sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Entidade Beneficente de Assistência Social. Imunidade tributária está condicionada a validade do certificado. Diz o TRF da 1ª Região

A decisão do TRF1 seguiu simplesmente a lógica e, o princípio da legalidade. Partindo do princípio do cumprimento da lei e, do direito que, em suma nos impõe afirmarmos: "Goza do direito sobre determinada coisa quem direito está com relação às exigências legais para o direito da coisa." Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública 


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL N. 2005.34.00.037043-1/DF



RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA):
Apelação cível interposta pela SOCIEDADE CIVIL CASAS DE EDUCAÇÃO da sentença proferida pelo MM. Juiz da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, nos autos da Ação Declaratória 2005.34.00.037043-1, julgou improcedente o pedido formulado no sentido do reconhecimento da imunidade de que trata o § 7º do art. 195 da CF/88, relativamente às contribuições sociais.
O MM. Magistrado sentenciante julgou improcedente o pedido, ao entendimento de que a autora não preenche os requisitos pertinentes à imunidade tributária, à míngua de ser portadora do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, na medida em que este não foi renovado, em determinado exercício. Aduz, ainda, que a exigência de renovoção periódica do certificado é necessária porque ele traduz apenas o reconhecimento jurídico da situação fática, somente sendo válido enquanto atendidos os requisitos que definem a entidade filantrópica.
Condenou a autora às custas e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.
Foram rejeitados os embargos de declaração opostos pela parte (fl. 228)
Inconformada com a sentença, sustenta a apelante que fez prova inequívoca do seu direito à imunidade tributária, embasada no Código Tributário Nacional, na Constituição Federal, nas decisões já proferidas pelos Tribunais Superiores, além de outras decisões proferidas em Primeiro e Segundo graus jurisdicionais.
Requer o provimento do presente recurso de apelação, a fim de que seja deferido o pedido, na forma como requerido na exordial, com a inversão dos ônus da sucumbência.
Contra-razões às fls. 256/264.
É o relatório.


VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA):
Pleiteia, a autora, ora apelante, seja declarada sua imunidade tributária em relação à contribuição social ao PIS, à razão de 1% sobre a folha de salários, nos termos do art. 195, § 7º, da CF.
A controvérsia posta nestes autos tem como pilar central a natureza do benefício fiscal disposto no art. 195, § 7º da Constituição Federal: São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam as exigências estabelecidas em lei.
Não desconheço a corrente doutrinária e jurisprudencial que defende tratar-se de isenção, no entanto, adoto o entendimento segundo o qual a previsão contida no referido dispositivo traduz-se em verdadeira imunidade, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, no julgamento do RMS 22192/DF, relator Ministro Celso de Mello, DJ de 19/12/1996, restou assentado que a cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política – não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a seguridade social, com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedente: RTJ 137/965.
Segundo Eduardo de Moraes Sabbag, imunidade é matéria de sede constitucional, materializando uma dispensa constitucional de pagamento de tributo. A isenção, por sua vez, se materializa em dispensa legal de pagamento de tributo. A primeira – imunidade – é não-incidência constitucionalmente qualificada. A segunda – isenção – é dispensa legalmente qualificada, estando no campo da incidência tributária. Com efeito, o que se dispensa na isenção é o lançamento do tributo, tendo ocorrido fato gerador nascido o liame jurídico-obrigacional. Na imunidade, não há que se falar em relação jurídico-tributária, uma vez que a regra imunizadora está fora do campo da incidência. (Elementos do Direito, Direito Tributário, 4ª ed., Siciliano Jurídico, SP).
A parte final do art. 195, § 7º, da CF/88 – que atendam as exigências estabelecidas em lei – não constitui fator determinante para definir o benefício fiscal como isenção, assim como a utilização dessa nomenclatura não induz à conclusão de que realmente se trata de isenção.
Em suas lições, na obra Curso de Direito Tributário, Hugo de Brito Machado define imunidade como obstáculo criado por uma norma da Constituição, que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato.
A Constituição Federal deixou bem claro o obstáculo que impede a incidência da regra de tributação, qual seja, as entidades beneficentes de assistência social que atendam as exigências estabelecidas em lei. Trata-se verdadeiramente de limitação ao poder de tributar estabelecida na Constituição Federal.
Diante de tal definição, combinada com o art. 195, § 7º, da CF, faz-se necessária a aplicação do art. 146, II, da CF, no sentido de que cabe à lei complementar: II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.
A Quarta Turma deste Tribunal, julgando caso semelhante ao dos presentes autos, concluiu que a previsão constitucional em questão, trata, na verdade, de imunidade, pois toda restrição ou limitação ao poder de tributar prevista na Constituição Federal traduz imunidade e não isenção. (AMS 2000.32.00.003966-2/AM, rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, DJ de 25/06/2002).
Não havendo, até então, lei complementar específica que estabeleça as exigências a serem atendidas pelas entidades beneficentes de assistência social, estende-se a aplicabilidade dos arts. 9º e 14 do Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição com status de lei complementar.
A aplicabilidade dos arts. 9º e 14 do CTN em casos como o presente foi objeto de exame pelo STF, no julgamento do citado RMS 22.192-9/DF, nos seguintes termos:
Sendo assim, tratando-se de imunidade – que decorre, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional -, revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, § 7º, da Carta Política, para, em função de exegese que claramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar, à ora recorrente, o benefício que lhe assegurado no mais elevado plano normativo.
       Desse modo, entendo assistir plena razão ao eminente Ministro Oscar Correa, quando, em substancioso parecer – em que respondeu a consulta formulada pela Associação Paulista da Igreja Adventista do Sétimo Dia – conclui, em inteira procedência, que:
‘I – O texto constitucional do art. 150, VI, ao vedar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a taxação das instituições de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei, objetivou estimular a prestação desses serviços, que elas realizam, em nome dele Estado, e seria um contra-senso taxar as atividades que se exercem para complementar as que não têm condições de cumprir.
II – Da mesma maneira, ao isentar as entidades assistenciais de beneficência social das contribuições para a seguridade social, teve o mesmo objetivo de facilitar-lhes a expansão da prestação dos serviços, desonerando-se desses ônus que as atingiam.
III – Tratando-se de normas inseridas no texto constitucional, são comando para todos, a começar do legislador ordinário, que a elas deve obediência, e representam autêntica imunidade que veda sejam atingidas por normas de inferior hierarquia.
IV – Só os requisitos da lei são exigência válida para o gozo do benefício, quer a vedação do art. 150, VI, quer a imunidade do art. 195, § 7º da Constituição, e resumem-se nos termos do art. 14 do CTN (lei complementar, nessa parte recepcionada pelo texto constitucional).
V – Exigir que as entidades descentralizadas tenham sido constituídas antes de qualquer norma legal, seria por limites temporais à assistência social, vale dizer, não poderiam presta-las as que se criassem depois, o que é impensável, por contrariar a própria natureza das instituições que a Constituição quer favorecer.
(...)’

O entendimento adotado nesse voto ainda encontra respaldo nos fundamentos utilizados no julgamento da ADI-MC 1802/DF, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 13/02/2004, no sentido de que conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar.
Contudo, no caso em tela, analisando minuciosamente os documentos acostados aos autos, verifico que a autora, com efeito, não logrou comprovar o preenchimento dos requisitos legais estabelecidos tanto pelo art. 14 do CTN, quanto  pelo art. 55, II da Lei 8.212/91, de modo a ensejar a declaração da imunidade tributária e, por conseqüência, a reforma da sentença apelada.
É que os documentos acostados aos autos, mormente o Estatuto Social Estatuto Social da empresa (fls. 49/55), bem como os Atestados de Registro junto ao Conselho Nacional do Serviço Social (fls. 61/65); Certificados de Entidade de Fins Filantrópicos, datados, respectivamente, de 16/08/65, 16/08/67, 28/01/70, 23/12/97, 21/11/2003 (fls. 67/71, por si só, não são suficientes a comprovar a pretensão.
Ademais, foram juntados documentos imprescindíveis a demonstrar, mormente no período dos levantamentos fiscais, que a entidade autora distribuía qualquer parcela de seu patrimônio ou de sua renda, a qualquer título; aplicava integralmente, no País, seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; e, mantinha escrituração de suas receita e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Tem-se, ao contrário, cópia do requerimento de renovação de Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, formulado em 22/04/2003, indeferido pelo Parecer MPS/CJ 3.466/2005-AGU-DOU, de 18/03/2005, acostado às fls. 143/146.
Referido Parecer indeferiu o pedido de renovação do CEBAS da autora, dentre outros argumentos, pelo fato de a entidade não ter cumprido com as exigências legais contidas no art. 2º, VI, do Decreto 752/93 e no art. 3º, VI, do Decreto 2.536/98, na medida em que não demostrou a aplicação mínima de 20% (vinte por cento) de sua receita bruta em gratuidade, bem como não aplicar o resulatado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais.
Neste sentido, tenho que não merece reparo a sentença que julgou improcedente o pedido mormente quando salienta à fl. 216, in verbis que:
     Assim, para fazer jus à isenção (na verdade, trata-se de imunidade), a entidade deve atender, entre outras, à exigência estabelecida no inciso II do art. 55 da Lei 8.212/91, que impõe a obtenção do certificado e do registro de entidade de fins filantrópicos, concedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, que deve ser renovado a cada três anos.
  Se o mencionado certificado não foi renovado, em virtude de a entidade não ter aplicado em gratuidade, em determinado exercício, o percentual mínimo estipulado, e essa circunstância não é contestada pela parte autora, não pode a entidade pretender gozar da isenção (imunidade), pois essa, como expressamente preconiza o comando constitucional depende de atendimento das exigências fixadas em lei.

Diante do exposto, nego provimento à apelação da autora, para manter a sentença nos exatos termos em que proferida.

É como voto.

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