domingo, 2 de novembro de 2008

UMA BREVE ABORDAGEM SOBRE ENTIDADES ESTATAIS. Criação e Manutenção de Serviços de Água. Estudos.

*Nildo Lima Santos


I – ASPECTOS CONCEITUAIS

01. As atividades de abastecimento de água, por sua natureza, são típicas do Estado, pois que, para serem executadas necessita-se de desapropriações e utilização de ruas e de servidões públicas. São serviços emergenciais para a coletividade e que, por isso mesmo, o interesse público exige que sejam desenvolvidos continuamente, mesmo em regime deficitário e/ou com o exercício de prerrogativas de poder público.

02. As atividades de distribuição de água são classificadas como “serviços públicos econômicos do Estado”, que tradicionalmente pela sua natureza são assumidos em forma de monopólio pelo Estado, dado as características de essencialidades deles.

03. Ainda sobre o conceito de tais atividades, os serviços inerentes a estas, são tipificados como serviços industriais. Isto porque transforma a água bruta em água tratada. Tal beneficiamento por si caracteriza a industrialização do produto “água” depurando-a de suas impurezas para colocá-la no mercado.

II – PRIVATIZAÇÃO E CONCESSÃO OU PERMISSÃO

04. Através do artigo 175 da Constituição Federal está patente que: “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

05. Colando TOSHIO MUKAI, Mestre e Doutor em Direito 9USP), em matéria publicada no BDM, ano 1, n° 10, págs. 35 e 36, com o título: “Privatização de Serviços Públicos: Licitações e Venda de Ações”, reafirmando que:

“Verifica-se, pois, que o texto constitucional prevê duas hipóteses para a prestação efetiva dos serviços públicos:

a) diretamente pelo Poder Público, que pode executá-lo através de empresas públicas ou sociedades de economia mista, ou, através de entes autárquicos, todos criados mediante autorização legislativa;

b) indiretamente, através da delegação do serviço a entidades privadas, efetuada após licitações mediante concessões e/ou permissões.”


06. Segundo o saudoso HELY LOPES MEIRELLES:

“Serviço Descentralizado: É todo aquele em que o Poder Público transfere sua titularidade ou, simplesmente, sua execução, por outorga ou delegação, a autarquias, entidades paraestatais, empresas privadas ou particulares individualmente. Há outorga quando o estado cria e a ela transfere, por lei, determinado serviço público ou de utilidade pública; há delegação, quando o Estado transfere, por contrato (concessão) ou ato unilateral (permissão ou autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle estatal.” (in Direito Administrativo Brasileiro, 19ª ed.; Editora Malheiros, p-305).

07. Quando se outorga, ao mesmo tempo está existindo a concessão. A outorga se dá por Lei a um ente estatal (autarquia, fundação pública e sociedade de economia mista). Já a delegação se dá por contrato bilateral ou unilateral. Quando ocorre o contrato bilateral estamos falando de “concessão”. Esta se dará mediante prévia licitação do poder público com entidades privadas, transferindo para esta última a execução dos serviços que passa a agir em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle estatal. Quando o estado transfere os serviços públicos por “ato unilateral” ele está apenas permitindo ou autorizando (Permissão e Autorização).

08. Em todas as hipóteses, a privatização só se dará mediante licitação e, cujos serviços públicos licitados, por se caracterizarem, atividades típicas do estado, sofrerão fiscalização permanente pelo ente-concedente, prevista em leis e decretos regulamentares.


III – FORMAS DE ENTIDADES PÚBLICAS PARA EXECUÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS ECONÔMICOS

9. As entidades públicas que têm para si outorga de serviços públicos econômicos, poderão ser criadas por Leis específicas (Art. 37, XIX da C.F.). São as verdadeiras entidades paraestatais e, terão patrimônio público ou misto.

10. A empresa que tem patrimônio público é denominada de Empresa Pública. A que tem patrimônio misto é denominada de empresa mista. Quer dizer: parte do patrimônio público e parte de particulares.

IV – EMPRESAS PÚBLICAS

11. HELY LOPES MEIRELLES, comenta:
“Empresas públicas são pessoas jurídicas de direito privado, autorizadas por lei a se constituírem com capital exclusivamente público, para realizar atividades de interesse da Administração instituidora nos moldes da iniciativa particular.
O que caracteriza a empresa pública é o seu capital exclusivamente público, de uma só ou de várias entidades, mas sempre capital público. Sua personalidade é de direito privado e suas atividades se seguem pelos preceitos comerciais. É uma empresa, mas uma empresa estatal por excelência, constituída, organizada e controlada pelo Poder Público.
Diante das características, apontadas, a empresa pública se apresenta como ente paraestatal, permanecendo na zona de transição entre instrumentos de ação administrativa do Poder Público e as entidades privadas de fins industriais. Sujeita-se ao controle do Estado, na dupla linha administrativa e política, já que o seu patrimônio a sua direção e os seus fins estatais, vale-se tão somente, dos meios da iniciativa privada para atingir seus fins de interesse público.”
(in Direito Municipal Brasileiro, Rumo Gráfica Editora. São Paulo, 1980).

12. Nesta condição, a Empresa Pública fica sujeita a todas obrigações patronais e fiscais como se empresa privada fosse. O vínculo jurídico de trabalho é o trabalhista e a sua contabilidade é a comercial, neste caso, podendo por Lei, adotar mecanismos de controle estendendo à mesma algumas obrigações para a administração pública centralizada, tais como: orçamento público de acordo com a Lei Federal 4.320/64 e licitações nas contratações de acordo com a Lei Federal n° 8.666/93, sendo esta última obrigatória.

13. O conveniente é que a Empresa Pública seja administrada por um colegiado tendo a si subordinado o Dirigente da entidade. Deverá ainda, fazer parte da estrutura da Empresa, um Conselho Fiscal representado pelos órgãos centrais de Controle Interno; pois que, as administrações nos moldes tradicionais sujeitam a Empresa aos caprichos e oportunismos dos maus gerentes e administradores.

14. Exemplos de empresas públicas bem sucedidas e bem administradas através de Conselhos de Administração e fiscalizadas por conselhos Fiscais: EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; CHESF – Companhia Hidroelétrica do Vale do São Francisco; ELETRONORTE; etc.

VI – SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA:

15. Ensina-nos, ainda, o saudoso mestre, HELY LOPES MEIRELLES, sobre Sociedades de Economia Mista:

“As sociedades de economia mista são pessoas de direito privado, com participação do Poder Público e de particulares no seu capital e na sua administração, para a realização de atividade econômica ou serviço de interesse coletivo outorgado ou delegado pelo Estado. Revestem a forma das empresas particulares, admitem lucro, e regem-se pelas normas das sociedades mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizarem a sua criação e funcionamento. São espécies de gênero paraestatal, porque dependem do Estado e sob seu controle desempenham as atribuições de interesse público que lhes forem cometidas. Integram a Administração Indireta como instrumentos de descentralização de serviços (em sentido amplo: serviços, obras, atividades) que antes competiam ao Poder Público.”

16. As sociedades de economia mista não gozam de privilégios estatais, tais como: imunidade tributária, foro privativo, prazos judiciais dilatados, etc, salvo quando concedidos expressamente em lei.

17. Em função da natureza dos serviços públicos, as sociedades de Economia Mista deverão ser constituídas com maior ou menor controle do Estado. Quando se tratar de serviços públicos emergenciais, tais como: abastecimento de água, fornecimento e geração de energia, coleta de lixo, etc; o Estado deverá manter o controle da Empresa através da participação do capital acima de 50% (cinqüenta por cento) deste. Ou maioria das ações com direito a voto, neste caso quando o capital do Estado for menor que 50% (cinqüenta por cento).

18. Controlarão a Empresa Mista, um Conselho de Administração escolhido pelos subscritores das ações com direito a voto que, serão fiscalizados por um Conselho Fiscal escolhido por todos os subscritores de ações, tenham estes direito a voto ou não, nas decisões da Empresa.

19. As ações da sociedade de economia mista são negociadas em bolsas de valores ou leiloadas diretamente pelo Poder Público, controlador do capital, após terem sido previamente licitadas.

20. Os atos e contratos da sociedade de economia mista regem-se pelas normas de direito privado, especialmente na parte das obrigações trabalhistas, tributárias, previdenciárias, igualando-se aos das empresas particulares.

21. Quanto a contratação de obras, serviços e compras, a sociedade de economia mista não está sujeita às normas de licitações públicas, mas poderá a ela subordinar-se se a lei criadora assim determinar, por imposições do seu estatuto, por deliberação de sua diretoria, para todos os contratos ou em casos especiais.

22. Como pessoa jurídica privada, a sociedade de economia mista deve realizar, em seu nome, por sua conta e risco, atividades de utilidade pública, mas de natureza técnica, industrial ou econômica, suscetíveis de produzir renda e lucros, que o Município tenha interesse na sua execução, mas reputa inconveniente ou inoportuno ele próprio realizar, e, por isso outorga ou delega, a uma organização empresarial privada, com a sua participação no capital e na direção da empresa, tornando-a mista e fortalecendo-a na sua criação e desenvolvimento.

23. A forma usual de sociedade de economia mista tem sido anônima, obrigatória para a União, mas não para os demais entes estatais da federação. Adotada esta forma, a sociedade deve organizar-se e reger-se pelas normas pertinentes uma vez que é matéria comercial privativa da legislação federal. Mas, nem por isto fica a entidade estatal instituidora impedida de estabelecer normas administrativas para a consecução dos objetivos estatutários e para o controle finalístico da sociedade que é entidade paraestatal, integrante da Administração Indireta ou descentralizada do Município. Esses preceitos administrativos devem ser estabelecidos na lei que autoriza a criação da sociedade, para a sua reprodução no estatuto a ser aprovado nos moldes societários próprios, e arquivado no registro competente. Somente após esse registro é que a sociedade de economia mista adquire personalidade, como as demais pessoas jurídicas de direito privado.

24. O patrimônio da sociedade de economia mista é formado com bens públicos e subscrições particulares. Quanto aos bens públicos recebidos para integralização do capital inicial e os havidos no desempenho das atividades estatutárias, na parte que cabe ao Poder Público, sob administração particular da entidade a que foram incorporados, para realização dos objetivos estatutários. Assim sendo, tais bens e rendas podem ser utilizados, onerados e, alienados, sempre na forma do estatuto da sociedade, independentemente de autorização especial do Executivo ou do Legislativo, porque essa autorização está implícita na lei instituidora da entidade e na fixação de seus objetivos empresariais. A incorporação de bens públicos e particulares ao patrimônio da sociedade, para formação ou orçamento de seu capital, ainda que se trate de imóveis, pode ser feito, com avaliação prévia e recebimento pela Diretoria, constante de ata que será oportunamente transcrita no registro imobiliário competente, como expressamente permita a Lei de Sociedades por Ações. Tudo; é claro, na conformidade da lei autorizadora e do decreto especificador dos bens a serem transferidos.

25. Na extinção da sociedade, o seu patrimônio, por ser público, reincorpora-se no da entidade estatal instituidora. Pela mesma razão, a Lei de Ação Popular reserva o patrimônio das sociedades de economia mista, contra qualquer lesão por ato ou contrato ilegal de seus dirigentes, possibilitando-lhes a anulação pelo respectivo processo.

VI – AUTARQUIAS

26. O serviço autárquico, segundo HELY LOPES MEIRELLES, e as obras públicas realizadas por autarquias tem-se desenvolvido largamente nos Municípios e, consequentemente, se deteve no estudo dessas entidades públicas. Tão difundidas na administração local, mas pouco conhecidas na sua estrutura e operacionalidade.

27. Nos ensina Hely:

“Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei, com personalidade jurídica de direito público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas
A autarquia é forma de descentralização administrativa, através da personificação de um serviço retirado da administração centralizada. Por essa razão à autarquia só deve ser outorgado serviço público típico, e não atividades industriais ou econômicas, ainda que de interesse coletivo.”


28. A autarquia está no Estado. É uma pessoa jurídica de direito público com função pública própria e típica, sujeita a todas às normas aplicadas à administração direta quanto ao regime jurídico de trabalho (estatutário), à realização de suas despesas, à impenhorabilidade do seu patrimônio, etc.

29. a autarquia, não age por delegação, age por direito próprio e com autoridade pública. Executa serviços próprios do Estado, em idênticas condições às do Estado, com os mesmos privilégios da Administração Direta.

30. O que diferencia a autarquia, do Estado, são os métodos operacionais de seus serviços, mais especializados e mais flexíveis que os da Administração Centralizada.

31. A criação de AUTARQUIA se faz por lei, mas a organização se opera por decreto, que aprova o regulamento ou estatuto da entidade e, daí por diante sua implantação se completa por atos da diretoria, na forma regulamentar ou estatutária, independente de quaisquer registros públicos.

VII – SITUAÇÃO DO SAAE JUAZEIRO

32. O Serviço Autônomo de Água e Esgotos – SAAE de Juazeiro foi constituído como “autarquia”, mas, ao longo dos anos, para algumas questões – de suma importância e que afeta o seu funcionamento – sempre foi tratada, nos sucessivos governos municipais, como se Empresa Pública fosse. Principalmente, nas questões relacionadas a gerenciamento de recursos humanos e a contratos específicos.

33. Através da Lei da Reforma Administrativa do Município de Juazeiro – Projeto de Lei em tramitação pela Câmara Municipal – existiu a preocupação da revisão da figura jurídica do SAAE, estabelecendo o prazo de 90 (noventa) dias para que o Poder Executivo redefina ou ratifique a figura jurídica de tal entidade estatal.

VIII – SUGESTÕES:

34. Sugerimos que o SAAE seja redefinido como Sociedade de Economia Mista, nos moldes das Sociedades Anônimas, com estrutura flexível, mas, com o controle do Município, através de uma maior participação de ações com direito a voto (preferenciais).

35. A sociedade deverá ser administrada por um Conselho de Administração e Diretor Executivo; e, fiscalizada por um Conselho Fiscal escolhido por todos os subscritores de ações preferenciais e ordinárias.

36. As ações deverão ser licitadas, por leilão, ou por negociação em bolsas de valores. Tais ações, poderão ser, também, alienadas com a oferta à população através de editais, sendo que o Poder Público reservará para si, a maior parte; ou seja, 51% (cinqüenta e um por cento) do capital distribuído entre Ações Ordinárias e Ações Preferenciais, de forma que tenha o direito a voto em pelo menos quarenta por cento (40%) do total de ações com este direito.

37. Acreditamos ser este o melhor modelo de gestão de serviços públicos essenciais onde o estado em hipótese nenhuma deverá se afastar e, onde existirá a participação da sociedade no controle da Empresa detentora da concessão dos serviços públicos. É a democratização do lucro e das responsabilidades com a sociedade, com a certeza do fechamento dos caminhos para os desmandos e a corrupção.

38. Neste caso, o Diretor Executivo será escolhido pelo Conselho Administrativo, que também, se sujeitará à fiscalização do Conselho Fiscal em seus atos; podendo, portanto, este, forçar a correção dos possíveis danos, tanto os porventura causados pelo Conselho de Administração, no processo de escolha, quanto do Diretor Executivo. Pois que, o Conselho Fiscal representa o todo da Empresa e, também, os acionistas sem direito a voto nas decisões da Empresa.

Juazeiro, Bahia, em 19 de junho de 1997.

*Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública. Pós Graduado em Políticas Públicas e Gestão de Serviços Sociais. Bel. em Ciências Administrativas.

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