites e contornos dados pela Lei, que relaciona objetivos de interesse social, em complementação à atuação do Estado. É evidente que a prestação de serviços de programação de sistemas informatizados, objeto do certame em análise, é compatível com a Lei n.º 8.666/93; mas nada tem a ver com o relacionado no art. 3º da Lei n.º 9.790/99.

9. No entanto, reconheço que a questão não é pacífica. Parece haver, inclusive, certa tendência a se aceitar que elas possam participar de licitações na Administração Pública, desde que a atividade a ser contratada esteja prevista no Estatuto:
“Não é que elas não possam ser contratadas. Eventualmente elas podem, se a prestação de serviços e o fornecimento de bens estiver prevista dentre seus objetivos institucionais. Só que, em se tratando de contrato, está sujeito à licitação. Se a Administração Pública aceita contratar Oscip para fornecimento de bens e serviços, tem que haver licitação em que a entidade participe em igualdade de condições com outros possíveis interessados. (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Palestra ‘As Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Publico (Leis nºs 9.637/98 e 9.790/99)’, proferida no seminário ‘O Ministério Público e a Fiscalização das Entidades Não Governamentais de Interesse Público’, retirada do site do Ministério Público do Estado de São Paulo).”

10. Mas o desfecho da questão posta à apreciação do Tribunal prescinde dessa investigação. A incompatibilidade do objeto licitado com as finalidades institucionais do IBDCON é suficiente para resolvê-la.

11. Como já mencionei acima, entre os objetivos relacionados no art. 5º do Estatuto da entidade, fazem-se notar dois que poderiam, a princípio, dar suporte à contratação do IBDCON: “desenvolver ações para o desenvolvimento tecnológico, através do apoio, difusão e realização de programas técnicos e operacionais voltados à tecnologia da informação” e “prestar serviços especializados de desenvolvimento e integração de sistemas, de planos de tecnologia da informação e de reengenharia tecnológica”. Contudo, a presença desses dois objetivos no estatuto não implica que o IBDCON seja, como assinala a Unidade Técnica, uma entidade especializada na locação de mão-de-obra, mesmo em se tratando de serviços na área da tecnologia da informação.

12. Devo reconhecer que a Analista examinou a matéria com precisão nos parágrafos 32 a 38 da instrução, me poupando de tecer comentários adicionais. Acolho as considerações da 5ª Secex e as incorporo às minhas razões de decidir.

13. Faço apenas um reparo no encaminhamento proposto. Entendo mais adequado, em lugar de fixar prazo, condicionar o prosseguimento do procedimento licitatório à adoção das providências necessárias à anulação da habilitação e da adjudicação do objeto.

14. Antes de finalizar, não posso deixar de fazer referência ao modelo de contratação adotado pelo BNDES na licitação em exame.

15. Refiro-me à contratação de empresa especializada em locação de mão-de-obra para realização de serviços de informática em detrimento da contratação da prestação dos serviços. A matéria foi examinada com rigor pelo Ministro Augusto Sherman Cavalcanti em vários processos, notadamente no TC 001.605/2005-5, quando Sua Excelência emitiu as seguintes considerações (Acórdão n.º 667/2005-Plenário):
22. A necessidade de averiguar a legalidade dos modelos de contratação de execução indireta de serviços adotados pelo MDIC surgiu da constatação de que o edital da Concorrência 01/2005 traz, em algumas passagens, disposições concernentes à realização de contratação mediante locação de mão-de-obra, e, em outras, regras relacionadas à contratação de prestação de serviços.
23. Nas justificativas encaminhadas pelos gestores, foi alegado que o objetivo da contratação seria a locação de mão-de-obra naquelas atividades realizadas diariamente, como manutenção de equipamentos e sistemas, ao passo que, no caso de serviços pontualmente definidos, poder-se-ia remunerar a contratada por meio da mensuração de resultados, o que se consubstancia na contratação de prestação de serviços.
24. Assim, o Acórdão 449/2005 - Plenário determinou à unidade técnica que verificasse a legalidade da aplicação dos dois modelos de execução indireta de serviços pretendidos pelo Ministério do Desenvolvimento.
25. Em sua instrução, a 5ª Secex considerou que não há óbices para que o MDIC realize a contratação da execução indireta de serviços de informática nos dois modelos apontados, por considerar estarem atendidos os requisitos estabelecidos no art. 1º, §§ 1º e 2º, do Decreto 2.271/97. No entanto, a unidade técnica sugere que seja determinado à SPOA/MDIC que explicite claramente no edital, conforme a modalidade de serviço, o modelo de contratação e a quantificação da demanda dos serviços.
26. Diante das conclusões da unidade técnica, torna-se indispensável examinar com mais minúcia a questão dos dois modelos de execução indireta de serviços mencionados em confronto com as correspondentes formas de remuneração.
27. Na contratação de execução indireta por meio de locação de mão-de-obra, o órgão contratante solicita que a empresa contratada coloque à sua disposição número certo de empregados para desenvolver, sob supervisão do órgão, atividades instrumentais ou complementares conforme por ele determinado. Em razão das características do modelo, a remuneração dos serviços, em geral, é feita por meio da quantidade de horas trabalhadas ou posto de trabalho alocado.
28. Já no caso da execução indireta por prestação de serviços, esclarece o parecer do MP/TCU que acompanhou a Decisão 569/96 - Plenário, a entidade contrata a empresa para realizar uma atividade-meio, por sua conta e risco, interessando à entidade tomadora dos serviços o resultado, i. e. o produto, a tempo e modo, independentemente de quais ou quantos funcionários a empresa contratada empregou. Nesse contexto, é redundante dizer que o modelo permite que se efetue a remuneração da contratada por meio da mensuração dos resultados alcançados.
29. Percebe-se que as formas usuais de remuneração da locação de mão-de-obra (horas trabalhadas e posto de trabalho) acarretam desvantagens para a Administração. Em primeiro lugar, porque permitem que se remunere a contratada pela mera disponibilização de pessoal, e não pelas horas efetivas de trabalho. Em segundo lugar e mais relevante, esse modelo possibilita a ocorrência daquilo que denomino ‘paradoxo do lucro-incompetência’, ou seja, quanto menor a qualificação e capacitação dos prestadores do serviço, maior o número de horas necessário para executar o serviço contratado e, portanto, maior o custo para a Administração-contratante e maior o lucro da empresa contratada (v. Acórdãos 1.558 e 1.937/2003 - Plenário). Por fim, como registrado no Relatório das Contas do Governo do exercício de 2001 pelo eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues, o modelo dificulta o controle efetivo sobre a execução de serviços terceirizados, consoante verificado em contratos celebrados no âmbito do Ministério da Educação.
30. De seu turno, a contratação de prestação de serviços é mais vantajosa para o órgão ou entidade contratante, porque permite que a remuneração da contratada se dê com base na entrega do produto requerido. Assim, a Administração paga somente pelos serviços efetivamente realizados e aderentes às suas especificações, aferidos segundo padrões e métricas previamente estabelecidos. Por conseguinte, evita-se o desperdício de recursos públicos, favorece-se um controle mais eficaz e aumenta-se a chance de obtenção tempestiva dos resultados pretendidos.
31. Por essas razões, entendo que, no caso em exame, o MDIC deva dar prioridade à contratação de execução indireta por meio de prestação de serviços em detrimento de locação de mão-de-obra. Ou seja, deve-se restringir a utilização da locação de mão-de-obra somente àquelas modalidades de serviço cujas características não permitam a execução mediante prestação de serviços. Nas hipóteses em que ambos os modelos forem aplicáveis, a preferência deve sempre recair sobre a prestação de serviços, tendo em vista as vantagens oferecidas por essa forma de contratação de execução indireta de serviços.”

16. Na deliberação em foco, o Plenário decidiu, no que se refere a esse tema, determinar ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior que:
“9.3.2. dê preferência à prestação de serviços na definição do modelo de contratação de execução indireta de serviços aplicável a cada modalidade de serviço licitado, restringindo a utilização da locação de mão-de-obra àquelas modalidades de serviço cujas características intrínsecas impossibilitem a adoção do outro modelo;”

17. Diante da pequena magnitude da contratação pretendida com a licitação em exame neste processo, não creio que seja necessária qualquer providência no sentido de determinar à entidade que anule o Pregão. Basta, no meu entendimento, fazer a determinação referida no parágrafo anterior, encaminhando ao BNDES, para conhecimento, cópia do Acórdão n.º 667/2005-Plenário.

Ante o exposto, acolho a manifestação da Unidade Técnica e Voto por que o Tribunal adote o acórdão que ora submeto ao Colegiado.
TCU, Sala das Sessões, em 30 de maio de 2007.
MARCOS VINICIOS VILAÇA
Ministro-Relator
Acórdão
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação sobre possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico nº 50/2006, promovido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES para a contratação de empresa especializada na locação de mão-de-obra terceirizada em regime de execução indireta, para prestar serviços de programação de sistemas informatizados.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer da presente representação, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade estabelecidos no art. 113, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, c/c o art. 237, inciso VII, do Regimento Interno/TCU, para, no mérito, considerá-la procedente;

9.2. condicionar o prosseguimento do Pregão Eletrônico AA n.º 50/2006 à adoção das providências necessárias à anulação da habilitação e da adjudicação do objeto ao Instituto Brasileiro de Difusão do Conhecimento (IBDCON), ante a incompatibilidade do objeto licitado com as finalidades institucionais da entidade previstas no art. 5º do seu Estatuto, o que contraria o disposto no subitem 2.3, alínea “g”, do Edital;

9.3. determinar ao BNDES que, em futuras contratações relativas à área de informática, dê preferência à prestação de serviços na definição do modelo de contratação de execução indireta de serviços aplicável a cada modalidade de serviço licitado, restringindo a utilização da locação de mão-de-obra àquelas modalidades de serviço cujas características intrínsecas impossibilitem a adoção do outro modelo, encaminhando-lhe cópia do Acórdão n.º 667/2005-Plenário;

9.4. dar ciência deste Acórdão, bem como do relatório e do voto que o fundamentam, às representantes Montana Soluções Corporativas Ltda. e Sigma Dataserv Informática S/A e ao Instituto Brasileiro de Difusão do Conhecimento - IBDCON;

9.5. arquivar os presentes autos.
Quorum
13.1. Ministros presentes: Walton Alencar Rodrigues (Presidente), Marcos Vinicios Vilaça (Relator), Valmir Campelo, Guilherme Palmeira, Ubiratan Aguiar, Benjamin Zymler, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Raimundo Carreiro.
13.2. Auditores presentes: Augusto Sherman Cavalcanti e Marcos Bemquerer Costa.
Publicação
Ata 22/2007 – Plenário
Sessão 30/05/2007
Aprovação 01/06/2007
Dou 05/06/2007 - Página 0

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DESPACHO NA MEDIDA CAUTELAR

ANEXO II DA ATA Nº 12, DE 28 DE MARÇO DE 2007
(Sessão Ordinária do Plenário)
MEDIDAS CAUTELARES
Comunicações sobre despachos exarados pelos Ministros Marcos Vilaça e Augusto Nardes.
Senhor Presidente,
Senhores Ministros,
Senhor Procurador-Geral,

Comunico a Vossas Excelências que determinei, nos autos do TC  002.993/2007-5, a suspensão cautelar do Pregão Eletrônico AA nº 50/2006, promovido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES para a contratação de entidade especializada na locação de mão-de-obra terceirizada em regime de execução indireta, para prestar serviços de programação de sistemas informatizados.
O processo originou-se de representação formulada pela empresa Montana Soluções Corporativas Ltda., que se insurgiu contra a habilitação e aceitação da proposta do Instituto Brasileiro de Difusão do Conhecimento - IBDCON.
Em juízo sumário, acompanhando a proposta da Unidade Técnica, constatei, após a oitiva do BNDES e do IBDCON, a presença de elementos suficientes para configurar os pressupostos que justificam a suspensão cautelar do certame, nos termos de despacho que fiz distribuir a Vossas Excelências.

Desse modo, Senhor Presidente, submeto, nos termos do art. 276, § 1º, do Regimento Interno do TCU, o despacho em questão à apreciação do Plenário.
TCU, Sala das Sessões, 28 de março de 2007
MARCOS VINICIOS VILAÇA
Ministro-Relator
TC 002.993/2007-5 (c/ 1 volume e 1 anexo)
Apenso: TC 003.830/2007-4 (c/ 1 volume)
Natureza: Representação
Entidade: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
Interessadas: Montana Soluções Corporativas Ltda. e Sigma Dataserv Informática S/A

DESPACHO DO MINISTRO-RELATOR

O presente processo trata de representação formulada pela empresa Montana Soluções Corporativas Ltda., nos termos do art. 113, § 1º, da Lei nº 8.666/93, sobre possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico AA nº 50/2006, promovido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. A licitação tem por objetivo a contratação de entidade especializada na locação de mão-de-obra terceirizada em regime de execução indireta, para prestar serviços de programação de sistemas informatizados.

2. A representante protesta contra a habilitação do Instituto Brasileiro de Difusão do Conhecimento - IBDCON, vencedor do certame. A Montana alega, basicamente, incompatibilidade do objeto social do IBDCON com o da licitação bem como afronta ao princípio da isonomia, ante os privilégios tributários do Instituto.

3. A representante solicita a este Tribunal a adoção de medida cautelar suspendendo o certame.

4. A 5ª Secex examinou a matéria na instrução de fls. 156/162, por meio da qual propôs que o Tribunal determinasse cautelarmente a suspensão do procedimento licitatório e, em seguida, solicitasse o pronunciamento do BNDES e do IBDCON. Determinei, preliminarmente, com fundamento no art. 276, § 2º, do RI/TCU, a oitiva do Banco e do licitante, no prazo de cinco dias úteis, acerca do seguinte:
- a atividade de prestação de serviços de mão-de-obra não consta entre os objetivos do Instituto previstos em seu Estatuto, o que feriria o instrumento convocatório do Pregão, por impossibilitar a participação de licitantes que não possuam Contrato Social ou Estatuto condizente com o objeto licitado;
- o IBDCON seria uma instituição privada sem fins lucrativos que goza de uma série de imunidades tributárias; portanto, sua participação em licitação pública violaria o princípio da isonomia, pois concorre de forma desigual com as demais empresas participantes do certame;
- o atestado de capacidade Técnica apresentado pelo IBDCON não teria atendido às exigências do subitem 4.14.4 do instrumento convocatório, pois não comprovaria execução de serviços da mesma natureza ou similar ao da referida licitação; e
- impossibilidade de emissão de certidão negativa de débitos relativos a tributos federais e quanto à dívida ativa da União do IBDCON, junto ao site da Secretaria da Receita Federal, em 11/1/2007, data posterior ao dia da abertura da sessão de pregão.

5. O TC 003.830/2007-4, apensado ao TC 002.993/2007-5, trata de representação da empresa Sigma Dataserv Informática S/A contra a mesma licitação, com base em ocorrências semelhantes.

6. Prestados os esclarecimentos e informações pelo BNDES e pelo IBDCON, a 5ª Secex se manifestou na instrução de fls. 219/233, aprovada pelos dirigentes da Unidade. A conclusão e a proposta de encaminhamento do Analista são as seguintes:
“III - CONCLUSÃO
41. O cerne das representações interpostas pelas empresas Montana Soluções Corporativas e Sigma Dataserv Informática S/A é a possível burla ao princípio da isonomia, em função da participação em licitação pública, de uma entidade sem fins lucrativos, que goza de benefícios fiscais (imunidade ou isenção de tributos).
42. Conforme linha de raciocínio exposta na presente instrução, embora seja lícita a participação de entidades dessa natureza em licitação pública, desde que seus objetivos sociais sejam compatíveis com o objeto a ser contratado, restou evidente que, no caso concreto, a não inclusão de tributos na planilha de preços apresentada pelo licitante Instituto Brasileiro de Difusão do Conhecimento-IBDCON, para prestação de serviços de programação de computadores, confere àquele instituto uma vantagem indevida frente aos demais concorrentes, o que fere, além de outros dispositivos legais, o princípio da igualdade que deve nortear as licitações.
43. A fim de analisar a adequabilidade da adoção de medida cautelar prevista no art. 276 do Regimento Interno/TCU, cabe-nos examinar a presença dos pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
44. Quanto ao fumus boni iuris, haja vista que as razões formuladas pela Representante demonstram a possibilidade de existência de ilegalidade no julgamento do Pregão Eletrônico nº 50/2006 e as justificativas trazidas aos autos pela oitiva não foram capazes de afastar a irregularidade apontada, concluímos pela plausibilidade jurídica do pedido e do direito invocado.
45. Em relação ao perigo iminente de dano (periculum in mora), ressalte-se que o objeto já foi adjudicado e a licitação homologada pelo Gestor. Conforme contatos mantidos com o BNDES, a área responsável daquele Banco ainda não adotou medida para convocar o licitante declarado vencedor para assinatura de contrato, em função da oitiva realizada, estando no aguardo de manifestação deste Tribunal. Assim, está plenamente caracterizada a exiguidade de tempo para uma análise de mérito, posto que o órgão responsável pela licitação está na iminência de celebrar o contrato com o licitante declarado vencedor. Tal fato põe em risco direito alheio e a eficácia da decisão de mérito, o que caracteriza o requisito do periculum in mora.
46. Desta forma, cabe-nos propor a concessão de medida cautelar para suspensão do certame até a manifestação de mérito pelo Tribunal e, com base no art. 250, inciso IV, do Regimento Interno/TCU, promover a audiência da Pregoeira e Coordenadora de Serviços do BNDES, Sra. Simone Moreira de Castro e do Gerente de Licitações daquela entidade, Sr. Rogério Abi-Ramia Barreto, em função de sua responsabilidade na condução do certame e na análise dos recursos impetrados pelos licitantes, para que apresentem, no prazo de 15 (quinze) dias, razões de justificativa para a irregularidade cometida no julgamento do Pregão Eletrônico nº 50/2006.
IV - PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO
47. Pelo exposto, submetemos os autos à consideração superior, propondo as seguintes deliberações:
I - conhecer da presente representação formulada por Montana Soluções Corporativas Ltda, nos termos do art. 237, inciso VII, do Regimento Interno/TCU;
II - determinar cautelarmente ao Banco Nacional de Desenvolvimento e Econômico e Social - BNDES, nos termos do art. 276 do Regimento Interno/TCU, que suspenda de imediato o Pregão Eletrônico nº 50/2006, assim como de todos os atos dele decorrentes, inclusive do contrato porventura assinado com a licitante vencedora, até a manifestação do mérito pelo Tribunal de Contas da União;
III - à vista do art. 237, parágrafo único, c/c o art. 250, inciso IV, do Regimento Interno/TCU, promover as audiências:
1) da Sra. Simone Moreira de Castro, Pregoeira Oficial e Chefe de Serviço do BNDES, para que apresente, no prazo de 15 (quinze) dias, razões de justificativa por ter aceito a proposta do IBDCON, no julgamento do Pregão Eletrônico nº 50/2006, sem a inclusão de tributos em sua planilha de preços, para prestação de serviços de programação de computadores, o que confere àquele instituto uma vantagem indevida frente aos demais concorrentes, ferindo o princípio da igualdade insculpido no art. 37, inciso XXI, da CF e no art. 3º da Lei nº 8.666/93; e
2) do Sr. Rogério Abi-Ramia Barreto, Gerente de Licitações do BNDES, para que apresente, no prazo de 15 (quinze) dias, razões de justificativa por ter analisado, em conjunto com a Pregoeira, os recursos impetrados pelos licitantes no Pregão Eletrônico nº 50/2006, bem como por ter proposto a homologação do certame e a adjudicação do objeto ao IBDCON, cuja proposta, sem a inclusão de tributos na planilha de preços, para prestação de serviços de programação de computadores, confere àquele instituto uma vantagem indevida frente aos demais concorrentes, ferindo o princípio da igualdade insculpido no art. 37, inciso XXI, da CF e no art. 3º da Lei nº 8.666/93;
IV - fixar, com fundamento no artigo 276, § 3º, do RI/TCU, o prazo de 15 (quinze) dias para que o Instituto Brasileiro de Difusão do Conhecimento - IBDCON se manifeste, se assim o desejar, sobre as questões tratadas nos itens I e II e, especialmente, quanto a não inclusão de tributos em sua planilha de preços, para prestação de serviços de programação de computadores, o que confere àquele instituto uma vantagem indevida frente aos demais concorrentes, ferindo o princípio da igualdade insculpido no art. 37, inciso XXI, da CF e no art. 3º da Lei nº 8.666/93;
V- diligenciar o BNDES para que apresente a este Tribunal, também no prazo de 15 (quinze) dias, as certidões de prova da regularidade fiscal do IBDCON perante a Fazenda Nacional (quanto aos tributos federais e à Dívida Ativa da União), no dia da abertura da primeira sessão pública do Pregão Eletrônico nº 50/2006, e que serviram de suporte para os registros no Sistema de Cadastro de Fornecedores - SICAF; e
VI - cientificar as representantes Montana Soluções Corporativas Ltda. e Sigma Dataserv Informática S/A das decisões a serem adotadas nestes autos.”

7. Acolho as considerações feitas pela 5ª Secex. Estão presentes, no meu entendimento, os requisitos previstos no art. 276 do Regimento Interno, justificando a adoção da medida cautelar.

8. Com efeito, são razoáveis os fundamentos pelos quais as Representantes pedem a intervenção do Tribunal no certame em andamento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES.

9. São apropriadas as considerações relativas à viabilidade de entidade sem fins lucrativos e beneficiária de privilégios tributários exercer atividade econômica em igualdade de condições com empresas. O princípio da isonomia estaria sendo, numa primeira aproximação, violado, ante a disparidade de encargos suportados.

10. Mas não creio que meras vantagens tributárias sejam suficientes para impedir a participação de concorrentes em licitações públicas. Se assim fosse, micro e pequenas empresas poderiam, levando o raciocínio ao extremo, ser coibidas de competir em licitações com grandes empresas, o que é evidente absurdo.

11. A questão se insere numa perspectiva mais ampla.

12. A participação de entidades qualificadas como Oscips em licitações objetivando a prestação de serviços à Administração, desvirtua, no meu entendimento, os delineamentos traçados pelo ordenamento jurídico para este tipo de entidade.

13. É importante destacar a classificação, dada pelo Código Civil, das pessoas jurídicas de direito privado: associações, sociedades, fundações , organizações religiosas e partidos políticos (art. 44).

14. O IBDCON, de acordo com o art. 1º de seu Estatuto, “é uma entidade da organização da sociedade civil de interesse público, sem fins lucrativos, de direito privado, com autonomia administrativa e financeira, ... regendo-se pelo presente Estatuto e pela legislação que lhe for aplicável”.

15. A redação do artigo traz uma impropriedade, pois Oscip não é uma espécie de pessoa jurídica. É uma qualificação; pressupõe, portanto, a existência de um pessoa jurídica, que deve ser, necessariamente, uma das previstas no Código Civil. O IBDCON amolda-se, assim, à figura das associações, que não têm o fito de lucro e constituem-se pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos (art. 53 CC/2002). É, portanto, uma associação que obteve, após solicitação perante o Ministério da Justiça, a qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

16. As Oscips fazem parte do Terceiro Setor, onde se situam as “organizações privadas com adjetivos públicos, ocupando pelo menos em tese uma posição intermediária que lhes permita prestar serviços de interesse social sem as limitações do Estado, nem sempre evitáveis, e as ambições do Mercado, muitas vezes inaceitáveis” (José Eduardo Sabo Paes, “Fundações e Entidades de Interesse Social - Aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários”, Brasília Jurídica, 2ª edição, p. 57). “Trata-se de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo Poder público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria” (Di Pietro, “Direito Administrativo”, 13ª edição).

17. Os objetivos sociais das Oscips devem ter pelo menos uma das finalidades listadas no art. 3º da Lei n.º 9.790/99:
“I - promoção da assistência social;
II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;
IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;
V - promoção da segurança alimentar e nutricional;
VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;
VII - promoção do voluntariado;
VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;
XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;
XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.”

18. A atuação de uma Oscip volta-se, portanto, para o atendimento do interesse público, mediante serviços de cunho social, e não para o fornecimento de bens e serviços para a Administração Pública. Sua área de atuação é incompatível com os serviços de que nos fala os arts. 6º, II, e 13 da Lei n.º 8.666/93:
“Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:
I....................................................................... ........................................................................ ......
II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;
........................................................................ ........................................................................ .......
“Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II - pareceres, perícias e avaliações em geral;
III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico.”

19. No que diz respeito ao IBDCON, os objetivos relacionados no art. 5º do Estatuto podem ser enquadrados entre os previstos na Lei n.º 9.790/99, até pela forma como se encontram redigidos, de forma bem aberta, como por exemplo:
- identificar demandas e soluções para a sociedade civil, governo e iniciativa privada;
- estimular e participar de demandas articuladas por agentes;
- desenvolver ações para o desenvolvimento tecnológico, através do apoio, difusão e realização de programas técnicos e operacionais voltados à tecnologia da informação;
- prestar serviços especializados de desenvolvimento e integração de sistemas, de planos de tecnologia da informação e de reengenharia tecnológica;
- desenvolver campanhas de sensibilização e arrecadação de recursos;
- realizar cursos, seminários e eventos assemelhados;
- promover o voluntariado;
- assessorar gestores públicos na consolidação, no financiamento, no refinanciamento e na administração de dívidas e créditos;
- e outros.

20. Ocorre que, além da obrigatoriedade de os objetivos sociais da Oscip estarem conformes às finalidades relacionadas no art. 3º da Lei n.º 9.790/99, as atividades desenvolvidas em concreto pela entidade também devem condizer com os limites e contornos dados pela Lei, que relaciona objetivos de interesse social, em complementação à atuação do Estado. É evidente que a prestação de serviços de programação de sistemas informatizados, objeto do certame em análise, é compatível com a Lei n.º 8.666/93; mas nada tem a ver com o relacionado no art. 3º da Lei n.º 9.790/99.

21. No que diz respeito às benesses tributárias, a Unidade Técnica trouxe a interpretação do jurista Ives Gandra da Silva Martins ao art. 150, § 4º, da Constituição Federal:
“De rigor, qualquer das entidades imunes que explore variado tipo de atividade econômica, apenas o faz objetivando obter recursos para as suas atividades essenciais.
O discurso do parágrafo anterior é mais incisivo, contundente e jurídico. O regime jurídico do serviço prestado é aquele que oferta, ou não, imunidade à entidade beneficente. A preocupação de não permitir concorrência desleal ou privilégios na exploração das atividades econômicas levou o constituinte a veicular um discurso mais claro e mais preciso no concernente aos próprios poderes tributantes ou sua administração autárquica e empresarial.
O § 4º, todavia, ao falar em atividades relacionadas, poderá ensejar a interpretação de que todas elas são relacionadas, na medida em que destinadas a obter receitas para a concepção das atividades essenciais.
Como na antiga ordem, considero não ser esta interpretação a melhor na medida em que poderia ensejar concorrência desleal proibida pelo art. 173, §4º, da Lei Suprema.
Com efeito, se uma entidade imune explorasse atividade pertinente somente ao setor privado, não houvesse barreira, ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência, mas livre de impostos.
Ora, o Texto Constitucional atual objetivou, na minha opinião, eliminar, definitivamente, tal possibilidade, sendo que a junção do princípio estatuído nos arts. 173, §4º, e 150, § 4º, impõe a exegese de que as atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais das entidades imunes enunciadas nos incisos b e c do art. 15, VI, se forem idênticas ou análogas às de outras empresas privadas, não gozariam da proteção imunitória. (...)” (Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, t .I., v. 6, 1990, p.203-206.)

22. Não estou convencido, portanto, ao contrário da Unidade Técnica, da compatibilidade entre o objeto social do IBDCON e a natureza da contratação. A intenção do BNDES é contratar entidade especializada na locação de mão-de-obra terceirizada para prestar serviços de programação de sistemas informatizados. O IBDCON é uma organização da sociedade civil de interesse público, sem fins lucrativos. É certo que a Oscip tem, entre seus objetivos, o desenvolvimento de ações e a prestação de serviços relacionados à tecnologia da informação. Mas não creio que isso a habilite a participar de licitação para locação de mão-de-obra.

23. Reconheço inexistir, até onde sei, expressa vedação legal à participação de tais entidades em licitações públicas. Mas, ante as considerações expostas acima, julgo presente a plausibilidade jurídica das considerações feitas pelas representantes, neste ponto.

25. É que a vantagem oferecida à Administração pode ser ilusória, ante a possibilidade de que grande parte do ganho decorra da desnecessidade de recolhimento de tributos pelo IBDCON ante as isenções e imunidades de que desfruta. Com relação a esse aspecto, Ministro Benjamin Zymler, quando relatou o TC 014.030/2002-8, acerca da participação de cooperativas em licitações, chegou a cogitar a possibilidade de a Administração equalizar as propostas em licitações em que haja concorrentes dotados de determinados privilégios:
“21. Reconheça-se, contudo, que a situação jurídica especial e, de certa forma privilegiada, de tais entidades requer a adoção de determinadas medidas por parte do Poder Público de forma a equalizar a licitação. Nesse sentido, lícita a utilização de critérios de classificação de propostas dos licitantes que possam anular ou tornar irrisórios os efeitos de eventuais privilégios fiscais ou de qualquer natureza que gozem as cooperativas e que possam influenciar na igualdade de condições que deve permear toda licitação pública.”

26. Ante a iminente celebração do contrato com a entidade vencedora da licitação e a possibilidade da existência de irregularidade no Pregão Eletrônico n.º 50/2006, considero presentes os requisitos para a concessão de medida cautelar com o objetivo de suspender os procedimentos relativos à licitação em foco.

27. Quanto à audiência dos servidores do BNDES, divirjo da 5ª Secex. Não creio ter havido ato irregular passível de apenação por esta Corte. A questão é polêmica e pode haver entendimentos divergentes quanto à participação de entidades como o IBDCON em licitações.

28. Por fim, descarto, com base no art. 276, § 3º, in fine, a necessidade de nova oitiva do Instituto Brasileiro de Difusão do Conhecimento - IBDCON. A entidade já foi ouvida e não há necessidade de nova manifestação.

29. Diante do exposto, acolho, em parte, a manifestação da 5ª Secex e decido:
I - determinar cautelarmente ao Banco Nacional de Desenvolvimento e Econômico e Social - BNDES, nos termos do art. 276 do Regimento Interno/TCU, que suspenda de imediato o Pregão Eletrônico nº 50/2006, assim como de todos os atos dele decorrentes, inclusive do contrato porventura assinado com a licitante vencedora, até a manifestação do mérito pelo Tribunal de Contas da União;
II - diligenciar o BNDES para que apresente a este Tribunal, também no prazo de 15 (quinze) dias, as certidões de prova da regularidade fiscal do IBDCON perante a Fazenda Nacional (quanto aos tributos federais e à Dívida Ativa da União), no dia da abertura da primeira sessão pública do Pregão Eletrônico nº 50/2006, e que serviram de suporte para os registros no Sistema de Cadastro de Fornecedores - SICAF; e
III - cientificar as representantes Montana Soluções Corporativas Ltda. e Sigma Dataserv Informática S/A desta decisão.
Restituam-se os autos à 5ª Secex para prosseguimento do feito.
TCU, Gabinete do Ministro, em 28 de março de 2007.
MARCOS VINICIOS VILAÇA
Ministro




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