* Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública. Pós Graduado em Políticas Públicas. Bel. em Ciências Administrativas.
Pediu-me, já algum tempo, determinado leitor, que eu escrevesse alguma coisa sobre “Abuso de Poder”. Exemplos de abuso de poder que temos são vários, ainda mais em um país onde não impera e não prospera a obediência à legalidade e, onde o Estado ainda está, infelizmente, indefinido. Indefinição que é vista pelo grande número de alterações na Constituição Federal, que até o momento, soma mais de cinqüenta emendas, já em pleno vigor. E, como o abuso de poder sempre tem como conseqüência a violência, sempre aos que estão em desvantagem para a autoridade coatora e, através dela, como vítimas, amargam prejuízos. Não existe violência maior para se comentar do que aquela que é praticada contra o próprio Estado. Isto é, do Estado para com ele mesmo e, portanto, atingindo um maior número de vítimas do que, as geradas pelo abuso cometido por qualquer outra autoridade isolada. A violência institucionalizada. Isto é, do Estado para com o próprio Estado é de fato ampliada em dimensão assustadora, pela falta de compreensão dos gestores dos entes menores do que vem a ser legitimidade, autonomia e federalismo e, pela insensibilidade do Presidente da República e de seus Ministros, dentre eles e os principais, o da área fazendária e o da área previdenciária. Destarte possibilitando aos agentes de fiscalização fazendários da União o abuso constante de poder para contra os munícipes. Abuso este que ora se apresenta com a maior violência, no poder de fato que tem tais agentes na interpretação do dispositivo constitucional emendado e, que pouco é compreendido pelos que advogam as causas municipalistas e, portanto, propiciam a prática costumeira de bloqueios dos recursos dos Municípios por detectarem ou suporem, tais agentes, existir débitos de tais entes para com a União – ...mesmo que sejam meras suposições! Para estes procedimentos alegam estar cobertos pela mal fadada Emenda Constitucional nº 29, a qual acrescentou o Parágrafo Único ao artigo 160 da Constituição Federal; onde permite que, a União e os Estados condicionem a entrega de recursos constitucionais aos Municípios ao pagamento dos seus créditos. Dispositivos que transcrevemos a seguir:
“Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos.
Parágrafo Único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos:
I – ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias;II – ao cumprimento do disposto no art. 198, §2º incisos II e III.”
Alegando o cumprimento de tal dispositivo constitucional, basta um simples fiscal previdenciário e/ou da receita federal – hoje, misturados em um único órgão popularmente conhecido como “Receitão” – deduzir em seus levantamentos, por mais superficiais e simplificados que sejam, que o Município é devedor da União, para que, os recursos que têm como destino a execução de ações em prol da sociedade local, sejam bloqueados e seqüestrados sem nenhuma razoável justificativa e, sem sequer qualquer procedimento formal e processual que caracterize o débito do Município para com aquele ente maior (União). Impera, destarte, a fragilidade dos sistemas jurídicos dos entes governamentais menores, quando estes existem e, a oportunidade da chantagem dos agentes de fiscalização da União que se aproveitam desta realidade para aumentarem as suas polpudas comissões de produtividade fiscal.
Este é o mais puro exemplo de violência do Estado para com ele mesmo, onde o legislador não constituinte não observou questões pétreas que implicam no reconhecimento de dispositivos constitucionais que jamais deveriam ser mexidos, a não ser por uma outra constituinte eleita pela sociedade para este fim. E, uma delas é o princípio da unidade federativa e de sua autonomia definidos nos artigos 1º, caput; e, 18, caput; da Constituição Federal. O mais grave desta violência é que isola a União dos demais entes federados, transformando-a por si mesmo, como se fosse possível o Estado Brasileiro ser racional e operativo em prol da sociedade que deveria estar protegida por este Estado. Proteção esta, que é enxergada e traduzida através das competências repartidas entre os entes federados e que estão sendo prejudicadas nos entes federados menores por simples agentes fiscais, cuja autoridade deverá ser contestada para esta finalidade, já que a relação deverá se dar de forma respeitosa de Estado para Estado. Isto é, do ente estatal menor Município para a União, e vice versa. E, portanto, o rito deverá ser formalíssimo. É isto, no mínimo, aceitável e que se espera! Se a União acha que o Município é devedor de determinada importância, então que, seja este acionado através de mecanismos mais formais e, através de autoridade indicada. Pois, não basta um simples auditor ou agente de arrecadação supor a existência de débito para, ao seu bel prazer bloquear ou seqüestrar o total de recursos destinados à sociedade na oferta de educação, saúde, serviços públicos, pagamento de salários e assim por diante.
Sobre a constituição do crédito, em se tratando de crédito tributário é constituído através de notificações, autos de infração e, ajuizamento de ações de cobrança, destarte, dando direito ao suposto devedor de contestá-lo. É isto o que nos ensinam os livros de direito tributário e de direito financeiro. E, em se tratando de crédito não tributário, este somente é constituído através de processos formais (contratos, convênios, acordos e outros) e, devidamente cobrado pela via judicial, destarte, dando o direito ao devedor de contestar a sua legalidade e legitimidade.
Os casos da não obediência ao rigor da existência e legalidade dos créditos são inúmeros. Como também, são inúmeros os casos de abuso onde a falta de recolhimento de insignificantes valores para com o PASEP, serve de motivo para que os fiscais da União bloqueiem toda a receita de FPM do mês condicionando a sua liberação ao pagamento do suposto crédito da União. Basta para tanto, um simples atraso no pagamento, que por uma razão ou outra, tal obrigação deixar de ser processada e paga no dia pré-fixado, para que, por simples comando, qualquer fiscal da Receita Federal, via internet, bloqueie todos os recursos de direito do Município. A isto se chama violência!!! A isto se chama ABUSO DE PODER!!! A isto se conhece como quebra de autonomia dos entes federados conhecidos como Municípios!!! A isto se reconhece como falta de bom senso e, desequilíbrio da democracia!!! A isto se reconhece como anarquia... e, que é a anarquia do próprio Estado. Então, salve-se quem puder! Pois, é o Estado para picaretas e bandidos, não é um Estado para povo civilizado onde prevalece o império da lei e, o império da lógica pura do Estado com todos os seus princípios universalmente aceitos.