quarta-feira, 10 de setembro de 2008

INEFICÁCIA DA LEI QUE FIXOU O PISO NACIONAL DO SALÁRIO DO PROFESSOR FACE À INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA AO ARTIGO 60 DO ADCT.


*Nildo Lima Santos

A tão festejada Lei que fixou o piso nacional do salário para o professor do ensino básico é mais um absurdo normativo da esfera federal que aumentará os embaraços jurídicos para os municípios brasileiros. Esta é a grande verdade que, infelizmente, somente é festejada como uma boa ou, melhor solução, para a classe dos professores – tão somente dos que têm a visão estreita do corporativismo – e, para os leigos que têm pouco conhecimento da realidade do Estado brasileiro. A tão festejada lei, para que fosse possível a sua existência, exigiu malabarismos perigosíssimos e ineficazes, já que cada Município tem a sua realidade jurídica e financeira. Realidade esta, dada pela Constituição Federal (Art. 60, §4º, I) nas chamadas “cláusulas pétreas”.

O primeiro malabarismo: que consistiu na aprovação da Emenda Constitucional 53 de 19 de dezembro de 2006 ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), onde estabeleceu na alínea “e” do inciso III do caput do artigo, “prazo para fixar, em lei específica, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica”; destarte, através da efemeridade de dispositivos – efêmeros porque são transitórios –. Dispositivos estes, introduzidos e, que, se considerados, de fato, para a eficácia das medidas controversas, fere de morte, dispositivos da parte permanente da Constituição Federal que, são o artigo 1º que trata da República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal e, o artigo 18 ao estabelecer que: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. Destarte, negando o princípio da autonomia para os Municípios, os Estados e o Distrito Federal, estabelecido pela Constituição Federal, que é condição fundamental para a preservação do modelo federativo do Estado Brasileiro e, que está implícita a competência para criar, cada um destes, o seu arcabouço jurídico necessário à sua organização administrativa. A qual, dentre muitas outras, compreende também, as competências: para instituir Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal (Caput do art. 39); para a fixação dos padrões de vencimentos e dos demais componentes do sistema remuneratório, observando: - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; - os requisitos para a investidura; - as peculiaridades dos cargos (§ 1º e incisos I, II e III do art. 39); para editar Leis próprias, respectivamente por cada ente (Estados, Distrito Federal e, Municípios), estabelecendo a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos (§ 5º do Artigo 39).

O segundo malabarismo foi com a edição de Lei Federal nº 11.738, de 16 de julho de 2008 (Lei que instituiu o piso nacional do salário para os professores do magistério público e educação básica). Trata-se de lei Federal Ordinária que, fixa base de remuneração para todos os professores do magistério público e da educação básica que, não são empregados (servidores) da União, mas, tão somente dos Municípios e dos Estados Federados. Como se isto fosse possível! A possibilidade de um piso nacional de salário para tais profissionais com emprego público somente existirá, se estes passarem a ser servidores da União. Mas, tão somente com vínculo jurídico de emprego com a União! – É a tal federalização de que tanto fala o Senador Cristovam Buarque! – Não servindo como argumentação tão simplesmente a origem dos recursos para o pagamento da remuneração dos mesmos. O que importa não é a origem dos recursos, mas tão somente o vinculo jurídico de emprego do professor, pois os recursos poderão ser destinados por múltiplas outras formas previstas na legislação. Se o vínculo jurídico de emprego é com o Município, então não caberá ao Governo Federal meter a sua colher. Porque não lhe cabe! Pois, a autonomia para legislar sobre o pessoal está restrita, respectivamente, a cada ente federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Destarte, cabendo a cada um, legislar sobre o seu pessoal, não sendo permitido nenhum deles interferir no outro. Esta é a regra constitucional para a formação do arcabouço jurídico de cada ente federado! Em se pensar ao contrário é simplesmente rasgar a carta original da república, cuja modificação das “clausulas pétreas” somente poderá ocorrer com a convocação de uma outra assembléia nacional constituinte, pois, que, somente reside na atual assembléia legislativa, o poder constituinte derivado que, está limitado a textos da Constituição Federal, não protegidos pelo artigo 60, I, que trata da forma federativa do estado. A qual compreende as competências que garantem a autonomia dos mesmos, dentre elas, a de legislar sobre o seu pessoal. Entendimento este que posicionou os demais legisladores constituintes estaduais inserindo-o em suas respectivas Cartas Estaduais. Como exemplo a Constituição do Estado da Bahia, que assim dispõe:


“Art. 70. Cabe à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, legislar sobre todas as matérias de competência do Estado, Especialmente sobre: I - (...);
VI – criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas e fixação dos respectivos vencimentos ou remunerações;
(....)".

Uma outra questão, não menos séria é a de que, os Constituintes Derivados, apenas modificaram Atos das Disposições Constitucionais Transitórias com a mal fadada Emenda Constitucional nº 53, em assim procedendo, com a intenção de invadir a autonomia dos entes federados menores, para impor um piso nacional de salário para os professores – como se isto bastasse – não observou que, na parte principal, da Carta Constitucional, a autonomia de tais entes ficou mantida nos seguintes dispositivos, já transcritos e referenciados acima: Art. 39, § 1º; I, II, III e § 5º. Portanto, tanto a Emenda Constitucional é inócua e, sem eficácia, na parte que trata da imposição de salário para os professores dos entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios) quanto a Lei Ordinária Federal que nela se ampara, especificamente, a alínea “e” do inciso III do artigo 60 do ADCT.

Deduz-se que, existe a intenção leviana e, irresponsável de impor um pensamento que, não é o mais adequado para o fortalecimento e desenvolvimento do Estado Brasileiro. O pensamento de uma nota só. Não importa os riscos e as graves conseqüências à sociedade brasileira. Tudo funciona como um laboratório de submundo – laboratório de quarta categoria – Se não der certo é porque erramos na dose e daí poderemos tentar uma outra coisa! – Pensam!!! De experimento em experimento a sociedade brasileira vai a cada dia se afundando. Foi na economia. É na saúde pública. É na assistência social. E, agora é a vez da educação. Será que os nobres legisladores e governantes deste País não conseguem enxergar de que a educação e tantas outras funções do governo dependem de todo um conjunto de fatores na necessidade da harmonia sistêmica que é inerente a todo sistema da sociedade humana e, se olhadas de forma isoladas poderão comprometer mais ainda o desenvolvimento do país e, piorar ainda mais a educação?! Não vê que para a educação estão associados múltiplos fatores de convivência humana que implica em padrões de comportamentos que deverão ser estabelecidos pelo Estado no cumprimento do seu maior papel de levar todos os serviços públicos e de ordenamento social a toda sociedade brasileira?! E, que a maior parte destas obrigações reside nos Municípios por estarem mais diretamente ligados à população?! Tudo isto são questionamentos que deverão ser feitos antes de quaisquer decisões sobre a imputação de obrigações a tais entes públicos que são demasiadamente penalizados com a falta de recursos para saneamento, pavimentação de ruas, construção de praças, construção de equipamentos desportivos, construção de escolas, construção e manutenção de mercados públicos, construção de estradas, iluminação pública, disciplinamento urbano e ambiental, organização de tráfego e sinalização, fomento econômico, desenvolvimento cultural, assistência social, etc. Será que, tais ações interferem na educação? – A resposta é: sim! Interferem sim, pois, não se concebe ser bem educado o indivíduo que se acostuma a jogar o lixo na rua, a construir sem a obediência às leis urbanísticas, a conviver com o esgoto passando por sua sala de visitas ou em sua porta, a residir em instalações precárias; que se acostuma a ociosidade por falta de emprego e, a conviver com a violência urbana. A educação por si só não irá dar solução à necessária mudança comportamental. A educação apenas ajuda e, sem dúvidas é uma grande ajuda. Mas, não é a única – apesar de ser fundamental. Portanto, para que seja eficaz terá que ser associada a inúmeros outros fatores. Dentre eles a boa remuneração dos professores é claro. Mas, para isto é de fundamental importância que não se comprometa as demais funções a cargo das administrações públicas municipais e, que sejam estabelecidos, a priori, padrões de comportamentos para os professores na assunção de compromissos com a educação e com a sociedade. Compromissos que no momento não os têm e, que deverão ser internalizados pela maioria da classe de professores, acima de tudo. Somente a partir daí e, paralelamente com estas providências, se poderá pensar em benefícios salariais para a categoria que não é menos penalizada do que as demais categorias de servidores públicos municipais e estaduais deste imenso país e, que não gozam do prestígio da força reivindicatória que tem os professores e os profissionais de saúde (médicos e enfermeiras). Categorias estas de servidores, já privilegiadas, com o direito da acumulação de cargos públicos. Podendo, destarte, ter o os vencimentos dobrados, diferentemente para as demais categorias de servidores que não integram tais quadros.

Felizmente, o Senador CRISTOVAM BUARQUE, em entrevista ao Globo, em 05 de agosto de 2008 e, publicado na internet (http://educacao-ja.org.br), demonstra que já tem a consciência do absurdo do que acabaram de aprovar. Leiam textos da entrevista: - Como o senhor recebe a notícia? Pergunta do jornalista, que obteve a seguinte resposta: - Isso confirma o que defendo há muito tempo. Tem de haver a federalização da educação de base. Não há como deixar uma coisa dessa importância nas mãos de estados e municípios. Primeiro, porque são muito desiguais. A diferença percapita da renda de um município muito rico para um muito pobre é de cem vezes. Não podemos deixar a educação nas mãos dos poucos recursos que os prefeitos pobres têm.

Concluímos, portanto, com a certeza, pela experiência de quem trabalha com a administração pública municipal, a longos anos, de que somente os bons salários não resolverão os problemas da educação no país. Muito pelo contrário, vez que, quando se cria incentivos no intuito do fortalecimento de qualquer classe, sem a exigência da contra-partida de compromissos a estará fortalecendo para posicionamentos radicais através da chantagem facilitada pelas normas mal elaboradas ou incompletas. Um exemplo vivido que ilustra bem o que estou afirmando é o registro de um acontecimento que foi manchete nacional no noticiário nobre da Rede Globo de Televisão em meados de 1993, se não me falha a memória. Foi feita uma reportagem sobre os professores do Município de Sobradinho, no interior do Estado da Bahia, como o Município brasileiro que melhor remunerava os professores e profissionais do magistério. O repórter, apenas informou sobre os professores, entretanto, não eram tão somente os professores que tinham bons salários, mas, também, todos os demais servidores públicos. Pois, quem elaborou o Plano de Cargos e Salários dos Servidores Públicos do Município de Sobradinho foi eu, no qual, defini critérios de avaliação para as promoções horizontais e verticais considerando-se tempo de serviço na administração pública e, aprovação em avaliação por desempenho funcional. Foi um instrumento feito acreditando-se na capacidade dos administradores futuros colocarem-no em prática integralmente. O que não ocorreu! E, portanto, somente está servindo para desperdício de parte do dinheiro público, já que, a qualidade da educação pouco melhorou naquele Município. Instrumento mal elaborado?! Não! Administradores e professores descompromissados com a administração pública e com o próximo!!! Isto por si só, demonstra, que a educação sendo tratada de modo isolado não irá melhorar em nada o desenvolvimento do país. Deve-se sim, se cercar de todas as providências necessárias para a mudança do Estado Brasileiro, a priori, mudando-se o processo de escolha dos dirigentes públicos na redefinição de pré-requisitos básicos e fundamentais no direito de votar e de ser votado. Pois, nunca na história deste país, está tão presente a frase: “Cada povo tem o governo que merece!”. Povo analfabeto corre o risco de ser governado por semi-analfabetos e, o ciclo vicioso, infelizmente, estará instalado. Os semi-analfabetos produzirão mais analfabetos. Esta é a realidade! Portanto, para a solução dos problemas brasileiros, não bastam os paliativos. Serão necessárias decisões mais completas e planejadas que envolvam todos os aspectos sistêmicos.

* Nildo Lima Santos. Bel. em Ciências Administrativas. Pós-Graduado em Políticas Públicas e Gestão de Serviços Sociais. Consultor em Administração Pública.

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