quarta-feira, 19 de junho de 2019

Do conceito de domínio público ao territorial, à autonomia, à conclusão para decidir sobre criação de reservas de áreas de preservação ambiental














Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública e em Desenvolvimento Institucional


Do conceito de “Domínio Público”


          Sobre o conceito de “domínio público” segundo Hely Lopes Meirelles[1], tem dois desdobramentos, um “político”, referente ao domínio iminente e outro “jurídico”, referente ao domínio patrimonial. O referente ao domínio iminente como “o poder político pelo qual o Estado submete à sua vontade todas as coisas de seu território” e, frisa que se trata de exercício da soberania interna e não de um direito de propriedade, de tal sorte que alcança não só os bens pertencentes às entidades públicas, mas também os bens privados. 


          PEREIRA, Ruth Helena Silva Vasconcelos, advogada, especialista em direito empresarial, em resumo de artigo publicado na WEB,[2] sobre domínio público diz: “O domínio público consiste, numa acepção geopolítica, na extensão territorial pertencente ao Estado e de todos os bens que a ele pertencem ou nele se encontram, não havendo distinção em razão de titularidade, podendo ser exercido tanto pela União quanto Estado-Membro, Distrito Federal ou Município, e que estão sob regime jurídico específico. É o poder exercido pelo Estado sobre toda a extensão do território nacional, inclusive sobre as águas territoriais, juntamente aos espaços hídricos de interesse interno, como rios e lagos que se circunscrevem nos limites estatais. Corresponde à jurisdição geral e exclusiva sob a competência da soberania estatal. Assim, sobre todas as coisas insertas no campo de atuação do domínio público, o Estado exerce competências de ordem legislativa, administrativa e jurisdicional, cabendo somente a ele adotar medidas restritivas pelo monopólio do uso da força pública.[3] O significado de competência territorial, ou seja, do direito do Estado exercer jurisdição sobre seu território e sobre todas as pessoas e coisas nele existentes, como explicitado no artigo 3º do Projeto de Declaração dos Direitos e Deveres dos Estados, de 1949, é, de acordo com C. Rousseau, “a competência do Estado em relação aos homens que vivem em seu território, às coisas que nele se encontram e aos fatos que aí ocorrem.”[4]


          Resta-nos entendermos que do “domínio político” e do “domínio jurídico” existe uma relação de dependência do segundo para o primeiro e que se auto sustentam dando força à autonomia do ente federado. Força esta que os entes federados municipais não entendem ou desconhecem e, portanto, ficam fragilizados aos ataques constantes dos Estados e, vez por outra, da própria União. Quanto ao domínio político, entende-se que este é representado pelas prerrogativas que têm cada ente federativo e que são reconhecidas como o poder que têm os “Poderes (Legislativo e Executivo)” de cada ente público, para legislar e administrar, planejando e regulando as ações da sociedade e do próprio estado através dos seus agentes, que, efetivamente passam a ser reconhecidos como domínio jurídico, na soma da legislação pertinente e integrante de sistema próprio e específico que demanda da Constituição Federal no direito da coisa pública, material e imaterial. Destarte, é o Município senhor das providências para decidir sobre o que está sob o seu domínio político e jurídico e, para tanto, terá que legislar sobre as matérias na forma que foi estabelecida pela Constituição Federal, e, nestes estudos, em especial, em se tratando das competências comuns, sobre matéria ambiental, dentre outras estabelecidas pelo art. 23 da Constituição Federal.  
  


Da Autonomia do ente federado e a relação territorial sob o seu domínio, e o império e limites para dispor sobre seus bens e seu território


          Há a necessidade de que os entes federados envolvidos no processo que se relacionam às competências estabelecidas pela Constituição Federal (União, Estados-membros, Distrito Federal, Municípios), especialmente, as comuns (art. 23 da CF/88) e as concorrentes (art. 24 da CF/88), rigorosamente nestes estudos as relacionadas e com conexões com as funções relativas ao meio-ambiente, compreendam as suas limitações constitucionais quanto ao que está estabelecido para o sistema federativo nesta referida Carta Magna, no respeito à soberania da União (art. 1º, I) e autonomia de todos os entes federados (art. 18).


          Rigorosamente, hão de ser observadas as disposições constitucionais para que, tais entes, especialmente, os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios – de forma muito especial o ente municipal que é castrado pelos demais entes (União e Estados-membros) em sua autonomia! – consigam a necessária harmonia no exercício de suas competências à luz das demandas nas suas obrigações e deveres de providências. Neste sentido, o mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em extraordinária didática facilita-nos o entendimento da questão, um tanto complexa, e que merece atenção, especialmente, pela constatação de flagrantes normas editadas pela União e pelos Estados-membros que, efetivamente, subtraem com justificativas incabíveis a autonomia dos Municípios como entes-federados, que, é fortemente constatado em matérias relacionadas ao meio ambiente. Portanto, há de ser compreendido o que diz o mestre Moreira Neto, em excertos transcritos de sua obra “Curso de Direito Administrativo” Capítulo III sobre Sistema Federativo Brasileiro[5]:

          “Chegamos, enfim, ao conceito procurado; a soberania é a qualidade de um poder político que caracteriza uma ordem jurídica que não está subordinada a qualquer outra.
          Jellinek, dando destaque jurídico à ideia de soberania, enfatiza precisamente esta autolimitação: “capacidade de um ente de determinar-se a si mesmo sob o ponto de vista jurídico”.
          Pode-se distinguir, na soberania, três qualidades: autodeterminação jurídica plena, autogoverno e auto-administração.
          Na autodeterminação jurídica plena, está a possibilidade de fixar regras de competência de todos os órgãos do Estado soberano. Esta peculiaridade é tão importante na noção de soberania que levou Labland a defini-la como a competência para ditar a competência (“Kompetenz von Kompetenz”).
          No autogoverno, está a possibilidade de um ente reger-se pelas normas que instituir, obedecendo à normatividade primária a que está adstrito.
          Na auto-administração, está a gestão de pessoas, bens e serviços com vistas ao atendimento de interesses, mas sob condições heteronomamente definidas; isto é: as normas para a execução dessas atividades administrativas são definidas por um ente supra-ordinado.
          Se estão presentes os três elementos, temos soberania; se só os dois últimos, temos autonomia; se apenas o último, autarquia.”   


          Para que não restem dúvidas quanto ao que demonstrou o mestre MOREIRA NETO, basta-nos observarmos ao que ele diz nos seguintes excertos de sua obra e que se relaciona ao mesmo Capítulo e temas – autonomia e federação[6]:

          “A federação brasileira acrescenta a esse esquema tradicional uma peculiaridade: a introdução do Município, como entidade federada, gozando de autonomia (art. 18. Caput, da Constituição Federal). A este terceiro grau de personalização jurídico-política, reserva-lhe, a Carta de 1988, um aspecto de competências enumeradas (arts. 23 e 30, II a IX) e não enumeradas; essas, compreendidas numa fórmula ampla – o atendimento ao interesse local (art. 30, I) – que a tradição constitucional brasileira tem entendido como o peculiar e predominante interesse local.

          A peculiaridade do Município está no autogoverno, que lhe confere autonomia em relação ao Estado-membro, gozando de autodeterminação jurídica relativa, face às duas outras órbitas federativas, podendo, inclusive, votar sua própria lei orgânica, a Carta Municipal, consoante o art. 29, caput da Constituição Federal.

          São, assim, três ordens jurídicas autônomas em suas respectivas esferas de competência, delimitadas pela Constituição Federal (art. 18, caput).

          Integra ainda a organização federativa o Distrito Federal, sede da Capital da República, que se situa constitucionalmente como um Estado anômalo, também autônomo, com personalidade jurídico-política e competência própria (arts. 23 e 32 § 1º).”


          Indícios de que, respectivamente, a Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, e Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, editadas pela União, em consonância com a Constituição Federal, mandam observar a autonomia dos entes federados, uns dos outros, em relevância, nestes estudos o Município, que em relação ao domínio público de cada ente federado, encontramos nos seguintes dispositivos:



Na LEI Nº 9.985 de 18 de julho de 2000


          Art. 3º O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC é constituído pelo conjunto das unidades de conservação federais, estaduais e municipais, de acordo com o disposto nesta Lei.
          ............................

          Art. 5º O SNUC será regido por diretrizes que:
          I – (...);
       III – assegurem a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação.
          ..............................

          Art. 6º O SNUC será gerido pelos seguintes órgãos, com as respectivas atribuições:
          I – (...);
       III – órgãos executores: o Instituto Chico Mendes e o Ibama, em caráter supletivo, os órgãos estaduais e municipais, com a função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e administrar as unidades de conservação federais, estaduais e municipais, nas respectivas esferas de atuação. (Redação dada pela Lei nº 11.516 de 2007)

          Parágrafo único.  Podem integrar o SNUC, excepcionalmente e a critério do Conama, unidades de conservação estaduais e municipais que, concebidas para atender a peculiaridades regionais ou locais, possuam objetivos de manejo que não possam ser satisfatoriamente atendidos por nenhuma categoria prevista nesta Lei cujas características permitam, em relação a estas, uma clara distinção.
          .........................

          Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
          .........................

          § 4º As unidades dessa categoria, quando criados pelo Estado ou Município, serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal.
          ........................

     Art. 17. A Floresta Nacional é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas.
          ........................

        § 6º A unidade desta categoria, quando criada pelo Estado ou Município, será denominada, respectivamente, Floresta Estadual e Floresta Municipal.  
          .........................

             Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.
             § 1º (...).
             .........................

            § 3º No processo de consulta de que trata o § 2º, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.
             ..........................

           Art. 22-A. O Poder Público poderá, ressalvadas as atividades agropecuárias e outras atividades econômicas em andamento e obras públicas licenciadas, na forma da lei, decretar limitações administrativas provisórias ao exercício de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de degradação ambiental, para a realização de estudos com vistas na criação de Unidade de Conservação, quando o critério do órgão ambiental competente, houver risco de dano grave aos recursos naturais ali existentes.
             ............................

           Art. 42. As populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes.

          § 1º O Poder Público, por meio do órgão competente, priorizará o reassentamento das populações tradicionais a serem realocadas.
              ...........................

           Art. 43. O Poder público fará levantamento nacional das terras devolutas, com o objetivo de definir áreas destinadas à conservação da natureza, no prazo de cinco anos após a publicação desta Lei.
             ............................”



 Na Lei Complementar Nº 140, de 8 de dezembro de 2011


          “Art. 1º Esta Lei Complementar fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.
             .......................................

         Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no exercício da competência comum a que se refere esta Lei Complementar:
          I – proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente;
          II – garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais;
              III – (...);
              .......................................

          Art. 5º O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas e ale atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.

          Parágrafo único. Considera-se órgão ambiental capacitado, para efeitos do disposto no caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas.
    

          Os gestores públicos dos municipais alcançados pela decisão do Estado de Pernambuco de criar a “Reserva de Vida Silvestre Tatu-bola”, mediante um malfadado Decreto, desconhecem as competências inerentes aos entes que são gestores e, portanto, absurdos do tipo são inúmeros, onde a autonomia dos entes federados, Municípios, são inúmeras nas questões ambientais, dentre outras, considerando que a tais entes competem as obrigações de legislarem sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da CF/88), isoladamente ou, em comum com a União e os Estados, sobre a proteção ao meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas; preservar as florestas, a fauna e a flora; fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; combater as causas da pobreza e os fatores da marginalização, promovendo a integração social e dos setores desfavorecidos; e, dentre outros, registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios (art. 23, VI, VII, VIII, IX, X e XI, da CF/88).



[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro; Malheiros – 17ª ed. São Paulo: 1991.
[2] PEREIRA, Ruth Helena Silva Vasconcelos. Advogada – Especialista em direito empresarial – Artigo “O Exercício do domínio público sobre a propriedade privada” - Publicado na WEB – Site: www.conteúdojurídico.com.br, acessado em 19/03/2019. 
[3] REZEK, J. F. – Direito Internacional Público. 9ª ed. São Paulo – Saraiva, 2002, p. 253/154.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro; Malheiros – 17ª ed. São Paulo: 1991 - p. 426.
[5] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo – Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. revista, aumentada e atualizada pela Constituição de 1988. Rio de Janeiro. Forense, 1990 – p. 31. 
[6] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo – Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. revista, aumentada e atualizada pela Constituição de 1988. Rio de Janeiro. Forense, 1990 – p. 32.

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