Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública e em Desenvolvimento Institucional
Do conceito de “Domínio
Público”
Sobre o
conceito de “domínio público” segundo Hely Lopes Meirelles[1],
tem dois desdobramentos, um “político”, referente ao domínio iminente e outro “jurídico”, referente ao domínio patrimonial. O
referente ao domínio iminente como “o poder político pelo qual o Estado submete
à sua vontade todas as coisas de seu território” e, frisa que se trata de
exercício da soberania interna e não de um direito de propriedade, de tal sorte
que alcança não só os bens pertencentes às entidades públicas, mas também os
bens privados.
PEREIRA, Ruth Helena Silva Vasconcelos,
advogada, especialista em direito empresarial, em resumo de artigo publicado na
WEB,[2]
sobre domínio público diz: “O domínio público consiste, numa acepção
geopolítica, na extensão territorial pertencente ao Estado e de todos os bens
que a ele pertencem ou nele se encontram, não havendo distinção em razão de
titularidade, podendo ser exercido tanto pela União quanto Estado-Membro, Distrito
Federal ou Município, e que estão sob regime jurídico específico. É o poder
exercido pelo Estado sobre toda a extensão do território nacional, inclusive
sobre as águas territoriais, juntamente aos espaços hídricos de interesse
interno, como rios e lagos que se circunscrevem nos limites estatais.
Corresponde à jurisdição geral e exclusiva sob a competência da soberania
estatal. Assim, sobre todas as coisas insertas no campo de atuação do domínio
público, o Estado exerce competências de ordem legislativa, administrativa e
jurisdicional, cabendo somente a ele adotar medidas restritivas pelo monopólio
do uso da força pública.[3]
O significado de competência territorial, ou seja, do direito do Estado exercer
jurisdição sobre seu território e sobre todas as pessoas e coisas nele
existentes, como explicitado no artigo 3º do Projeto de Declaração dos Direitos
e Deveres dos Estados, de 1949, é, de acordo com C. Rousseau, “a competência do Estado em relação aos
homens que vivem em seu território, às coisas que nele se encontram e aos fatos
que aí ocorrem.”[4]
Resta-nos entendermos que do “domínio
político” e do “domínio jurídico” existe uma
relação de dependência do segundo para o primeiro e que se auto sustentam dando
força à autonomia do ente federado. Força esta que os entes federados municipais
não entendem ou desconhecem e, portanto, ficam fragilizados aos ataques
constantes dos Estados e, vez por outra, da própria União. Quanto ao domínio
político, entende-se que este é representado pelas prerrogativas que
têm cada ente federativo e que são reconhecidas como o poder que têm os “Poderes
(Legislativo e Executivo)” de cada ente público, para legislar e administrar,
planejando e regulando as ações da sociedade e do próprio estado através dos
seus agentes, que, efetivamente passam a ser reconhecidos como domínio
jurídico, na soma da legislação pertinente e integrante de sistema
próprio e específico que demanda da Constituição Federal no direito da coisa
pública, material e imaterial. Destarte, é o Município senhor das providências
para decidir sobre o que está sob o seu domínio político e jurídico e, para tanto,
terá que legislar sobre as matérias na forma que foi estabelecida pela
Constituição Federal, e, nestes estudos, em especial, em se tratando das
competências comuns, sobre matéria ambiental, dentre outras estabelecidas pelo
art. 23 da Constituição Federal.
Da Autonomia do ente
federado e a relação territorial sob o seu domínio, e o império e limites para
dispor sobre seus bens e seu território
Há a necessidade de que os entes
federados envolvidos no processo que se relacionam às competências
estabelecidas pela Constituição Federal (União, Estados-membros, Distrito
Federal, Municípios), especialmente, as comuns (art. 23 da CF/88) e as concorrentes (art. 24 da CF/88), rigorosamente nestes estudos as relacionadas e
com conexões com as funções relativas ao meio-ambiente, compreendam as suas
limitações constitucionais quanto ao que está estabelecido para o sistema
federativo nesta referida Carta Magna, no respeito à soberania da União (art. 1º, I) e autonomia de todos os
entes federados (art. 18).
Rigorosamente, hão de ser observadas
as disposições constitucionais para que, tais entes, especialmente, os
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios – de forma muito especial o ente
municipal que é castrado pelos demais entes (União e Estados-membros) em sua
autonomia! – consigam a necessária harmonia no exercício de suas competências à
luz das demandas nas suas obrigações e deveres de providências. Neste sentido,
o mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em extraordinária didática
facilita-nos o entendimento da questão, um tanto complexa, e que merece
atenção, especialmente, pela constatação de flagrantes normas editadas pela União
e pelos Estados-membros que, efetivamente, subtraem com justificativas
incabíveis a autonomia dos Municípios como entes-federados, que, é fortemente
constatado em matérias relacionadas ao meio ambiente. Portanto, há de ser
compreendido o que diz o mestre Moreira Neto, em excertos transcritos de sua
obra “Curso de Direito Administrativo” Capítulo III sobre Sistema Federativo
Brasileiro[5]:
“Chegamos, enfim, ao
conceito procurado; a soberania é a qualidade de um poder político que
caracteriza uma ordem jurídica que não está subordinada a qualquer outra.
Jellinek, dando destaque
jurídico à ideia de soberania, enfatiza precisamente esta autolimitação:
“capacidade de um ente de determinar-se a si mesmo sob o ponto de vista
jurídico”.
Pode-se distinguir, na soberania, três
qualidades: autodeterminação jurídica plena, autogoverno e auto-administração.
Na autodeterminação
jurídica plena, está a possibilidade de fixar regras de competência de todos os
órgãos do Estado soberano. Esta peculiaridade é tão importante na noção de
soberania que levou Labland a defini-la como a competência para ditar a
competência (“Kompetenz von Kompetenz”).
No autogoverno, está a
possibilidade de um ente reger-se pelas normas que instituir, obedecendo à
normatividade primária a que está adstrito.
Na auto-administração,
está a gestão de pessoas, bens e serviços com vistas ao atendimento de
interesses, mas sob condições heteronomamente definidas; isto é: as normas para
a execução dessas atividades administrativas são definidas por um ente
supra-ordinado.
Se estão presentes os
três elementos, temos soberania; se só os dois últimos, temos autonomia; se
apenas o último, autarquia.”
Para que não restem dúvidas quanto ao
que demonstrou o mestre MOREIRA NETO, basta-nos observarmos ao que ele diz nos
seguintes excertos de sua obra e que se relaciona ao mesmo Capítulo e temas –
autonomia e federação[6]:
“A
federação brasileira acrescenta a esse esquema tradicional uma peculiaridade: a
introdução do Município, como entidade federada, gozando de autonomia (art. 18.
Caput, da Constituição Federal). A este terceiro grau de personalização
jurídico-política, reserva-lhe, a Carta de 1988, um aspecto de competências
enumeradas (arts. 23 e 30, II a IX)
e não enumeradas; essas, compreendidas numa fórmula ampla – o atendimento ao interesse local (art. 30, I) – que a tradição constitucional brasileira tem
entendido como o peculiar e predominante interesse local.
A peculiaridade do
Município está no autogoverno, que lhe confere autonomia em relação ao
Estado-membro, gozando de autodeterminação jurídica relativa, face às duas
outras órbitas federativas, podendo, inclusive, votar sua própria lei orgânica,
a Carta Municipal, consoante o art. 29, caput da Constituição Federal.
São, assim, três ordens
jurídicas autônomas em suas respectivas
esferas de competência, delimitadas pela Constituição Federal (art. 18, caput).
Integra ainda a
organização federativa o Distrito Federal, sede da Capital da República, que se
situa constitucionalmente como um Estado anômalo, também autônomo, com
personalidade jurídico-política e competência própria (arts. 23 e 32 § 1º).”
Indícios de que, respectivamente, a
Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, e Lei Complementar nº 140, de 8 de
dezembro de 2011, editadas pela União, em consonância com a Constituição
Federal, mandam observar a autonomia dos entes federados, uns dos outros, em
relevância, nestes estudos o Município, que em relação ao domínio público de
cada ente federado, encontramos nos seguintes dispositivos:
Na LEI Nº 9.985 de 18
de julho de 2000
“Art. 3º O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC é
constituído pelo conjunto das unidades de conservação federais, estaduais e
municipais, de acordo com o disposto nesta Lei.
............................
Art. 5º O SNUC será regido por
diretrizes que:
I – (...);
III – assegurem a participação
efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de
conservação.
..............................
Art. 6º O SNUC será gerido pelos
seguintes órgãos, com as respectivas atribuições:
I – (...);
III – órgãos executores: o Instituto
Chico Mendes e o Ibama, em caráter supletivo, os órgãos estaduais e municipais,
com a função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e
administrar as unidades de conservação federais, estaduais e municipais, nas
respectivas esferas de atuação. (Redação dada pela Lei nº 11.516 de 2007)
Parágrafo único. Podem integrar o SNUC, excepcionalmente e a
critério do Conama, unidades de conservação estaduais e municipais que,
concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais, possuam objetivos
de manejo que não possam ser satisfatoriamente atendidos por nenhuma categoria
prevista nesta Lei cujas características permitam, em relação a estas, uma
clara distinção.
.........................
Art. 11. O Parque Nacional tem como
objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância
ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas
e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de
recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
.........................
§ 4º As unidades dessa categoria, quando criados pelo Estado ou Município,
serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal.
........................
Art. 17. A Floresta Nacional é uma
área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como
objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa
científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas
nativas.
........................
§ 6º A unidade desta categoria, quando criada pelo Estado ou Município, será
denominada, respectivamente, Floresta Estadual e Floresta Municipal.
.........................
Art. 22. As unidades de conservação
são criadas por ato do Poder Público.
§ 1º (...).
.........................
§ 3º No processo de consulta de que
trata o § 2º, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e
inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.
..........................
Art. 22-A. O Poder Público poderá,
ressalvadas as atividades agropecuárias e outras atividades econômicas em
andamento e obras públicas licenciadas, na forma da lei, decretar limitações
administrativas provisórias ao exercício de atividades e empreendimentos
efetiva ou potencialmente causadores de degradação ambiental, para a realização
de estudos com vistas na criação de Unidade de Conservação, quando o critério
do órgão ambiental competente, houver risco de dano grave aos recursos naturais
ali existentes.
............................
Art. 42. As populações tradicionais
residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja
permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes
devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre
as partes.
§ 1º O Poder Público, por meio do
órgão competente, priorizará o reassentamento das populações tradicionais a
serem realocadas.
...........................
Art. 43. O Poder público fará
levantamento nacional das terras devolutas, com o objetivo de definir áreas
destinadas à conservação da natureza, no prazo de cinco anos após a publicação
desta Lei.
............................”
Na Lei Complementar Nº 140, de 8 de dezembro de 2011
“Art. 1º Esta Lei Complementar fixa
normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do
art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do
exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais
notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de
suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.
.......................................
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, no exercício
da competência comum a que se refere esta Lei Complementar:
I – proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente;
II – garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção
do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais;
III – (...);
.......................................
Art. 5º O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de
ações administrativas e ale atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente
destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as
ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.
Parágrafo único. Considera-se órgão ambiental capacitado, para efeitos do disposto no
caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente
habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas
a serem delegadas.
Os gestores públicos dos municipais
alcançados pela decisão do Estado de Pernambuco de criar a “Reserva de Vida Silvestre Tatu-bola”, mediante um malfadado
Decreto, desconhecem as competências inerentes aos entes que são gestores e,
portanto, absurdos do tipo são inúmeros, onde a autonomia dos entes federados, Municípios, são inúmeras nas questões
ambientais, dentre outras, considerando que a tais entes competem as obrigações
de legislarem sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da CF/88),
isoladamente ou, em comum com a União e os Estados, sobre a proteção ao meio
ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas; preservar as
florestas, a fauna e a flora; fomentar a produção agropecuária e organizar o
abastecimento alimentar; promover programas de construção de moradias e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico; combater as causas da
pobreza e os fatores da marginalização, promovendo a integração social e dos
setores desfavorecidos; e, dentre outros, registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios (art.
23, VI, VII, VIII, IX, X e XI, da CF/88).
[1]
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro; Malheiros – 17ª ed.
São Paulo: 1991.
[2]
PEREIRA, Ruth Helena Silva Vasconcelos. Advogada – Especialista em direito
empresarial – Artigo “O Exercício do domínio público sobre a propriedade
privada” - Publicado na WEB – Site: www.conteúdojurídico.com.br, acessado em
19/03/2019.
[3]
REZEK, J. F. – Direito Internacional Público. 9ª ed. São Paulo – Saraiva, 2002,
p. 253/154.
[4]
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro; Malheiros – 17ª ed.
São Paulo: 1991 - p. 426.
[5]
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo – Curso de Direito Administrativo. 9ª ed.
revista, aumentada e atualizada pela Constituição de 1988. Rio de Janeiro.
Forense, 1990 – p. 31.
[6]
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo – Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. revista,
aumentada e atualizada pela Constituição de 1988. Rio de Janeiro. Forense, 1990
– p. 32.
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