Já se constatavam flagrantes desrespeitos aos princípios constitucionais que delineiam a forma de democracia que foi arquitetada para o País (Brasil), pífia e, confusa, mas, que foi certamente um bom avanço quando considerado todo o período anterior à vigência da Carta Maior de 1988. O corporativismo das classes trabalhadoras – entenda-se, apenas em favor dos dirigentes classistas: políticos pela origem! – é um dos cânceres que corroem as células institucionais do sistema que se quer ser reconhecido como democrático; vez que, reconhecem-se aí, interesses da minoria em detrimento da maioria que, pelas fórmulas cartoriais positivadas – e, até mesmo as não positivadas onde se é permitido todo tipo de abuso e práticas de corrupção contra o Estado e contra o filiado contribuinte obrigatório – se locupletam e se catapultam para os cargos mais importantes da República Brasileira e, daí a traição aos seus iguais na profissão, mas, desiguais, nas oportunidades e nos oportunismos. Temos então, como conseqüência o Estado fragilizado e desconstruído e, como conseqüência a morte gradativa dos princípios filosóficos que de certa forma ainda sustentam a frágil democracia do País. Com os corporativistas – pseudos defensores das classes trabalhadoras – nos cargos máximos de decisão do País, não poderemos esperar coisas melhores e, os arranhões nos princípios que dão sustentabilidade ao processo democrático do País são sistemáticos e cada vez mais freqüentes. Ontem foi a grande fraude com o estelionato no processo eleitoral e, mais freqüente, o aparelhamento do Estado pelos partidos políticos, negando destarte a necessidade de se cumprir o Artigo 37 da Constituição Federal que estabeleceu como princípios para a administração pública, dentre outros: os da moralidade, da impessoalidade e, da legalidade.
Não foram morais e patrióticos os legisladores que arranharam disposições da Constituição Federal, especificamente o inciso IV do Artigo 7º, quando escandalosamente transferem para o Poder Executivo a prerrogativa para a fixação do salário mínimo mediante Decreto nos próximos exercícios vindouros (2011 a 2015). No mínimo é a tentativa de experimentação da sociedade para a implantação de uma nova forma de governo – que, certamente, não é com a intenção de ampliação do processo democrático! – que se delineia na capacidade de domínio do Estado e da sociedade na oportunidade do que o erário público lhes disponibiliza e oportuniza. Para mim, não me parece ser outra coisa, pois, burros não os são!... pois que, a Constituição Federal, sobre a matéria (salário mínimo) não deixa um outro entendimento que não seja o da necessidade da apreciação de um determinado valor que deverá ser fixado na Lei. O dispositivo constitucional in verbis não é duvidoso à boa exegese:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;” (Destaque nosso).
Observem que, não tem uma outra forma de se interpretar tais dispositivos constitucionais quanto a fixação do salário mínimo, vez que, o dispositivo constitucional foi taxativo na expressão: “salário mínimo fixado em lei”. O que se entende por fixar?... Fixar é, segundo dicionário on line Priberam da Língua Portuguesa: (fixo + -ar) v. tr. 1. Tornar fixo. 2. Segurar, cravar, pregar. 3. Afixar. 4. Fitar. 5. Reter (na memória). 6. Determinar, indicar com exactidão!. 7. Tornar estável. 8. Quím. Concentrar (substância volátil). v. pron. 9. Tornar-se fixo, estável, permanente. 10. Estabelecer-se. 11. Atentar, fixar a atenção. Observamos atentamente que, o termo fixar traduz exatidão para o que se quer, portanto, esta exatidão tem que estar contida na Lei que definir o salário mínimo, independentemente, de quaisquer outros fatores preliminares que se queira utilizar para a sua fixação. Isto é, os cálculos e expectativas levadas em consideração para a definição do valor a ser fixado por Lei. Portanto a Lei do salário mínimo é inconstitucional!
Há de ser considerado ainda, o fato de que com a nova fórmula pensada pela base governista elimina de vez o debate nacional sobre uma matéria que é de suma relevância para a sociedade como um todo e, que tem forte interferência na sociedade brasileira como um todo, tanto nos aspectos sócio, previdenciário, como no econômico. Portanto, é necessário o debate nacional por interferir na vida de cada brasileiro. Destarte, há de se reconhecer que, a falta do debate é um crime contra o sistema democrático.
Ao pesquisar na internet sobre a matéria, encontrei um excelente artigo de RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO, advogado, Conselheiro Seccional da OAB/MA e Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA, o qual foi publicado no blog: “Os Constitucionalistas” e, que tenho a imensa satisfação de citar trechos do brilhante e preciso artigo, com o título: “A inconstitucionalidade da fixação do salário mínimo por decreto”, o qual nos dá a certeza de que a vigilância da sociedade será eficiente para que não se tenha retrocesso no processo de construção da democracia no País. Vamos, portanto, aos trechos:
“Ao antecipar os debates sobre os índices de correção monetária e concessão de aumento real do valor do salário mínimo, o legislador de hoje usurpa competência do legislador de amanhã de discutir os critérios adotados no futuro para a fixação de novos valores do salário mínimo. É óbvio que o debate sobre os novos valores do salário mínimo deve ser feito ao tempo e modo próprios, que são exatamente no ano em que terá início a sua vigência, ou logo antes, e no Congresso Nacional, tido este como a composição empossada naquele momento histórico e datado. Daí novamente se afirma a violação ao art. 7°, IV, da Constituição da República.
Nesse contexto, e se fosse considerada legítima a fórmula adotada no PL n° 382/2011, far-se-ia a pergunta: por até quanto tempo poderia a lei antecipar o reajuste do salário mínimo? Por quatro, oito ou doze anos? Qual o limite? Até quando seria razoável? Por que é razoável os quatro anos propostos no PL 382/2011, e não seria legítimo antecipar os critérios em cinco anos?
Some-se a isso a necessidade de permitir maior discussão no momento da concessão dos reajustes, pluralizando o debate com as categorias interessadas. Neste item, merece destaque especial os trabalhadores, assistidos por seus órgãos de representação de classe, mas não apenas estes. Devem ter voz nesse debate, também, os empregadores, os representantes do Poder Público – dos diversos entes federados (União, Estados e Municípios).
Tanto é assim que historicamente os governos sempre sofreram derrotas na fixação do salário mínimo. Quase todos os anos, especialmente nos anos eleitorais – tanto de eleições municipais, como especialmente de eleições gerais, o Congresso Nacional acaba cedendo às pressões e eleva um pouco mais o valor proposto pelo governo. Até mesmo neste ano não foi diferente. A equipe de transição indicada pelo empossado este ano tratou com governo findo a fixação do valor do salário mínimo em R$ 540,00 (quinhentos e quarenta reais), o que foi feito através da Medida Provisória n° 516/10, baixada no último dia do governo anterior, a vigorar o valor já para 1° de janeiro de 2011. Todavia, mesmo antes da reabertura do Congresso Nacional, o próprio governo já havia cedido, aceitando aumentaro valor para R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais), tendo sido este o valor proposto no PL n° 382/2010. Com a aprovação antecipada dos índices de reajuste, retira-se dos trabalhadores a possibilidade de pressionar os seus representantes a fixar um valor maior para o salário mínimo a cada ano.”
Convido-os a ler o artigo de RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO, que fecha o raciocínio com chave de ouro, com clareza e brilhantismo no que está afirmando e, do que se confirma na interpretação da disposição constitucional sobre a fixação do salário mínimo e na proposta do governo, ora aprovada pelo congresso.
Referências:
1. Constituição Federal de 1988;
2. Projeto de Lei que dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011, a sua política de valorização de longo prazo, e disciplina a representação fiscal para fins penais nos casos em que houve parcelamento do crédito tributário;
3. Dicionário on line Priberam da Língua Portuguesa;
4. RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO – in: “A Inconstitucionalidade do Salário Mínimo por Decreto”. Blog: Os Constitucionalistas.