* Nildo Lima Santos
A priori, as ações governamentais deverão obedecer aos princípios estabelecidos na Constituição Federal e, em normas que a complementem. E, os princípios mais fortes, dentre todos, são: o da igualdade, da publicidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e, da legalidade. Sendo o da legalidade, dentro de um contexto de informações e práticas, o mais forte e, que traz todo um corolário de idéias sistematizadas que dão escopo ao entendimento do que é a figura jurídica do Estado modernamente definido e pensado conforme consciência e desenvolvimento de cada sociedade em um contexto do momento aceito ou tolerado pela maioria da sociedade que habita este planeta chamado TERRA.
Como corolário de idéias derivadas do princípio da legalidade e, que encontraremos na doutrina pátria e na jurisprudência, surgem os princípios que são de fundamental importância para a administração pública, dentre eles: o da responsabilidade, da economicidade, da razoabilidade, da continuidade dos serviços públicos e, da racionalidade. Destarte é forçoso entendermos que determinados dispositivos de normas positivadas, não poderão ser aplicados isoladamente tendo como critério a sua interpretação linear, já que, é parte de toda uma idéia que é bem mais forte, que é a idéia: da própria existência do Estado forte e soberano e, tudo que o ameace nestes atributos não tem eficácia e, no mínimo, gera profundas controvérsias que serão dirimidas pelos tribunais competentes, excetuando-se os tribunais de contas que não têm competência para deliberar sobre esta matéria.
Esta parte introdutória é necessária para adentrarmos ao tema principal deste artigo que se propõe a orientar as organizações não governamentais e, as administrações públicas quanto à celebração de Termos de Parcerias, Contratos de Gestão e Convênios em ano eleitoral, cujo disciplinamento está na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Federal nº 101, de 04 de maio d 2000 e, na Lei Eleitoral 9.504, de 30 de setembro de 1997 com as alterações dadas pelas leis federais nºs: 9.840/1999, 10.408/2002, 10740/2003 e, 11.300/2006).
A lei de responsabilidade fiscal (Lei 101/2000) proíbe ao gestor público, no último ano de seu mandato, portanto, no ano eleitoral para a sua sucessão: “contraia, nos dois últimos quadrimestres, obrigações de despesas que não possam ser cumpridas integralmente dentro do mandato, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa (Art. 42)”. Não existe aqui, portanto, nenhum impedimento de se firmar contratos nas múltiplas modalidades, com qualquer ente não governamental que seja, contanto que, as despesas sejam pagas com recursos do exercício do último mandato.
Porém, o dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal, comentado acima, quando se tratar de exigências para o ano eleitoral, deverá ser combinado com disposições da Lei Eleitoral que proíbe ao gestor: Realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios nos três meses que antecedem o pleito, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública (Art. 73, VI, a.). Destarte, devemos ficar atentos que, em momento algum tal dispositivo veda a transferência de recursos para as organizações não governamentais, contanto, é necessário que se tenha cautela quando se tratar do prazo estabelecido de três meses que antecedem o pleito eleitoral, a fim de que, por analogia, os julgadores não resolvam aplicar tal proibição, também, às entidades não governamentais. O certo é que, tais dispositivos preservaram os princípios informados na parte introdutória deste artigo (responsabilidade, legalidade, razoabilidade e continuidade dos serviços públicos).
Uma outra proibição na Lei Eleitoral que se deve ficar atento é quanto aquela que foi feita pelo seu §10 do artigo 73, o qual proíbe em ano de eleição: Distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. Entretanto, este dispositivo, para que seja compreendido deverá buscar uma base legal que o dará sustentação, já que, a existência de programas depende de leis que estejam em vigor bem antes do ano eleitoral e, tais leis são: a Lei do Plano Plurianual de Investimentos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, a Lei Orçamentária Anual, que deverão conter a ação e o programa que permita a distribuição de bens, valores e benefícios. Como também, depende de que os atos contratuais tenham sido firmados antes dos noventa dias que precedem o pleito eleitoral, para que sejam considerados válidos sem o risco para o gestor público. Apesar de que, entenda-se: que seria inconstitucional uma lei que vedasse, de modo absoluto, a realização de despesas nos dois últimos quadrimestres, isto é, nos últimos oito meses de mandato, ainda que as despesas ultrapassassem o exercício financeiro. Pois, tais hipóteses estão previstas na Constituição Federal (arts. 165, I e II, art. 167, § 1º). É imperioso o entendimento de que, uma vez o projeto incluído no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual se torna uma obrigação jurídica para a sua execução, mesmo que seja contratada a sua execução dentro do período vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei Eleitoral. Ensina-nos Marçal Justen Filho: “se a vontade constitucional fosse de vedar o início de projetos plurianuais nos últimos oito meses do mandato do governante, a solução seria estabelecer proibições quanto à elaboração dos planos plurianuais. Então, deveria estabelecer-se a impossibilidade de inclusão nos planos plurianuais de projetos cuja execução tivesse de iniciar-se nos últimos oito meses do mandato do governante” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 142). Entretanto, oriento que se tenha cautela, vez que, as interpretações, vez por outra se dão por conveniências, até mesmo dos que estão dentro dos tribunais máximos e, suscitam múltiplas abordagens e temas para estudos, artigos e palestras.
Concluímos, portanto, que poderá ser firmado qualquer instrumento de contrato com as entidades não governamentais dentro do ano de eleições, mesmo que seja o que corresponda ao do final de mandato para o gestor. Contanto que, sejam observadas estas orientações e, que sejam obedecidas regras estabelecidas pelas normas específicas de contratos para a administração púbica (Lei Federal 8.666, Lei 9.790 e demais normas específicas e complementares).
Referências Bibliográficas:
LEI Nº 9.504 (30 DE SETEMBRO DE 1997)
(Alterada pelas Leis nº 9.840, de 28.9.1999, nº 10.408, de 10.1.2002, nº 10.740, de 1º.10.2003, e nº 11.300, de 10.5.2006).
Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101 (4.05.2000).
Lei 8.666, de 21 de junho de 1993.
Constituição Federal de 1988.
USTEN FILHO, Marçal, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 142
*Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública.
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