quarta-feira, 12 de maio de 2010

A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA AS OUTORGAS DE PERMISSÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AUTÔNOMO INTERMUNICIPAL DE PASSAGEIROS

A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA AS OUTORGAS DE PERMISSÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AUTÔNOMO INTERMUNICIPAL DE PASSAGEIROS

  • Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública. Diretor de Planejamento e Operações do Instituto ALFA BRASIL (74) 3612.0195.

I – INTRODUÇÃO (Oportuna e Proposital):

Iniciamos este trabalho com citações do Prof. Diogenes Gasparini (Advogado, Mestre e Doutor pela PUC-SP, Prof. Da Escola Superior de Direito Constitucional – SP e ex Professor Titular e Professor Honoris Causa da Faculdade de Direito de São Bernardo) em palestra proferida no II Seminário de Direito Administrativo TCMSP "Licitação e Contrato - Direito Aplicado" realizado de 14 a 18 de junho de 2004:

Ensina-nos o ilustre e consagrado Mestre:

“O tema permite que seja exposto de uma forma tripartida, ou seja, podemos analisar, num primeiro momento, os princípios jurídicos em geral; num segundo momento, os princípios licitatórios e num terceiro, as normas gerais sobre licitação e contrato. Assim o faremos, até por uma questão didática. É claro que, no entremear dessas exposições vamos tentar colocar os aspectos práticos, já que o mote do Seminário é o Direito Aplicado.

Todas as ciências, os Senhores sabem, possuem princípios. Assim é na história. Assim é na geografia. Assim é na matemática. Assim é na física e assim é no Direito. As ciências, sem exceção, têm princípios e institutos. Se não tiverem princípios e institutos próprios, não podem ser, sequer, chamadas de ciências. Se não podem ser tratadas como ciências, pois lhe faltam os princípios e os institutos, também não se pode afirmar que gozam de autonomia didática e científica. Portanto, a idéia de princípio, a noção de princípio é extremamente relevante em todo o estudo, seja desta ou daquela ciência. Naturalmente, no dia de hoje, nesta oportunidade, só interessam-nos os princípios jurídicos. Longe de nós, até porque não teríamos condições para isso, tratar dos princípios em relação a outras ciências, alcançando os princípios da história, da filosofia, da lógica, da matemática ou da física. Não é esse o nosso objetivo. Por certo, estaríamos extravasando se agíssemos de outro modo. O importante é saber que toda a ciência tem princípios que lhe dão a estrutura, lhe dão a definição, lhe dão a autonomia didática e científica. O importante, também, é saber como utilizar esses princípios, tirando de sua doutrina o máximo aproveitamento prático. Mas, se é nosso dever conversar sobre os princípios jurídicos, parece-nos, até por motivo didático, que devemos saber o que é princípio.

O que é princípio?

Princípio é uma frase, no nosso caso, uma frase que tem um conteúdo jurídico. Então, princípio é isso: uma frase, uma proposição portadora de conteúdo jurídico. Alguns são naturais, como são os princípios: todo homem tem direito à vida e todo homem tem direito à liberdade. Outros são construídos pelo homem, a exemplo dos princípios do sigilo no Direito Privado e da publicidade no Direito Público. Talvez alguém diga, ante essa afirmação, que “isso é uma definição muito simples.” De fato, mas, se quisermos burilar um pouco este conceito, poderemos dizer que princípio é uma idéia central, uma noção nuclear de um sistema e que lhe dá um sentido lógico, um sentido harmônico e racional, de forma a permitir a sua compreensão e o modo de se organizar.

Vejam os Senhores que o princípio atribui à ciência a possibilidade de se estruturar de forma harmoniosa e racional. Imaginemos uma aplicação prática dessas noções. Tomemos como elemento de trabalho “O Sistema do Contrato Privado”. Quando pensamos nessa espécie de contrato estamos imaginando, por trás desses ajustes, alguns princípios que fixam essa idéia, dando-lhes forma, estrutura e organização de instituto de Direito Privado, como é, por exemplo, o princípio da igualdade das partes. Não se pode conceber num Contrato de Direito Privado, partes que estejam desigualadas, podendo uma mais do que a outra, sendo uma privilegiada e a outra não. Se assim ocorresse, essas cláusulas que os Senhores conhecem como cláusulas leoninas, seriam, certamente, consideradas ilegais. Não é?

Outro princípio extremamente relevante, dentro da idéia de Contrato Privado, é o da autonomia de vontade. As partes têm autonomia para decidir sobre o conteúdo e a forma pela qual os direitos e obrigações vão incidir sobre esse conteúdo. É verdade que esta autonomia não é absoluta. As partes não podem dispor contra normas de ordem pública, por exemplo. Não podem estabelecer juros além dos legais, escorchantes. Não podem dispor sobre objetos ilícitos ou impossíveis. A autonomia dos contratantes, dentro destes parâmetros, é assegurada como princípio dos Contratos Privados. Ainda, encontramos um outro princípio relevante para caracterizar o que chamamos Contrato Privado: é o fato de que, uma vez celebrado, tornar-se lei entre as partes. Não há como uma das partes tomar a direção e decidir sozinha sobre os destinos do contrato, seja quanto a sua modificação, seja quanto ao seu desfazimento. Por isso ele se torna lei entre as partes.

Se pensarmos em termos de Contrato Público ou, em especial, de Contrato Administrativo, tema também objeto deste Seminário, vamos verificar que outros são os princípios que sobre ele incidem, dando, portanto, uma nova feição ao que genericamente chamamos de contrato. O perfil jurídico desse ajuste passa a ser outro, diferente, à vista do interesse público que deve ser perseguido com sua celebração. Nos Contratos de Direito Administrativo, a Administração Pública ocupa uma posição de superioridade em relação ao particular que com ela contrata. Acha-se, assim, numa posição sobranceira, de desigualdade. É o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

É em razão desse princípio que a Administração Pública pode extinguir antecipadamente os contratos que mantém com os particulares. É igualmente em razão desse princípio que a Administração Pública pode alterar as cláusulas de serviço, cuja execução cabe ao contratado, independentemente de sua concordância. Jamais caberia, em tais circunstâncias, ao contratado dizer que não aceita porque isto não é contratual. Ao contrário, é contratual, sim, por tratar-se de Contrato de Direito Administrativo. O que se lhe assegura é a correspondente indenização. Ainda é em razão desse princípio que se reconhece à Administração Pública o exercício do poder sancionatório. Cabe-lhe, assim, respeitado o devido processo legal, o contraditório e o amplo direito de defesa aplicar sanções ao contratado. Para o exercício desse poder não precisa de qualquer autorização prévia do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário. Esse privilégio ainda é maior quando se trata de contrato cujo objeto é um serviço público, pois se lhe permite intervir na execução do contrato, assumindo, provisoriamente, a sua plena gestão. Evidentemente, outros princípios, como os da legalidade, da publicidade e da moralidade administrativa, incidem sobre esses contratos. Se assim não for não se pode afirmar que se está frente a um Contrato Administrativo.

Estes dois sistemas mostram, a título de exemplificação, a importância dos princípios. Só conhecendo os princípios que dão estrutura, que dão feição, que dão organização ao sistema, consegue-se, na prática, diferenciar o Contrato de Direito Privado do Contrato de Direito Administrativo, ou seja, dizer o que é um e o que é outro. Se nós não tivermos esta visão dos chamados princípios jurídicos e de sua eficiente utilização, não vamos conseguir saber o que é um e o que é outro, pois ambos são contratos e observam regras e princípios comuns, ditados pela Teoria Geral dos Contratos. Realmente, ambos são contratos, mas cada um é portador de seu regime jurídico; cada um tem feição jurídica individual, portanto, inconfundível. Mas não é somente nisso que está a importância dos princípios. Assim, cabe afirmar que o conhecimento dos princípios é extremamente relevante na medida em que é através dele podemos interpretar adequadamente as regras de Direito. As regras de Direito não são de fácil interpretação. Na maioria das vezes, há controvérsia quanto ao seu entendimento, quanto à sua aplicabilidade, quanto à elasticidade de sua aplicação. Como resolver estes problemas? A solução está no uso dos princípios. Portanto, toda vez que tivermos dificuldade na aplicação da norma, é o uso adequado dos princípios jurídicos quem nos ajuda a atinar com a vontade da lei, da regra jurídica em geral.

Assim, se tivermos, por exemplo, preocupação com uma disposição legal não muito clara quanto à publicação do ato administrativo por ela determinado ou quando não sabemos se certo ato dessa espécie precisa ou não ser publicado, pois a lei é omissa a tal respeito, vamos buscar no princípio da publicidade o fundamento para a resposta desejada. Tais atos precisam ser publicados, porque a regra é a publicação. O que prevalece no caso é o princípio da publicidade. Não se poderia, nunca, imaginar o contrário, como se o princípio fosse o do sigilo. Isto afrontaria a noção de interesse público e de Administração Pública, inerente a esse tipo de ato jurídico. Então, digamos assim, a primeira regra que mostra a importância da utilização dos princípios jurídicos está exatamente na aplicação da lei, no entendimento e na interpretação das normas jurídicas. É muito importante termos em mente os princípios jurídicos na medida em que nos deparamos com uma omissão da lei, uma lacuna legislativa e não encontramos dentro do ordenamento jurídico positivo como resolver a dificuldade. Busco nos vários dispositivos legais, mas não encontro a desejada solução. Precisamos, apesar disso aplicar a norma. A solução estará na aplicação adequada do princípio tal ou qual àquela situação em que a lei não era clara ou era omissa.

Imaginem os Senhores um exemplo bem chão, bem simples. Certo cidadão, em Rio Branco, no Acre, pede a um amigo: “Como você vai a São Paulo, por favor, compre-me isto assim, assim ...”. O amigo vem a São Paulo, instala-se em um hotel, usa táxi, toma refeições, compra o que lhe pediu o amigo. Volta para o Acre e entrega o bem adquirido ao amigo e fica esperando que ele seja reembolsado pelas despesas realizadas e pago pelo seu trabalho. O cidadão nada diz a esse respeito, limitando-se a agradecer, mas o amigo lhe diz “Escuta, você precisa fazer o reembolso das despesas e o pagamento do meu trabalho, pois para comprar o que você pediu fiquei mais tempo em São Paulo que o necessário para tratar dos meus interesses”, no que é retrucado pelo cidadão: “Como pagar, não combinei nada com você. Eu disse a você que lhe ia reembolsar pelas despesas e pagar pelo seu serviço? Ao que responde o amigo: “Mas eu tive despesas, isso que você me pediu custou X reais. O Senhor precisa me pagar, pois eu não tenho nenhum interesse nisso”.

Vejam, é uma discussão sobre um aspecto do contrato verbal que unia essas pessoas, cuja solução, parece-nos, pode ser perfeitamente resolvida com a aplicação de um princípio muito conhecido de todos nós: quem quer o fim, tem que dar os meios. A aplicação desse princípio pode ser reforçada com a utilização de outro que prescreve: a ninguém é dado locupletar-se ilicitamente às custas de outrem ou, dito de outro modo, quem se aproveita do cômodo deve suportar o incomodo. Ora, ainda que o Cidadão não tenha dito que reembolsaria as despesas realizadas e que pagaria pelo trabalho, disse que queria aquele bem e que seu amigo o trouxesse de em São Paulo. Portanto, se pretendia dito fim era sua obrigação responder pelo meio. Desse modo, se o amigo trouxe a encomenda e o Cidadão a recebeu, é inegável a obrigação deste pagar as referidas despesas àquele. O amigo prejudicado com a leviandade do Cidadão pode ingressar em juízo para se ressarcir dos prejuízos, argumentando em favor de seu direito com base nesses princípios. A omissão desse contrato pode ser resolvida com a aplicação desses princípios.

O princípio, repita-se, tem a função de uma norma jurídica. É como se fosse uma regra da lei ou da Constituição, pois o princípio pode ser legal ou constitucional. De qualquer modo, dispõe-se a estabelecer uma dicção de natureza jurídica, mas se destaca ou se diferencia das demais normas jurídicas, porque goza de uma posição hierárquica superior. Importa dizer, o princípio vale mais do que a norma legal, ou, como ensina o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio, quando descumprido, causa um prejuízo muito maior do que a desatenção à norma jurídica. O descumprimento da norma jurídica é localizado, desrespeita-se apenas a regra que ali está posta, enquanto com a desobediência ao princípio viola-se o ordenamento jurídico com mais intensidade, pois com seu desrespeito desestrutura-se o próprio sistema jurídico. O gravame, portanto, é muito maior que o mero, o simples descumprimento da norma jurídica.” (Grifo Nosso).


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