Em minhas funções de consultoria, fui consultado por um dos clientes – gestor municipal – sobre a legalidade do pagamento do 13º salário aos cargos comissionados do quadro da administração direta do Poder Executivo Municipal. Para atendê-lo e ser mais preciso, elaborei um parecer fundamentado citando os dispositivos constitucionais que asseguram ao cargo comissionado o recebimento do 13º salário (Art. 7º, VIII e Art. 39, §3º da Constituição Federal de 1988). Julguei, destarte, face a clareza das disposições constitucionais, que as dúvidas estariam dissipadas. Entretanto, como surpresa, minhas orientações foram contestadas por gestores da área administrativa financeira que, por orientação – informaram – dos Advogados do Município e do TCM/Ba, através do Parecer Normativo nº 10/05 de 26 de julho de 2005, é ilegal o pagamento do 13º salário aos cargos comissionados.
O direito do servidor, seja ele comissionado ou não, é tão cristalino, que duvidei que o TCM/Ba tinha dado parecer em sentido contrário. E, eu estava certo! Entretanto, quando li o referido Parecer Normativo, apenas encontrei de estranho a citação do saudoso Hely Lopes Meirelles, que por sinal consta em uma edição de um de seus livros que possuo – Direito Municipal Brasileiro, 4ª Ed. , LTR, pg. 594 – no Capítulo XII que fala sobre a Prefeitura e o Prefeito, suas Atribuições e Responsabilidades. Portanto, em um contexto que falava sobre os Agentes Políticos. Texto que foi inserido na íntegra nas considerações iniciais do Parecer Normativo, o qual segue transcrito:
““Ensina-nos o festejado e sempre lembrado HELY LOPES MEIRELLES que:
“Agentes políticos são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais. NÃO SÃO FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS EM SENTIDO ESTRITO, NÃO SE SUJEITANDO AO REGIME ESTATUTÁRIO COMUM. TÊM PROCESSO POR CRIMES FUNCIONAIS E DE RESPONSABILIDADE, QUE LHES SÃO PRIVATIVOS.”
..................................................””
Ainda, na mesma obra, em um outro contexto, no Capítulo X, que trata dos Servidores Municipais, na parte que fala sobre os ‘Funcionários Públicos Municipais’, pg. 482, e, que não consta do Parecer Normativo nº 10/05 do TCM/Ba, encontramos de Hely Lopes Meirelles, os seguintes ensinamentos:
“Funcionários públicos municipais, ou, simplesmente, funcionários municipais, são os servidores legalmente investidos nos cargos públicos da Prefeitura ou da Câmara Municipal e sujeitos às normas do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município. O que caracteriza o funcionário público e o distingue dos demais servidores municipais é a titularidade de um cargo criado por lei, com denominação própria, em número certo e pago pelo Município. Pouco importa que o cargo seja de provimento efetivo ou em comissão: investido nele, o servidor é funcionário municipal, sob o regime estatutário, portanto.”(grifo nosso).
Quando Hely Lopes Meirelles, no texto, citado e transcrito, por infelicidade, no Parecer Normativo 10/05 TCM/Ba, fala sobre cargos, funções, mandatos ou comissões, assim o faz em sentido lato, sem sequer se ater à natureza de vínculo jurídico strictu sensu de cargo ou cargos. Apenas, informa que, os Agentes Políticos são os que estão na primeira linha de decisão, não importando a denominação que lhes queiram dar. A exemplo: cargo de Prefeito, Vice-Prefeito, Presidente da Câmara, Vice-Presidente da Câmara; função Executiva, Legislativa (que são funções dos Poderes no sistema federado); mandato de Vereador, Prefeito, Vice-Prefeito; comissão de Defesa Civil, comissão do meio-ambiente, comissão de relações exteriores (sempre vinculada à condição de decidir sobre algo em nome do Estado sem a característica de vínculo de emprego, mas tão somente podendo ser remunerado em caráter indenizatório para fazer frente a despesas necessárias para a consecução de objetivos do Estado que está a servir).
Assim mesmo, caso desconheçamos o que Hely Lopes Meirelles nos ensinou sobre funcionário público, pg. 482, é imperioso que se tenha em mente que, este entendimento contraria disposições da Constituição Federal e, no melhor das hipóteses, seria uma corrente de pensamento sem nenhuma aplicação para mudança do texto e garantias constitucionais, assim, como entendemos ser também, o Parecer Normativo do TCM/Ba. Mesmo por que as palavras de Hely Lopes Meirelles foram escritas mais de dez anos antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.
A própria Constituição Federal de 1988 dá maior clareza para o tema, já que, o Congresso teve que aprovar a Emenda Constitucional nº 19 de 1998 quando, textualmente declarou no §4º do Artigo 39 que: “os detentores de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. (...)”. Foi , desta forma, que por esta emenda os Secretários Municipais, antigos cargos comissionados, passaram a ser Agentes Políticos. E, esta é uma prova cabal de que, os demais cargos comissionados são considerados servidores comuns como todos os demais, diferenciando-se apenas na forma de provimento e, na forma de remuneração, destarte, sendo comum aos mesmos todos os direitos estabelecidos no § 3º do Artigo 39 combinado com o Artigo 7º da Constituição Federal. Este é o entendimento de inúmeros outros tribunais de contas que foram mais felizes em seus Pareceres, a exemplo o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul em Parecer nº 23/2006; o Tribunal de Contas de Mato Grosso em Parecer nº 096/2008; o Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará em Parecer nº 01/2003.
No TJSE - APELAÇÃO CÍVEL: AC 2002206888 SE encontramos a seguinte decisão:
ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – CARGO COMISSIONADO – DIREITO A FÉRIAS E 13º SALÁRIO – PREVISÃO CONSTITUCIONAL - ARTIGO 39. § 3º. Os servidores públicos ocupantes de cargos em comissão gozam dos direitos trabalhistas preconizados pelo artigo 39 da Constituição Federal, sendo vedada a diferenciação entre servidores efetivos e comissionados no que tange a tais garantias. A Lei Maior não impôs diferenciação neste ponto, de forma que a legislação infra-constitucional não pode restringir a aplicação dos dispositivos constitucionais. Os servidores comissionados detêm cargo público, como servidores efetivos.
Portanto, senhores gestores, não há mais como negar o pagamento do 13º salário aos servidores com vínculo comissionado, através de provimento nos cargos comissionados, vez que é um direito constitucional e a sua negação além de caracterizar crime de responsabilidade culmina com o aumento do endividamento público, junto à previdência (INSS) que, certamente tributará, pague o Município ou não o décimo terceiro a esta categoria de servidores, e, junto à esfera judicial no ajuizamento de ações futuras de tais servidores.
* Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública. Bel. Em Ciências Administrativas.
Um comentário:
JETOM - Burla ao limite de remuneração do servidor público no Estado da Bahia. O pagamento de “jetom” não tem previsão no Estatuto do Servidor Público Lei 6.677/94 (e alterações), nem tampouco na Lei das Sociedades Anônimas – Lei 6.404/76, pois o art. 132 desta lei refere-se apenas a “verbas de representação”. Ainda, o JETOM (R$ 3 mil, pela participação em cada reunião) está previsto na Constituição Federal (art. 39, §4º) como sendo parte integrante (por dentro, portanto) da remuneração de Secretários Estado.
Assim sendo, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado da Bahia precisam acabar com essa farra ilegal de pagamento de JETOM por fora do limite de remuneração do Servidor Público Estadual. Ou não?
Marcos Antonio da Silva Carneiro
auditor fiscal do Estado da Bahia, bacharel em Administração e em Direito (UCSAL), especialista em Direito Tributário (UFBA) e em Gestão Tributária (UNIFACS), professor de Direito Tributário no MBA em Gestão Empresarial da ESTÁCIO/FIB e MAURÍCIO DE NASSAU/FABAC, mestrando em Políticas Sociais e Cidadania (UCSAL).
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