sábado, 9 de abril de 2011

Estabilidade extraordinária de servidores públicos e a busca pela Justiça (Uma análise do art. 19 do ADCT/CF88 com base na teoria dos direitos fundamentais)

www.prt7.mpt.gov.br/artigos/2010/Estabilidade_extraordinaria_servidores_publicos.pdf

Parecer do titular deste blog, Nildo Lima Santos, serve de referência e é citado em artigo do Mestre em Direito Constitucional CLOVIS RENATO COSTA FARIAS publicado no site oficial do Ministério Público do Trabalho

Estabilidade extraordinária de servidores públicos e a busca pela Justiça (Uma análise do art. 19 do ADCT/CF88 com base na teoria dos direitos fundamentais)

• Clovis Renato Costa Farias
Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Membro do GRUPE (Grupo de Estudos e Defesa do Direito do Trabalho e do Processo Trabalhista) e do Grupo de Estudos Boaventura no Ceará. Professor de Sociologia Jurídica, Direito do Trabalho e Processo Trabalhista.

SUMÁRIO: 1 A situação excepcional dos trabalhadores abrangidos pelo art. 19 do ADCT/CF88. 2 Breve escorço histórico sobre a estabilidade e a efetividade no constitucionalismo brasileiro. 3 Ponderações sobre a diferenciação entre estabilidade e efetividade. Regra e excepcionalidade do art. 19 do ADCT. 4 O posicionamento restritivo e em descompasso do STF e do STJ com relação ao art. 19 do ADCT. 5 Sintonia social emergente na jurisprudência e na legislação. Dinâmica das relações de trabalho. Bibliografia.

RESUMO A estabilidade extraordinária positivada no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, que concedeu direitos aos servidores que laboravam em condições equiparadas aos que prestaram concurso público, ante a existência da duplicidade de regimes na administração pública brasileira, atende aos valores postados na Constituição de 1988, bem como ao Estado Democrático de Direito, devendo no caso ser vista de forma ampliativa e valorada nos aspectos sociais intrincados em seu contexto fático-jurídico. O que, de plano parece cristalino, mas, que aos olhos da doutrina majoritária brasileira e da jurisprudência dos Tribunais Superiores, tem sido visto restritivamente, reconhecendo-se apenas a estabilidade sem efetividade, prejudicando os trabalhadores especialmente se tratando de discriminações sofridas nos próprios locais de trabalho, quanto na aquisição de direitos decorrentes da relação mantida com a administração pública. Clama-se pelo reconhecimento do período ou da condição de efetivo, que deve ser entendida no caso excepcional criado pelo art. 19 do ADCT intrincando os institutos da estabilidade e da efetividade no serviço público. Situação que justifica o manejo da teoria dos direitos fundamentais, por tratar-se de direito fundamental de segunda dimensão, o direito ao trabalho, a ser prestado de forma digna, para que se possa aproximar paulatinamente do ideal de justiça social.

PALAVRAS-CHAVE Art. 19 do ADCT/CF88. Estabilidade e efetividade no serviço público. Situação excepcional. Teoria dos direitos fundamentais. Justiça.

RÉSUMÉ
La stabilité extraordinaire valeur positive dans l'art. 19 de la Loi sur les mesures constitutionnelles temporaires de la Constitution de 1988, qui accordait le droit aux serveurs qui ont travaillé dans des conditions similaires à l'offre à condition que, avant l'existence des systèmes en double dans l'administration publique brésilienne, répond aux valeurs publiées dans la Constitution de 1988 et que la règle de droit démocratique, et dans le cas être considérée comme une valeur et une large aspects sociaux dans leur contexte factuel et juridique complexe. Qui, il semble avion de cristal, mais aux yeux de la doctrine et la jurisprudence de la majorité devant les tribunaux brésiliens Supérieur, a été considérée de façon restrictive, ne reconnaissant que la stabilité sans efficacité, blesser les travailleurs en particulier lorsqu'il s'agit de discrimination dont sont victimes dans les lieux de travail concernant l'acquisition de droits découlant de la relation entretenue avec le gouvernement. Prétend être la reconnaissance de la période ou l'état réel qui doit être compris dans des circonstances exceptionnelles créées par l'art. ADCT 19 Instituts complexe de stabilité et d'efficacité dans la fonction publique. Situation qui justifie la théorie de la gestion des droits fondamentaux, parce qu'elle est un droit fondamental de la deuxième dimension, le droit au travail, à être livrés d'une manière digne, afin que nous puissions progressivement s'approcher de l'idéal de justice sociale.

MOTS-CLÁS L'article 19 de ADCT/CF88. Stabilité et l'efficacité dans la fonction publique. Situation exceptionnelle. Théorie des droits fondamentaux. Justice.

1 A situação excepcional dos trabalhadores abrangidos pelo art. 19 do ADCT/CF88.
Alvo de inúmeras discussões, robustamente fundamentadas, a questão da situação excepcional dos trabalhadores criada pelo art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias1 continua a gerar interpretações divergentes e desconfortos sociais, especialmente por parte dos obreiros que conquistaram o direito à estabilidade extraordinária no serviço público por terem atendido aos requisitos impostos pelo referido artigo.

A norma em tela, criada para equilibrar possíveis conflitos decorrentes de questões eminentemente sociais ligadas ao trabalho, dispõe que os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição de 1988 (por concurso público), são considerados estáveis no serviço público. Em continuidade, delimita que o tempo de serviço dos servidores detentores de tal estabilidade será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação (art. 19, § 1º, ADCT), o que não foi estendido aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins deste artigo, exceto se se tratar de servidor, nem aos professores de nível superior, nos termos da lei.

(...)

Ainda diante todo o exposto, que se assoberba na atualidade enfrentando nossa proposta ligada aos valores da Constituição, conscientes da luta pela Justiça e crentes na permanente mudança na dinâmica social, ousamos dizer com Dworkin: “As velhas idéias são agora abandonadas aqui.”21 Assim, conclui o autor, com relação à imprescindibilidade da relevância política que deve ser considerada nas decisões dos juristas, os quais devem fugir à mera exegese:

Os juízes não podem decidir qual foi a intenção pertinente dos constituintes, ou qual processo político é realmente justo ou democrático, a menos que tomem decisões políticas substantivas iguais àquelas que os proponentes da intenção ou do processo consideram que os juízes não podem tomar.22 Nesse passo, conforme as definições citadas, a vocação para retenção dos ocupantes de cargos públicos abrangidos pelo art. 19 do ADCT da Constituição de 1988, somente pode ser enquadrada como de provimento efetivo, uma vez que não são de livre nomeação e exoneração (comissionados – vocacionados para serem ocupados em caráter transitório), nem há vocação de retenção maior como os vitalícios (somente desligados mediante processo judicial, como por exemplo os magistrado, membros do ministério público, conselheiros de contas, dentre outros legalmente discriminados).

Outrossim, conforme Süssekind23, o princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade, sendo regras que formam a base do contrato de trabalho e representam um mínimo de proteção legal. E, conclui o autor: 

“Os instrumentos normativos alusivos às relações de trabalho devem objetivar a prevalência dos valores sociais do trabalho. E o respeito à dignidade do trabalhador constitui um dos direitos supra-estatais inerentes ao ser humano, cuja observância independe da vigência de leis nacionais ou tratados internacionais.”24

As normas que envolvem os trabalhadores em todos os âmbitos laborais devem ser observadas sopesando aspectos sociais decorrentes da prestação dos serviços, o que não pode ser excluído mesmo quando se trata da administração pública, que seguindo a legalidade estrita optou no ordenamento pátrio a positivar conquistas de trabalhadores no mundo, como se pode observar na Lei 8.112/90. Respeita-se assim todos os principais fundamentos da República Federativa do Brasil, como destaca Pinero:

“a dignidade, a liberdade, a privacidade, o livre desenvolvimento da personalidade devem ser tutelados não apenas em face do Estado e dos poderes públicos, mas também em face dos particulares. Daí a interrupção da Constituição nas relações entre particulares, pois doravante ninguém escapa da sua longa manus”.25

Para os casos criados pela norma de transição analisada, deve-se partir do conceito de efetividade e dos valores atrelados ao trabalho, entendendo, assim, efetividade como uma característica do provimento de certos cargos (criados por lei específica, com natureza de continuidade e permanência do seu ocupante, gerando determinados direitos dele decorrentes - cargo com rubrica orçamentária de custeio própria e finalidade específica com ânimo de continuidade e permanência) o que seria o ponto irradiante para a análise dos casos transitórios em tela. E, quanto à estabilidade, impõe-se que seja seguida a literalidade das normas que a delineiam, nos termos delimitados pela CF (em seus artigos base e nos ADCTs).

Para Meirelles, a nomeação em caráter efetivo é a condição primeira para a aquisição da estabilidade. A efetividade, embora se refira ao servidor, é apenas um atributo do cargo, concernente à sua forma de provimento, e, como tal, deve ser declarada no decreto de nomeação e no título respectivo, porque um servidor pode ocupar transitoriamente um cargo de provimento efetivo (casos de substituição, por exemplo), sem que essa qualidade se transmita ao seu ocupante eventual. Não há confundir efetividade com estabilidade, porque aquela é uma característica da nomeação, e esta é um atributo pessoal do ocupante do cargo, adquirido após satisfação de certas condições de seu exercício. A efetividade é um pressuposto necessário da estabilidade.26

Como destaca Santos27, a Justiça Federal há alguns anos vem modificando o posicionamento acerca da efetividade pleiteada para o servidor que adquiriu a estabilidade no cargo público da administração direta, suas fundações e autarquias, por força do Artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O entendimento que prevalecia, inclusive em vários julgados, diga-se de passagem, por inspiração dos julgados anteriores à Constituição Federal de 1988, de que a estabilidade concedida pela Constituição Federal ao servidor que contava cinco (05) anos até a data de sua promulgação, não lhe assegurava a “efetividade” e, esta somente seria adquirida após este ser submetido ao concurso público. Felizmente, este entendimento está evoluindo seguindo a lógica onde o princípio é de que a “efetividade” sempre foi pressuposto para a aquisição da “estabilidade” no cargo público, e não o inverso, ou seja: “a estabilidade como pressuposto da efetividade”.

O art. 99, § 1º da CF/67 (anterior à de 1988)28, como apresentado acima, previa o requisito do concurso público para a efetivação de servidores, vigente à época da contratação dos servidores que conquistaram os direitos positivados no art. 19 do ADCT da CF/88. Algo que torna cristalina a mens do normatizador originário de respeitar e tornar iguais os que estavam em condições semelhantes pela positivação do art. 19, ADCT.

4 O posicionamento restritivo e em descompasso do STF e do STJ com relação ao art. 19 do ADCT.
Em sentido contrário ao valor social do trabalho e à dignidade dos trabalhadores abrangidos pelo art. 19 do ADCT, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no RE 400343 AgR/CE, que teve como relator o Ministro Eros Grau (ora aposentado), julgado em 17/06/2008, publicado no DJe em 01.08.2008, assim (...)

20 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Net: http://www.anasps.org.br/index.asp?id=875&categoria=29&subcategoria=89. Acesso em: 28.12.2010.
21 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 43.
22 DWORKIN. Ibdem. 23 SÜSSEKIND, Arnaldo; Teixeira Filho, João de Lima. Instituições do Direito do Trabalho. Vol. I. 22ª ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 144.
(...).
24 SÜSSEKIND, Arnaldo; Teixeira Filho, João de Lima. Instituições do Direito do Trabalho. Vol. I. 22ª ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 143.
25 PINERO, Miguel Rodríguez. Constituição, direitos fundamentais e contratos de trabalho. In: Revista Trabalho e Doutrina nº 15. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 25
26 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 16ª ed., 1991, p. 377.
27 SANTOS, Nildo Lima. A efetividade como consequência do direito à estabilidade excepcional de servidor alcançado pelo art. 19 do ADCT – entendimento em evolução. O caso dos servidores de juazeiro e o direito a integrarem plano de carreira e vencimentos e aos benefícios pecuniários estabelecidos em estatuto. Net: http://wwwnildoestadolivre.blogspot.com/2009/08/efetividade-como-consequencia-do.html. Acesso em: 24.12.2010.
28 CF/67: Art 99 - São estáveis, após dois anos, os funcionários, quando nomeados por concurso. § 1º - Ninguém pode ser efetivado ou adquirir estabilidade, como funcionário, se não prestar concurso público.
Para ver artigo completo acesse o site:
www.prt7.mpt.gov.br/.../Estabilidade_extraordinaria_servidores_publicos.pdf


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