A segregação de categoria de servidores públicos, nos Estados e nos Municípios, teve vício de origem na Constituição Federal de 1988 quando no artigo 212 que assim definiu: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.”
O constituinte original ao inserir na Carta Maior do País, assim o fez sem a cautela necessária e, sem observar as diferenças regionais e, em especial dos Municípios, onde os fatores determinantes de suas receitas são muito diversos em razão das peculiaridades econômicas locais e regionais. Destarte, desconheceram que existiam Municípios com pequena população com receitas próprias expressivas, principalmente, os que gozavam e, ainda gozam dos recursos que lhes foram concedidos, por direito, pela própria Constituição Federal em dispositivos específicos, dentre elas as receitas de royalties e de compensações financeiras em razão de ter assentado em seu território: refinarias e indústrias petroquímicas, processadoras de minérios, usinas de produção de energia, etc. Municípios como São Francisco do Conde, no Estado da Bahia, com população não superior a 25.000 habitantes; na época, com receita mensal acima de doze milhões, não sabia o que fazer para que fossem cumpridos os 25% de gasto com a educação. Portanto, era obrigado a gastar de qualquer jeito, a fim de que não tivesse o gestor as suas contas rejeitadas, o que de certa forma, favoreceu, em grande parte a corrupção em dado momento. Então, o que se fazer?!... Ora! ...os inteligentes legisladores, com pressões dos sindicatos e associações de professores, com fortíssimos poderes corporativos, editaram a Emenda Constitucional nº 14/96 e, como conseqüência, a Lei do FUNDEF (nº 9.424/96) onde possibilitou que o governo federal (União) fizesse a retenção dos recursos, por direito dos Municípios, para redistribuição entre os demais municípios – isto é, daqueles que passaram a ser contribuintes do sistema para aqueles que se tornaram beneficiários recebedores de recursos adicionais do sistema – em função do número de alunos matriculados no ensino fundamental. Uma das exigências da referida Lei era de que os Municípios deveriam gastar nada menos do que 60% dos recursos do FUNDEF com a remuneração do magistério, sendo permitido gasto com a formação daqueles que eram considerados leigos, na forma prevista no Artigo 9ª, § 1º desta referida Lei (9.424). Esta situação, entretanto, não mais perdura em razão de sua modificação dada pela Lei Federal nº 11.494 de 2007, batizada como Lei do FUNDEB, que, incisivamente determina que os Municípios, gastarão não menos do que este percentual (60%) somente com a remuneração do magistério, com a agravante de que, se não o fizer, o gestor será incurso em crime de responsabilidade, conforme grande número de normas, derivadas das disposições do caput do artigo 212 da Constituição Federal que definiu o mínimo de gasto anual e, por inspiração do artigo 11 da Lei Federal 9.424, que assim dispôs: “Os órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino, assim como os Tribunais de Contas da União, dos Estados e Municípios, criarão mecanismos adequados à fiscalização do cumprimento pleno do disposto no art. 212 da Constituição Federal e desta Lei, sujeitando-se os Estados e o Distrito Federal à intervenção da União, e os Municípios à intervenção dos respectivos Estados, nos termos do art. 34, inciso VII, alínea e, e do art. 35, inciso III, da Constituição Federal.”
Da Incoerência Quanto aos Princípios da Administração Pública
Ao tempo em que a Constituição Federal determina princípios básicos para a administração pública (Art. 37) princípio da eficiência e, define que os Estados e Municípios instituirão conselho de política de administração de pessoal (Art. 39 da CF) e, que na fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira (§1º, I do Art. 39 da CF), sistema de planejamento e controle (Artigos 25, § 3º; 30; 31; 70; 71; 165, I, II, III, §§ 1º usque 9º; 166, §§ 1º usque 8º; 167, I usque XI, §§ 1º usque 4º da CF), também – o que é muito grave – o destrói quando, através do caput do artigo 212 da mesma Carta, definiu limites mínimos de gastos com a educação. Destarte, escancararam-se as porteiras para os corporativismos e, para os arbítrios, em detrimento do planejamento e do controle do Estado. Daí, oportunizando o famigerado Piso Salarial Nacional para os Professores que, verdadeiramente, acentua cada vez mais a “segregação entre as classes dos servidores públicos em geral”.
Se por um lado o gestor é obrigado a gastar com a remuneração dos professores o percentual mínimo de 60% e, o mínimo de 25% das receitas próprias e transferidas com a educação, por outro, não foi levado em consideração que, para as demais categorias, que são sem sombras de dúvidas as que sempre deram sustentação às funções primordiais e tradicionais das administrações dos entes menores (Municípios). Conseqüentemente gerando graves distorções salariais e, com isto, o absenteísmo devido a falta de motivação que, se traduz em desperdício de recursos e oportunidades, além, da degradação vertiginosa do Estado Brasileiro quando perde significativamente o seu poder de polícia administrativa que é a base de qualquer sociedade organizada, principalmente em Estado, como é o caso do Brasil. Não é possível mais a fiscalização de posturas urbanas, a fiscalização do cumprimento dos códigos de obras e edificações, a fiscalização do uso e parcelamento do solo urbano, a fiscalização ambiental, dentre tantas outras. O pessoal de apoio à educação, dentre os servidores deste segmento, as merendeiras, os porteiros, os auxiliares de disciplina, etc., não mais se sentem comprometidos com a causa pública, pois, a eles são destinados apenas as migalhas – e, quando existem sobras! Então, o que se esperar de tais servidores?! – Apenas, greves e mais greves!!! ...e, daí não se tem a escola funcionando e por conseqüência não se tem alunos nas escolas, mesmo contando com professores bem remunerados. Então, é correto se afirmar que não se tem desenvolvimento da educação. Engenheiros, advogados, assistentes sociais, arquitetos, administradores, sociólogos, contadores, etc., não são reconhecidos em seus méritos e, não representam mais nada para o Estado (União, Estados e Municípios) e, portanto, não se empenham para a eficiência – que por sinal é um dos princípios estabelecidos para a administração pública no artigo 37 da Constituição Federal – e, daí o desastre coletivo da sociedade brasileira.
Da Incoerência com Relação à Limitação de Gastos com Pessoal
Ao pessoal do magistério tudo é possível – diga-se, tão somente aos professores e aos profissionais da educação – e, aos demais servidores, pouco é possível e, sempre são sacrificados em nome do cumprimento da legalidade (Artigo 169, §§ 1º usque 6º da CF e, Artigos 19 usque 23 Lei Complementar 101/2000). A legalidade que reside na limitação de gastos com pessoal pela administração pública. Se para os professores a legislação pátria libera a fixação de sua remuneração para cima, por outro lado, os servidores das demais categorias ficam presos no limite de gastos com pessoal que, nos Municípios, para o Poder Executivo não deverá ultrapassar a 54%, tendo como limite prudencial, o percentual de 51%, computando-se inclusive, os gastos com o pessoal do magistério. Destarte, a liberação dos gastos com o pessoal do magistério é mais uma pressão contra qualquer política de salário favorável aos servidores das demais categorias – não menos importantes do que os primeiros (professores) –, pois, ao tempo em que crescem as possibilidades de valorização do pessoal do magistério, menos existirá margem de possibilidade para a valorização das demais categorias de servidores públicos. A equação é dificílima e, com toda certeza é uma das grandes causas que atrofiam o processo de desenvolvimento do País.
Não existe aquele que me convença que, o desenvolvimento de apenas um setor ou ínfimos setores da sociedade, mesmo que seja tão somente da educação, tem como regra básica tão somente a valorização do pessoal do magistério. Esqueceram que a sociedade não é feita por casulos e, sim por um conjunto de fatores que se relacionam sistemicamente?! Não me convencem que aquele que sempre convive com o lixo jogado nas portas – na sua porta – e, os esgotos passando pelas calçadas – na sua calçada – por mais formação que tenha e, por mais dinheiro que possa acumular, seja sensibilizado para a mudança de comportamento com relação ao destino dos resíduos sólidos, com relação à preservação ambiental e, tantas outras desagradáveis situações que continuam a nos segurar em lugares desagradáveis no ranking da miséria e da qualidade de vida.
A incoerência das disposições constitucionais face à lógica sistêmica
Os desencontros e incoerências dos dispositivos constitucionais, tanto os que ferem os princípios do planejamento e do controle, quando obriga os gestores a gastarem sem freios para que não tenham suas contas rejeitadas – no caso da obrigatoriedade da vinculação da receita com a despesa de no mínimo 25% de gastos, anual com a educação, sabendo-se que as receitas são estimadas e as despesas fixadas – e, da eficiência que passa pelo pressuposto da valorização em geral do servidor público, inclusive, com a revisão anual de seus vencimentos ao mesmo índice, nos dão a certeza de que a lógica sistêmica foi desprezada pelos legisladores ao disporem sobre tais matérias, o que, com toda convicção é o maior entrave para que, definitivamente, o País se insira no processo de desenvolvimento sustentável, tanto pela integração, homogeneidade e harmonia, quanto pela universalidade. Portanto, o piso nacional de salário para os professores é mais uma aberração à ordem jurídica e constitucional. Por um lado por ferir a lógica do sistema de Estado estabelecida pela Constituição Federal, apesar desta conter algumas incoerências sobre a questão, como dito acima e, por outro lado em razão de ferir o princípio da autonomia dos entes federados para dispor sobre a sua organização, dentre elas a de definir política salarial e, índices iguais para a revisão anual geral dos servidores públicos (Art. 37, X da CF).
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