terça-feira, 8 de julho de 2008

Edição de normas jurídicas. A irracionalidade e a burrice do Estado que revolta



*Nildo Lima Santos

Nunca na história deste país se constatou tanta burrice imperativa como se constata hoje, naqueles que deveriam ter a obrigação de possuir inteligência e a racionalidade bem acima da média da inteligência dos pobres súditos deste Poder Imperial. Poder que edita normas e mais normas sem nenhuma racionalidade presente e, sem necessidades. Lembra-me meus primeiros momentos de Consultor em Administração Pública quando junto ao Executivo Municipal, em uma cidadezinha do interior da Bahia, orientava a área jurídica para que fosse vetado Projeto de Lei aprovado pela Câmara Municipal e de autoria de um Vereador quase analfabeto - já que possuía mal o primeiro grau -, que aprovava a construção de calçamentos e de meio-fio para as ruas e avenidas da sede da cidade. Dizia o projeto em seu caput principal, dentre os dois únicos de tal projeto: “Art. 1º Ficam construídos calçamentos e meio-fios nas ruas e avenidas da sede do Município.” Como poderia uma lei obrar mágica para de repente, após sua aprovação, construir calçamentos e meio-fios nas ruas?!... Faltou ao legislador, no caso, o conhecimento de que para o calçamento de ruas e meio-fios não há a necessidade de lei e necessita tão somente de recursos financeiros, do querer do governante e, da existência de áreas públicas a serem servidas. Mas, neste caso, é perdoável a gafe, já que se trata de um legislador menor cuja legislação eleitoral permite que o seja apenas sabendo assinar o nome, já que não foi submetido a nenhum teste. Mas, do Ministro da Justiça e, dos Deputados, não se permite tamanha falta de conhecimento e de raciocínio. O primeiro que fez o Governo Federal editar Medida Provisória (415/2008) – com a autoridade imperial que tem o Chefe do Poder Executivo – proibindo a comercialização no varejo de bebidas alcoólicas na faixa de domínio de rodovia federal ou em local contíguo à faixa de domínio com acesso direto a rodovia. É o que diz o artigo 1º da Medida Provisória 415. Já os Deputados e Senadores, que, revestidos da autoridade de legisladores máximos, jamais poderiam permitir tamanha falta de conhecimento e de preparo, já que são assessorados – é o que se espera – por técnicos legislativos da mais alta categoria – e, os foram na apreciação da matéria quando aprovaram a Lei 11.705 que altera dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97).

Infelizmente, estamos sob o reinado da incompetência e, salve-se quem puder e, se puder!... O famigerado Código de Trânsito Brasileiro já é uma afronta à razoabilidade por ser muito avançado para a realidade do país chamado Brasil, agora, imagine maior rigidez!... É insensato não levar em consideração de que este país socialmente e economicamente é bastante heterogêneo, tanto do ponto de vista da distribuição de suas riquezas, de formação educacional e social e antropológico – onde ainda são encontrados nativos sem nenhum contacto com a sociedade e inúmeros bolsões de miséria absoluta – por isto, chamado por alguns de Berlíndia (isto é, onde são encontrados avanços sociais e econômicos em parte do seu território comparados com a Bélgica e atrasos em outras partes comparados com a Índia).

Lembro-me bem do ufanismo dos nossos legisladores maiores quando da aprovação do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503), quando orgulhosamente arrotavam a grandeza de tal instrumento normativo como sendo o mais desenvolvido do mundo. Se o Código de Transito aprovado é tão desenvolvido, então tal norma não caberá para este país, por estar ainda, dentre os países subdesenvolvidos do mundo! Caracterizado também, por uma das maiores corrupções do mundo. Isto é: um dos países mais corruptos do mundo – é o que nos informam pesquisas de inúmeras organizações internacionais e noticiários divulgados na imprensa brasileira. Isto já bastaria para se ter a idéia, tênue que fosse, de que tanta rigidez somente iria aumentar o poder da corrupção desenfreada em nosso país, nos organismos do Estado, e, que todo e qualquer cidadão é vítima. As punições severas e fora do que é racional, leva o cidadão ao desespero e, é o desespero que faz a hora. No caso a hora para acontecer a corrupção. Imagine um cidadão de bem e que nunca descumpriu regra de trânsito qualquer ser pego com tanta severidade e sujeito a perder a sua Carta de Motorista, ter o carro apreendido e, até ser preso por um simples gole de vinho ou até mesmo por consumo de um bombom contendo licor ou conhaque.!... Imagine aquele que ingere um xarope para combater tosse, ou simplesmente, utiliza spray para combate a inflamação da garganta, ser pego com tanta severidade, ao ponto de alterar a sua vida e de seus familiares!... - Alterar pela revolta com as injustiças. - Alterar pelo prejuízo moral e material. - Alterar, pela pressão à mudança de comportamento por ser forçado à corrupção passiva pela aceitação da corrupção ativa. Pois, nada mais há o que fazer!

Seria razoável e honroso para o Estado e suas autoridades constituídas reconhecerem de que o problema da mortalidade nas estradas e no trânsito não reside tão somente no consumo de álcool e, que este é um dos menores problemas. Deveria reconhecer de que, os índices alarmantes de mortalidade nas estradas são em decorrência da falta de boas rodovias, da precariedade das sinalizações dos sistemas viários urbanos e rurais; da falta de fiscalização por aqueles que têm a obrigação de fiscalizar; da precariedade da frota brasileira que é reflexo da pobreza de nosso povo e, maior ainda, pelo alto índice de corrupção do Estado Brasileiro em todos os seus sentidos e níveis, principalmente dos guardas rodoviários e de trânsito que povoam as estradas e as ruas dos Municípios. Seria honroso reconhecer de que a Lei 9.503 (Código de Trânsito Brasileiro) já dava solução à questão por ser mais razoável e mais inteligente, quanto à questão do nível de álcool permitido e, quanto às penas a serem aplicadas, vez que, o artigo 276 do Código Brasileiro de Trânsito (Lei 9.503) já definia a concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue para que o condutor fosse impedido de dirigir veículo automotor e, através de seu Parágrafo Único definiu que o CONTRAN estipularia os índices para os demais testes de alcoolemia,destarte, seguindo o que ficou definido como competência deste no inciso I do artigo 12 do referido Código de Trânsito. Logicamente através de resolução, que pelo nosso entendimento é bem mais ágil e, que supera muito bem a agilidade do Poder Regulamentar que tem o Chefe do Executivo Federal, para regulamentar as Leis através de simples Decreto. Em dispositivo bem anterior, ainda da mesma norma, especificamente o artigo 165, com redação dada pela Lei 11.275, de 2006, foi previsto penalidade de multa, de retenção do veículo e de perda dos direitos de dirigir, além do recolhimento do documento de habilitação. Pena fora de medida e, bastante irracional, no caso com a suspensão do direito de dirigir, que não foi precisa. Podendo entender, destarte, ser uma suspensão definitiva, que a Lei 11.705 neste caso corrige. Este é talvez, o único mérito desta Lei. No restante, os legisladores foram por demais irracionais e, incoerentes. Se assim entenderam que a pena de cassação definitiva da Carteira de Habilitação era bastante severa, o porquê da imposição de penas severas que não observasse sequer o mínimo de razoabilidade possível para os níveis de álcool no organismo do condutor, sabendo-se que, medicamentos e até guloseimas, poderão conter algum nível de álcool, mesmo que seja insipiente, mas, medido pelos bafômetros?!... Só encontro uma resposta: - A falta de inteligência. A falta de inteligência daqueles que mais, por obrigação, deveriam tê-la. O que estava e está faltando é a responsabilidade do Estado com a fiscalização. Pela falta do Estado, punem-se os inocentes! Que lógica burra é esta?! A incoerência é tamanha que na Lei 11.705 que altera o Código de Trânsito não consideraram as rodovias estaduais e as rodovias municipais. Até aí tudo certo. Pois, compete aos Estados e aos Municípios legislar sobre a matéria e, sobre as suas rodovias, desde que obedeçam a diretrizes gerais emanadas por normas maiores da União. Rodovias, que, por sinal, são em número bem mais elevado do que as rodovias federais. Se até aí entenderam a limitação da competência da União, não entendemos o porquê de se atribuir à Polícia Rodoviária Federal a competência na aplicação das multas nos estabelecimentos comerciais próximos às rodovias nas áreas não urbanas?

A questão das competências é mais uma anomalia a ser levada em consideração. O fato de se atribuir competências novas para a Polícia Rodoviária Federal através de Lei Ordinária (Lei 11.705), dando a esta, competências típicas e reservadas para os Municípios na fiscalização das posturas municipais, quanto às exigências e licença para o seu funcionamento, o que os sujeita tão somente à fiscalização dos agentes do Município onde este está localizado. Têm-se, portanto, a invasão de competências dos Municípios. A meu ver este dispositivo afronta a Constituição Federal, vez que, em momento algum se encontra estabelecida no texto constitucional tal competência para a União. Isto é a de fiscalizar a comercialização de produtos sujeitos à incidência do ICMS e, portanto, da Fazenda Pública de cada estado federado e, de autorizar e fiscalizar o funcionamento de estabelecimentos comerciais sujeitos às fiscalizações Fazendárias, de Posturas Municipais e, Sanitárias, todas estas competências dos Entes Federados menores, os Municípios. O máximo que compete a Policia Rodoviária Federal é a fiscalização do leito das rodovias federais e, do tráfego sobre elas e, suas faixas de domínio, ainda mais quando se reconhece que a Lei que instituiu a Polícia Rodoviária Federal é Lei Complementar, a qual detalha as atribuições de tal organismo, sendo tão somente aquelas que se relacionam com o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, na forma do disposto no § 2º do Art. 144 da Constituição Federal que merece ser transcrito:

“Art. 144. (....).
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.”



Há de se reconhecer de que, as competências da Polícia Rodoviária Federal, deverão estar relacionadas tão somente com o patrulhamento ostensivo das rodovias. E, estabelecimento comercial não é rodovia para que o patrulheiro possa aplicar, ao mesmo, multas e quaisquer outras penalidades; quer sejam no proprietário do estabelecimento comercial, ou nos seus representantes legais - mesmo porque nenhum estabelecimento pode ser implantado no leito de rodovia. Ainda mais, quando considerado que, a maioria dos estabelecimentos comerciais, ou estão em terras de propriedade dos particulares, ou de terras de propriedade do Estado, ou de propriedade dos Municípios.

Portanto, autoridades deste país! Sejam racionais e contenham a “Burrice Revoltante” emanada dos que comandam os gabinetes públicos, ferindo de morte o estado de direito e adiando a cada dia a certeza da efetividade de um Estado Brasileiro forte e soberano para os cidadãos que a cada dia os vê mais distante com o fortalecimento cada vez maior do Estado para a corrupção. .

* Nildo Lima Santos – Bacharel em Ciências Administrativas. Pós-Graduado em Políticas Públicas e Gestão de Serviços Sociais. Consultor em Administração Pública.

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