*Nildo Lima Santos
Esta semana, quando em viagem de retorno no atendimento de um cliente de município muito distante do meu domicílio, presenciei um episódio sério e que corriqueiramente coloca em risco vidas de pessoas, o qual é constante em todas as estradas brasileiras e que as autoridades de forma irresponsável fingem desconhecer. Assim como não se sensibilizam para a grande tragédia nacional que são as estradas brasileiras – sem sinalização, esburacadas, sem acostamento, com quebras-molas estendidos sobre o leito das pistas sem nenhuma sinalização de advertência, ou com sinalização invisível e precária, em suma, sem manutenção -, também, não se sensibilizam pela grande perda de vídas brasileiras na grande tragédia nacional em todos os sentidos. Mas, os detentores do Poder Estatal, com assento nas cadeiras mais poderosas de Brasília, ou das capitais dos Estados Federados, conseguem enganar a sociedade escondendo as falhas deste imenso Estado, lastimável e perverso para os que nele se assentam ou transitam. Basta algum motorista irresponsável beber além da conta para que se achem os culpados. A culpa é do álcool vendido nas margens das estradas! A culpa é do “bebum” que, até mesmo por falta de sorte se arrebenta nos buracos deste Estado, que incluem os buracos das estradas mal conservadas ou sem nenhuma conservação. Daí se eximindo da culpa: o Presidente da República, os seus Ministros, principalmente os do Planejamento e dos Transportes, com a anuência de um Ministro da Justiça que saca da caneta e propõe com a “máster inteligência” projeto de lei que retira direitos de cidadania do povo brasileiro fortalecendo a corrupção do Estado através de seus agentes, com as armas das pesadas multas e de penalidades outras - somente cabidas para criminosos de alta periculosidade -, como se fossem as soluções definitivas para o problema.
Não se dão conta, os governantes, de que os problemas são eles mesmos nas suas omissões, irresponsabilidades, incompetências e cegueiras quase que absolutas quando se trata das coisas do Estado.
Vamos voltar ao episódio que ilustra bem a realidade da qual estou tentando chamar a atenção e, que iniciei este artigo:
Após percorrermos muitos quilômetros por estradas esburacadas, eu e um outro consultor, meu amigo, correndo os mais diversos riscos, mesmo com a cautela devida, ora pela falta de sinalização de alerta dos quebra-molas, ora pela falta de acostamento, ora pelos buracos das estradas ou por curvas mal planejadas que tiravam o carro da estrada, ora pela passagem de animais e, até mesmo por pedestres que, displicentemente atravessavam o leito da estrada, vimos a noite chegar muito rapidamente e, apesar de nos revezarmos ao volante do automóvel de um bom porte e potência, chegou o cansaço e, decidimos fazer uma parada de emergência para descansarmos um pouco. Dormimos por uns trinta minutos sob a vigilância dos guardas do posto de abastecimento. Após a breve, mas, revitalizante dormida, dirigi-me para a lanchonete em local acima do estacionamento onde nos encontrávamos pra tomar um simples cafezinho – americano, ou expresso, como queiram os leitores – e, que pedi a uma garçonete que prontamente me atendeu e, atendeu a outros três outros homens que, rapidamente, pelo diálogo entre eles, percebi que eram motoristas com destinos diversos. Daí um deles me perguntou, de forma amigável, mas, irônica – não porque quisesse ser irônico, mas, porque a situação os forçava a isto e, era uma forma de protesto –: "se eu também não queria tomar o café que eles estavam tomando" e, me apresentou uma cápsula que, pela minha vivência pelas estradas, era anfetamina; mais provável, uma cápsula de Desobesi-M (cloridrato de fenoproporex) ou algo semelhante. – Rindo e amigavelmente, me mostrando ao mesmo tempo solidário com o protesto sem eco, daqueles motoristas (já que era geral a ironia deles para com eles mesmos,que riam melancolicamente como se quisessem dizer: “que para as suas vidas, como motoristas, somente existia aquela saída e, que era a única saída para se sustentarem e a suas famílias e, portanto, por isto, riam de suas próprias vidas e, da situação em que se encontravam”), agradeci e, disse ao motorista que brincando me ofereceu o arrebite “anfetamina”: “Que o melhor remédio para a recuperação do organismo seria dormir o necessário para depois prosseguir viagem.” Daí me respondeu um deles: - Mas como, se a carga que transporto é de frutas e têm que ser entregue antes que apodreçam. – Para aquele momento não tive respostas, pois eles não entenderiam o que eu poderia expor e, a exposição seria por demais longa e exaustiva. – Então, me limitei somente a observá-los e, nesta observação ouvi as seguintes histórias, que resumirei em apenas algumas frases avulsas de alguns:
" - Eu não tomo mais este arrebite (comprimido de anfetamina)! Dá última vez que eu tomei a sensação que eu tive é que o volante do carro estava afinando em minhas mãos e ía chegar o momento que desapareceria por completo.”
“ – Eu encontrei aqui no posto, certo dia, um colega que disse: - Rapaz, você viu o tamanho do viaduto que fizeram lá em Maracás? Quanto mais eu andava, o viaduto crescia e não acabava mais! – Daí eu disse: Que viaduto?! Ta doido cara! Lá nunca teve viaduto!!!”
“ – Um dia quando eu estava viajando após alguns arrebites passei a ver zebras, girafas e leões atravessando a estrada e, dizia pra mim mesmo: - O que é que estes bichos estão fazendo aqui na caatinga? Será que estou vendo miragens?! E, estava mesmo!!!”
Foi o suficiente ouvir aquilo para que eu tivesse a mais clara certeza. E, me afastei desejando-lhes uma boa viagem e uma boa sorte. A certeza de que o Estado Brasileiro é omisso com estes seus filhos que é significativa e importante parcela que transporta e propicia a riqueza do país. A certeza de que a ausência do Estado Brasileiro é o grande e maior perigo que reside nas estradas deste país e, que ceifa vidas de seres humanos insensivelmente.
Pergunta-se:
- O que está a fazer o Ministério do Trabalho que não regulamenta melhor a profissão dos motoristas e não fiscaliza os seus empregadores?
- O que está a fazer a ANVISA que não fiscaliza a distribuição de medicamentos que se transformam em drogas tão letais para os viajantes por este país afora?
- Onde está a Polícia Rodoviária Federal que não implanta um mecanismo de fiscalização e de detecção do uso de tais drogas?
- Onde está o Ministério dos Transportes que não dá manutenção das estradas brasileiras?
- Onde está o Ministério da Justiça que não consegue enxergar esta realidade?
- O que estão a fazer o Ministério da Previdência e, o presidente da República que não reconhecem ser esta profissão “a de motorista”, uma das mais arriscadas deste país e, portanto merecedora de ser enquadrada como de natureza especial para o gozo dos benefícios da aposentadoria com menos tempo de serviço?
Todas estas perguntas são necessárias para se ter a maior certeza. A de que os maiores criminosos são os que estão encastelados em suas confortáveis cadeiras e que não tomam as providências necessárias para as soluções de tão visíveis problemas. Esta é a realidade desconfortável que não carregarei para o túmulo e, registro aqui o meu protesto contra este Estado que não é o Estado solidário e, nem um pouco humano. É o Estado que não distancia muito dos Estados originários e bárbaros, cada um em sua época.
*Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública. Pós Graduado em Políticas Públicas. Bacharel em Ciências Administrativas.
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