RESOLUÇÃO No 21.197
Processo Administrativo no 18.882
São Paulo – SP
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo.
Interessada: Corregedoria Regional Eleitoral de São Paulo.
Multas eleitorais. Cobrança decorrente de ausência a eleições posteriores ao cancelamento da inscrição eleitoral. Cabimento. Prescrição. Termo inicial.
O cancelamento de inscrição por ausência a três eleições consecutivas decorre de comando legal (arts. 7o, § 3o, e 71, V, Código Eleitoral) e constitui medida de depuração do cadastro eleitoral. Não se confunde com a imposição de penalidade de natureza pecuniária pelo não-comparecimento às eleições (art. 7o, caput, da mesma lei) a que, por essa razão, estará sujeito o infrator.
A multa eleitoral constitui dívida ativa não tributária, para efeito de cobrança judicial, nos termos do que dispõe a legislação específica, incidente em matéria eleitoral, por força do disposto no art. 367, III e IV, do Código Eleitoral.
À dívida ativa não tributária não se aplicam as regras atinentes à cobrança dos créditos fiscais, previstas no Código Tributário Nacional, ficando, portanto, sujeita à prescrição ordinária das ações pessoais, nos termos da legislação civil, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
O termo inicial do prazo prescricional, observado o disposto no § 3o do art. 2o da Lei no 6.830/80, será o primeiro dia seguinte aos 30 (trinta) dias posteriores à realização da eleição a que tiver deixado de comparecer e de justificar a ausência.
Vistos, etc.,
Resolvem os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, responder à indagação, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante desta decisão.
Sala de Sessões do Tribunal Superior Eleitoral.
Brasília, 3 de setembro de 2002.
Ministro NELSON JOBIM, presidente – Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, relator.
__________
Publicada no DJ de 4.10.2002.
EXPOSIÇÃO
O SENHOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO:
1. Trata-se de questionamento formulado pela Corregedoria Regional Eleitoral do Estado de São Paulo quanto à obrigatoriedade de cobrança de multas referentes a turnos posteriores ao cancelamento de inscrição eleitoral que se deseja restabelecer ou reverter da base histórica.
Foram feitas as seguintes indagações:
“a) qual a fundamentação legal para a cobrança;
b) a cobrança de multa eleitoral está sujeita a prescrição? Qual o prazo prescricional e qual seu termo inicial?”
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (relator):
1. Como bem acentuaram as informações da assessoria, esta Corte, ao examinar os autos do Processo Administrativo no 18.540/DF, do qual foi relator o Ministro Fernando Neves (Res.-TSE no 20.733, de 27.9.2000, DJ de 2.2.2001), limitou o alcance das anistias concedidas por lei, de forma que as regras sobre o cancelamento de inscrição, previstas no Código Eleitoral (arts. 7o, § 3o, e 71, V) e nas normas específicas sobre alistamento e serviços eleitorais (Res.-TSE no 20.132/98, art. 78), não fossem atingidas por aquele benefício, que abrangeria tão-somente as penalidades pecuniárias decorrentes da ausência às eleições respectivas.
Assim, dissociadas as sanções de natureza pecuniária das providências relacionadas com a depuração do cadastro eleitoral, incabível concluir-se pela isenção do pagamento de multas devidas pelo eleitor que, após cancelada sua inscrição eleitoral, deixar de comparecer a um ou mais turnos de eleição e que, portanto, sob esse fundamento legal, estará sujeito ao pagamento das multas correspondentes, exceção feita aos pleitos alcançados pela anistia.
2. No que concerne à segunda indagação, sobre o tema da prescrição da multa eleitoral, transcrevo oportuno trecho das referidas informações de fls. 4-11:
“(...)
Relativamente à prescrição, impõe-se delimitar a natureza jurídica das multas eleitorais. Destaque-se, quanto ao ponto, trecho de informação prestada por esta assessoria nos autos do Processo Administrativo no 18.378/RS:
‘Em seguida, convém atentar para o enquadramento das multas eleitorais, na hipótese de execução, após o transcurso do prazo concedido ao infrator sem o efetivo pagamento, nos dispositivos legais concernentes à qualificação dos créditos da União, adiante transcritos:
“I – Lei no 4.320, de 17.3.64
Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
§ 1o Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como dívida ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título.
§ 2o Dívida ativa tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e dívida ativa não tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.” (Grifamos.)
(...)
“II – Lei no 6.830, de 22.9.80
Art. 1o A execução judicial para cobrança da dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e respectivas autarquias será regida por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Art. 2o Constitui dívida ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária e não tributária, na Lei no 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normais gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. (Grifos nossos.)
§ 1o Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1o, será considerado dívida ativa da Fazenda Pública.
§ 2o A dívida ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.
§ 3o A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 (cento e oitenta) dias ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
§ 4o A dívida ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional.
(...)
Art. 5o A competência para processar e julgar a execução da dívida ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário.”
Vale ressaltar que os recursos decorrentes da imposição de multas com fundamento no Código Eleitoral e leis conexas receberam, no entanto, por determinação legal, destinação própria, qual seja a composição de um fundo específico, o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, criado pela Lei no 9.096/95, que estabelece, em seu art. 38:
“Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por:
I – multas e penalidades aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas;’’’
Sobre o tema da prescrição de dívida ativa não tributária, assim se manifestou o Supremo Tribunal Federal, em precedente relatado pelo Ministro Ilmar Galvão, de cujo voto transcrevo os seguintes fragmentos:
‘A alegada prescrição, por outro lado, não se verificou.
É que, não se tratando de crédito tributário, não tem aplicação ao caso a norma do art. 174 do CTN. E por estar-se diante de dívida ativa, e não passiva, não incidem as normas do art. 177, § 10, no VI, do Código Civil, e do art. 1o, do Dec. no 20.910/32. Esses diplomas – adverte Washington de Barros Monteiro (Curso, 1o vol., Forense, 1977), “são concernentes às dívidas passivas, no tocante às ativas, a prescrição é a ordinária, isto é, só se consuma no fim de vinte anos.”
Na verdade, não se justificaria que o crédito público ordinário viesse a receber tratamento legal menos favorável do que o particular, em matéria de prescrição’. (Mandado de Segurança no 21.468-6, Tribunal Pleno, sessão de 13.8.92, DJ de 25.9.92.)
Tratando-se, portanto, a multa eleitoral de espécie de dívida ativa não tributária estaria sujeita, ressalvado superior entendimento, ao prazo prescricional a ela imposto, na conformidade com o entendimento explicitado no referido precedente, qual seja, ao da prescrição ordinária das ações pessoais previsto na legislação civil em vigor, de vinte anos (Código Civil, art. 177). Lembro, por oportuno, que no texto do novo Código Civil (Lei no 10.406, de 10.1.2002, DOU de 11.1.2002), que somente entrará em vigor um ano após sua publicação, a prescrição ordinária passa a ser fixada em dez anos.
Finalmente, caberia explicitar o termo inicial para a contagem da prescrição. No que concerne aos créditos fiscais – dívida ativa tributária – divergem o Código Tributário Nacional e a Lei no 6.830/80, fazendo-se necessário recorrer ao entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, fixado no sentido de que o termo a quo para a prescrição tributária se situa na data da constituição definitiva do crédito tributário – quando já insuscetível de impugnação na via administrativa – e não na da inscrição em dívida ativa, uma vez que prevalecem, quanto ao tema, as disposições do CTN sobre as da Lei de Execução Fiscal, dada a sua superioridade hierárquica (cf. Resp no 173.201/SP, acórdão de 27.4.99, DJ de 31.5.99, Primeira Turma, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, e Resp no 178.500/SP, acórdão de 6.11.2001, DJ de 18.3.2002, Segunda Turma, relatora Ministra Eliana Calmon).
Cuidando-se, todavia, na espécie, de dívida não tributária, não se mostram aplicáveis as normas especiais do CTN. Considerando, portanto, que o § 3o do art. 2o da Lei no 6.830/80 dispõe que a ‘(...) inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 (cento e oitenta) dias ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo’, é de se concluir que seu termo inicial se fixa em momento anterior, ao que penso, da ocorrência do fato, significando dizer na data da eleição”.
3. Tenho como corretas as conclusões da assessoria, baseadas no mencionado voto condutor, no respeitante ao prazo prescricional para a cobrança de multa de natureza eleitoral.
É que, não se aplicando às dívidas ativas de natureza não tributária as normas relativas à cobrança dos créditos fiscais, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal no precedente apontado (MS no 21.468-6/CE, DJ de 25.9.92), sujeitam-se aquelas dívidas à prescrição ordinária das ações pessoais, prevista na legislação civil.
Todavia, assim não entendo em relação ao termo inicial para a sua contagem, considerando que, em observância ao que dispõe o já transcrito § 3o do art. 2o da LEF, essa data deve coincidir não com a data da eleição, mas com o primeiro dia seguinte aos 30 (trinta) dias posteriores à sua realização.
Com efeito, disciplina o Código Eleitoral, em seu art. 367, III e IV, que, uma vez não satisfeito pelo eleitor, no prazo de 30 dias, o débito decorrente da multa que lhe tiver sido imposta, a dívida será considerada líquida e certa para efeito de cobrança mediante executivo fiscal, aplicando-se, portanto, à espécie as normas relativas à execução da dívida ativa da Fazenda Pública.
Tenho, destarte, que, antes desse termo, o débito não poderia ser inscrito, inviabilizando-se, em conseqüência, a contagem de um prazo prescricional contra a Fazenda quando ela ainda não poderia cobrá-lo.
Neste sentido, trago à colação a crítica de Paulo de Barros Carvalho (Curso de Direito Tributário, Ed. Saraiva, 13. ed., cap. XIV) ao termo inicial fixado pelo Código Tributário Nacional, aplicável à espécie, mutatis mutandis, aos débitos de natureza não tributária, como aquele decorrente de multa eleitoral:
“É fácil divisar, desde logo, que não se pode falar em curso da prescrição enquanto não se verificar a inércia do titular da ação. Todavia, o termo inicial do prazo, no Código Tributário, foi estipulado tendo em conta o momento em que o sujeito passivo é notificado do lançamento. Como aceitar que possa ter começado a fluir o lapso temporal se, naquele exato momento, e ao menos durante o período firmado no ato de lançamento, a Fazenda ainda não dispunha do meio próprio para ter acesso ao Judiciário, visando à defesa de seus direitos violados? O desalinho entre os pressupostos do instituto e o preceito do código é indisfarçável. Não se preocupou o legislador em saber se havia possibilidade de exercício de ação judicial ou se o titular do direito se manteve inerte. Foi logo estabelecendo prazo que tem como baliza inicial um instante que não coincide com aquele em que nasce, para o credor, o direito de invocar a prestação jurisdicional do Estado, para fazer valer as suas prerrogativas. Surpreende-se, neste ponto, profunda divergência entre a lógica do fenômeno jurídico e a lógica do fraseado legal. Com que ficamos?
Temos inabalável convicção de que as imposições do sistema hão de sobrepor-se às vicissitudes do texto. Este nem sempre assume, no conjunto orgânico da ordem jurídica, a significação que suas palavras aparentam expressar.
A solução harmonizadora está em deslocar o termo inicial do prazo de prescrição para o derradeiro momento do período de exigibilidade administrativa, quando o poder público adquire condições de diligenciar acerca do seu direito de ação. Ajusta-se assim a regra jurídica à lógica do sistema”. (Grifos nossos.)
EXTRATO DA ATA
PA no 18.882 – SP. Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo – Interessada: Corregedoria Regional Eleitoral de São Paulo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, respondeu à indagação, nos termos do voto do relator.
Presidência do Exmo. Sr. Ministro Nelson Jobim. Presentes os Srs. Ministros Sepúlveda Pertence, Ellen Gracie, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro, Fernando Neves, Luiz Carlos Madeira e o Dr. Paulo da Rocha Campos, vice-procurador-geral eleitoral.
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