sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tribunal de Justiça de Minas Gerais Decide Favoravelmente Sobre a Participação de OSCIP em Licitação Pública.

Número do processo: 1.0024.05.700131-5/001(1)

Númeração Única: 7001315-59.2005.8.13.0024

Processos associados: (...)

Relator: Des.(a) WANDER MAROTTA

Relator do Acórdão: Des.(a) WANDER MAROTTA

Data do Julgamento: 09/08/2005

Data da Publicação: 13/09/2005

Inteiro Teor:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - LIMINAR - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPRSCINDÍVEL PROVA DO FUMUS BONI JURIS PARA SUA CONCESSÃO - LICITAÇÃO - CONTRATAÇÃO DE OSCIP PELO ESTADO DE MINAS GERAIS. A liminar, na ação cautelar, só poderá ser deferida se a parte demonstrar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, não sendo suficiente a presença de apenas um destes requisitos. A Constituição Federal admite, em seu artigo 197, que as ações e serviços relacionados à área de saúde sejam executados "diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado", admitindo a instituição de parcerias entre organizações privadas e o poder público, desde que prevista em lei, o que, no caso, está acobertado pela edição da Lei Estadual nº 14.870/2003 e da Lei Federal nº 9.790/99. Se tanto a lei estadual, como a federal, permitem, expressamente, a instituição de parceria do poder público com Organizações Sociais Civis de Interesse Público, para o fomento e execução de atividades de interesse público, inclusive relacionadas à área de saúde, não é possível concluir, neste primeiro momento, nenhuma ilegalidade na norma impugnada ou no edital de Concurso de Projeto nº 002/2005.

AGRAVO Nº 1.0024.05.700131-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - AGRAVADO(A)(S): ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. WANDER MAROTTA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a SÉTIMA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 09 de agosto de 2005.

DES. WANDER MAROTTA - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS

Proferiu sustentação oral, pelo Agravado, a Dra. Célia Cunha Mello.

O SR. DES. WANDER MAROTTA:

Sr. Presidente.

Ouvi, atentamente, a sustentação oral proferida em nome do Estado de Minas Gerais pela Dra. Célia Cunha Mello. Tenho voto escrito e passo à sua leitura.

VOTO

Examina-se agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS contra a r. decisão de fls. 10/13, que indeferiu a liminar pleiteada nos autos da cautelar inominada proposta contra o ESTADO DE MINAS GERAIS.

Salienta o agravante, em síntese, que ajuizou ação civil pública contra o agravado, objetivando a anulação do edital do concurso de projeto nº 002/2005, que tem por objetivo selecionar uma organização de sociedade civil de interesse púbico - OSCIP - para celebrar termo de parceria com o réu, através do qual o Estado cederá o gerenciamento e execução de atividades e serviços de saúde desenvolvidos com a estrutura física do Hospital Pronto Socorro Dona Risoleta Tolentino Neves. Para tanto, a OSCIP selecionada irá receber do poder público bens móveis e imóveis, cedidos em permissão de uso, além de aporte financeiro. Alega o agravante, entretanto, que nos termos da CF/88 e da Lei nº 8.080/90, o Estado tem de promover DIRETAMENTE o acesso à saúde, não podendo transferir os encargos relativos a tais serviços a organizações sociais, antes de esgotadas as disponibilidades do SUS. Além disso, a participação complementar de entidades privadas deve ser formalizada mediante contrato ou convênio, observados os princípios e regras elencados no art. 37 da Constituição da República. No caso, para realização da parceria, a OSCIP selecionada "…receberá a importância de 31.700.000,00 (trinta e um milhões e setecentos mil reais) pelos primeiros doze meses de contrato, além de bens públicos móveis e imóveis em permissão de uso. Dessa forma, a gestão patrimonial do Hospital Dona Risoleta Tolentino Neves ficará a cargo da entidade parceira, que observará o regime jurídico de direito privado, com as derrogações existentes na Lei Estadual nº 14.870/03, não tendo o dever de proceder à licitação para a aquisição de bens e contratação de obras e serviços, devendo apenas publicar regulamento próprio observando os princípios da administração pública", o que violaria o disposto no art. 37, XXI, da CF/88. Acrescenta o parquet que estão presentes os requisitos para a antecipação da tutela pretendida, impondo-se a reforma da decisão agravada.

Contra-minuta às fls. 22/28, pugnando o agravado, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso, em razão do descumprimento do art. 526 do CPC; e, no mérito, batendo- se pela manutenção do decisum.

Preliminarmente, anoto que não ficou comprovado o descumprimento do artigo 526 do CPC por parte do agravante.

O agravado afirma que o agravo foi protocolado em 08 de junho de 2.005 e que não é possível afirmar se os documentos elencados no art. 526 foram juntados aos autos dentro do prazo de 03 (dias) previsto no citado dispositivo legal.

Cabia ao recorrido, entretanto, comprovar que a regra referida não foi observada pelo parquet.

Isto porque a Lei n. 10.352, de 16 de dezembro de 2001, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 526 do CPC, impõe ao agravante, se for desatendida a regra do caput, e desde que argüido e comprovado pelo agravado, a inadmissão do agravo de instrumento.

Ausente a prova do descumprimento, impõe-se o conhecimento do agravo.

Por tal motivo, rejeito a preliminar.

Em primeiro lugar, anoto que não se cuida, aqui, de pedido de antecipação de tutela, mas sim de liminar, formulado nos autos de ação cautelar inominada, incidental à ação civil públicaajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais contra o Estado de Minas Gerais.

E, no caso, não vejo presente o fumus boni iuris, razão pela qual deve ser indeferida a liminar pleiteada.

Pretende o Ministério Público paralisar o concurso de projeto nº 002/2005 que, segundo afirma, tem por objetivo "…selecionar uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP - para celebrar termo de parceria com o requerido, cujo instrumento encontra-se anexo ao edital, para o gerenciamento e operação do Hospital de Pronto Socorro Dona Risoleta Tolentino Neves" - (fls. 03).

Não foi juntada ao agravo a cópia deste edital.

Nos termos da Lei Estadual nº 14.870/2003:

Art. 1º - O Estado poderá qualificar pessoa jurídica de direito privado como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP -, nos termos desta Lei.

Parágrafo único. A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento dos requisitos estabelecidos nesta Lei.

Art. 2º - O poder público e a entidade qualificada como OSCIP poderão firmar termo de parceria, destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 4º desta Lei.

Art. 3º - Pode qualificar-se como OSCIP a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, constituída há pelo menos dois anos, nos termos da lei civil, e em atividade, cujos objetivos sociais e normas estatutárias atendam ao disposto nesta Lei.

Parágrafo único - Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas de seu patrimônio auferidos mediante o exercício de suas atividades e que os aplica integralmente na consecução de seu objetivo social.

Art. 4º - Observados o princípio da universalidade e os requisitos instituídos por esta Lei, a qualificação como OSCIP será conferida à pessoa jurídica cujos objetivos sociais consistam na promoção de, pelo menos, uma das seguintes atividades:

I - assistência social;

(…)

IV - saúde gratuita;

(…)

Parágrafo único - Para os fins deste artigo, a entidade deverá comprovar a execução direta de projetos, programas ou planos de ação relacionados às áreas de atividade descritas nos incisos do caput deste artigo, ou, ainda, a prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins, na forma do regulamento."

No mesmo sentido foi editada a Lei Federal nº 9.790/99.

Tanto a lei estadual, como a federal, permitem, expressamente, a instituição de parceria do poder público com Organizações Sociais Civis de Interesse Público, para o fomento e execução de atividades de interesse público, inclusive relacionadas à área de saúde, não sendo possível vislumbrar, neste primeiro momento, nenhuma ilegalidade na norma impugnada ou no edital de concurso de projeto nº 002/2005.

A Constituição Federal admite, em seu artigo 197, que as ações e serviços relacionados à área de saúde sejam executados "diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado".

Ou seja, embora a saúde seja um serviço público a cargo do Estado, pode ser prestado através de terceiros, admitindo o art. 199, parágrafo 1º, da Carta Constitucional, explicitamente, a participação de instituições privadas de forma complementar do sistema único de saúde, "mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos".

Assim, de um exame superficial da legislação aplicável à espécie e dos documentos aqui juntados não vislumbro nenhuma ilegalidade na contratação, via edital, de OSCIP para gerenciar e executar atividades e serviços de saúde com a estrutura física de Hospital Estadual. Pelo contrário, o objetivo da contratação é justamente a prestação de um serviço mais eficiente.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLOesclarece que as organizações da sociedade civil de interesse público foram introduzidas

"…pela Lei 9.790, de 23.3.99. De acordo com ela, tal qualificativo é atribuível, vinculadamente, a pessoas jurídicas de Direito Privado requerentes, para fins de habilitá-las a firmar termos de parceria com o Poder Público, com o qual se credenciam a receber recursos ou bens públicos emprenhados neste vínculo cooperativo entre ambos, desde que tais pessoas:

a)não tenham fins lucrativos;

b)sejam prepostas a determinadas atividades socialmente úteis (arroladas no art. 3º, quais, exempli gratia, assistência social, combate à pobreza, promoção gratuita da saúde, da cultura, da cidadania, dos direitos humanos, etc.,)

c)não estejam no rol das impedidas (listadas no art. 2º, como, por exemplo, sociedades comerciais, organizações sociais, instituições religiosas, cooperativas, sindicatos e entidades criadas pelo Governo); e

d)consagrem em seus estatutos uma série de normas (preestabelecidas no art. 4º) sobre estrutura, funcionamento e prestação de contas" (in "Curso de Direito Administrativo", 15ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2003, p. 225, grifos do autor).

E MARIA SYLVIA ZANELLO DI PIETRO:

"Parceria, no Vocabulário jurídico de José Naufel, significa o mesmo que sociedade. É a "reunião de duas ou mais pessoas que investem capital, ou capital e trabalho, com o fim especulativo em proveito comum".

Como observa Diogo de Figueiredo Moreira Neto, "a palavra parceria, do latim partiarius, participante, vem sendo empregada tradicionalmente em direito para designar uma forma sui generis de sociedade em que não se dá a composição de um capital social nem a instituição de uma nova pessoa, mas, apenas, uma relação negocial, em que uma das partes assume obrigações determinadas com vistas a participação de lucros alcançados."

Pelo fato de o vocábulo parceria trazer em si a idéia de lucro, alguns resistem a sua utilização no âmbito do direito público. O próprio Diogo de Figueiredo Moreira Neto entende discutível a utilidade de transpor- se esse vocábulo quando na realidade o que se está fazendo é rebatizar a colaboração econômica entre o setor público e o setor privado, hipótese em que entidades não estatais participam de atividades estatais de índole econômica, com o objetivo de lucro. É o caso específico da concessão e da permissão de serviço público.

(…)

Neste livro, o vocábulo parceria é utilizado para designar todas as formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre os setores público e privado, para a consecução de fins de interesse público. Nela existe a colaboração entre o poder público e a iniciativa privada nos âmbitos social e econômico, para satisfação de interesses públicos, ainda que, do lado do particular, se objetive o lucro. Todavia, a natureza econômica da atividade não é essencial para caracterizar a parceria, como também não o é a idéia do lucro, já que a parceria pode dar-se com entidades privadas sem fins lucrativos que atuam essencialmente na área social e não econômica.

(…)

Com isso, a parceria serve ao objetivo de diminuição do tamanho do aparelhamento do Estado, na medida em que delega ao setor privado algumas atividades que hoje são desempenhadas pela Administração, com a conseqüente extinção ou diminuição de órgãos públicos da administração indireta e diminuição de quadro de servidores; serve também ao objetivo de fomento à iniciativa privada, quando seja deficiente, de modo a ajudá-la no desempenho de atividades de interesse público; e serve ao objetivo da eficiência, porque introduz, ao lado da forma tradicional de atuação da Administração Pública burocrática outros procedimentos que, pelo menos teoricamente (segundo os idealizadores da reforma), seriam mais adequados a esse fim de eficiência." ("Parcerias na Administração Pública", 3ª ed., São Paulo: Atlas Ed., 1999, p. 31/32, grifei).

Como a CF/88 admite a contratação de pessoas de direito privado para realização e execução de serviços relacionados à área de saúde e a matéria está regulamentada em lei, não se justifica a concessão da liminar, se não há prova cabal de violação do artigo 37 da CF.

De outro lado, embora o agravante afirme que a OSCIP receberá valores superiores a trinta e um milhões de reais, além de bens públicos sem prévia licitação, não demonstrou a veracidade de tais alegações.

O agravo foi instruído apenas com a petição recursal e a decisão agravada, não podendo ser presumidas verdadeiras as alegações contidas na inicial, sendo imprescindível, no mínimo, indícios da existência de perigo para que seja concedida a liminar.

A concessão de liminar impõe prejuízo ao réu, devendo por isto estar devidamente comprovada não apenas a extensão do prejuízo alegado, mas também o fumus boni iuris:

"Conforme estabelece o nosso sistema jurídico, na ação cautelar para a concessão de liminar não basta, tão-somente, a afirmação de sua necessidade formulada pelo requerente, a qual, mais das vezes, constitui uma opinião puramente subjetiva, mas, principalmente, da demonstração, por parte do requerente, da existência dos requisitos específicos da tutela cautelar, para que o juiz possa realizar a sua indispensável avaliação e se convencer ou não da necessidade de conceder liminar requerida (Ac. unân. 1.105/88 da 1a Câm. do TJAL no agr. 5.618, rel. des. Paulo da Rocha Mendes; DJAL de 01.09.89; Adcoas 1990, n. 128.860 , apud Código de Processo Civil Anotado, Alexandre de Paula, p. 3158, ed. RT).

O deferimento da providência de natureza cautelar depende, enfim, da constatação da plausibilidade do direito substancial -- o "fumus boni iuris" -- e da possibilidade de risco ao processo principal, de não ser útil à finalidade almejada, isto é, de um dano potencial capaz de dificultar ou até mesmo impedir o reconhecimento do direito, ainda que em tese, a ser assegurado, -- "o periculum in mora" -- a ser apurado objetivamente.

Cabe ao autor demonstrar seu interesse pelo direito do qual se diz titular, apresentando elementos capazes de formar um conhecimento sumário e superficial, hábeis à convicção do julgador. Se for constatada a possibilidade do exercício do direito de ação, deduzida dos fatos narrados, encontra-se presente o "fumus boni iuris" capaz de autorizar a proteção das medidas preventivas.

In casu, como ficou enfatizado, a CF autoriza a instituição de parcerias entre organizações privadas e o poder público, inclusive para serviços referentes à área de saúde, não havendo demonstração válida de que o edital impugnado - que, ressalto, sequer foi anexado ao recurso - traz prejuízo à Administração ou viola normas constitucionais ou legais.

Por tais motivos, nego provimento ao recurso.

Sem custas.

Em atenção às pessoas que estão presentes para assistir ao julgamento, reafirmo, para esclarecê-las, que não se juntou neste Agravo a cópia do edital da Licitação, à qual se pretende dar prosseguimento, o que era absolutamente imprescindível, tendo em vista que não se pode interromper um processo licitatório, se não se conhecesse o edital que regula este certame. O agravo foi instruído apenas com a petição recursal e as informações do juízo de origem, razão pela qual neguei provimento ao recurso.

O SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. PINHEIRO LAGO:

VOTO

De acordo.

SÚMULA: REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.


Nenhum comentário: