ACÚMULO ILEGAL DE CARGO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.
IMPOSSIBILIDADE QUANDO DE BOA FÉ. INVIABILIDADE DA ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS EX
TUNC
QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ
Curitiba, em 30 de outubro de 2007
Processo:
0413339-9
APELAÇÃO CÍVEL N. 413339-9, DE NOVA
ESPERANÇA, VARA CÍVEL E ANEXOS.
Apelante : ELEITE SHIRLEY GREGÓRIO PACCI
Apelado : MUNICÍPIO DE NOVA ESPERANÇA
Relator : DES. RUY FERNANDO DE OLIVEIRA
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - ACUMULAÇÃO DE
CARGOS - SECRETÁRIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E PROFESSORA ESTADUAL - ATO ILÍCITO
NÃO CONFIGURADO - LEI MUNICIPAL QUE PERMITIA O RECEBIMENTO DA DUPLA REMUNERAÇÃO
- EFICÁCIA ANTES DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - BOA-FÉ DA SERVIDORA
CONFIGURADA - INVIABILIDADE DA ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS EX TUNC - APELO PROVIDO
PARCIALMENTE.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de
Apelação Cível n. 413339-9, da Vara Cível e Anexos da Comarca de Nova
Esperança, em que é apelante ELIETE SHIRLEY GREGÓRIO PACCI e apelado MUNICÍPIO
DE NOVA ESPERANÇA.
1. O Município de Nova Esperança promoveu
ação de ressarcimento de danos ao erário contra a professora Eliete Shirley
Gregório Pacci com base em inquérito civil público instaurado pelo Ministério
Público, em que não se apurou a ocorrência de improbidade administrativa, com
ressalva de apontado recebimento indevido de verbas por esta no desempenho de
duas funções, caracterizado como acúmulo ilícito de remunerações.
A magistrada singular, ao fundamento de que é
vedada a acumulação remunerada dos cargos de professora da rede estadual com
carga horária de 40 horas semanais, colocada à disposição do Município, com
ônus para o Estado do Paraná, e de Secretária Municipal da Educação,
comissionado, julgou procedente o pedido, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade
do art. 56 da Lei Municipal n. 1.499/02, na qual se baseara o Município para
promover os pagamentos, e condenou a requerida a ressarcir ao erário municipal
os valores percebidos entre julho de 2002 e dezembro de 2003, referentes ao
exercício do cargo de Secretária Municipal da Educação (f. 154/160).
Apelou a vencida, aduzindo, em suma, que: o
autor é carecedor da ação por não ser justa nem precisa a cobrança, pois os
proventos foram recebidos em decorrência de lei municipal; a inicial é inepta
porque não cabia ao Poder Executivo recusar-se a dar cumprimento a uma lei
enquanto esta não for oficialmente declarada inconstitucional pelo Poder
Judiciário; a suspensão da execução das leis pelas respectivas Casas
Legislativas opera-se com efeitos ex nunc, ou seja, somente perde a eficácia a
partir do momento em que entra em vigor o ato legislativo que suspender a sua
executoriedade; o Tribunal de Justiça do Paraná, em ação civil pública, já
afastou a imputação de improbidade administrativa por acumulação ilegal de
cargos públicos quando não labora de má-fé o servidor público; tornou-se
célebre o voto do Ministro Leitão de Abreu no Recurso Extraordinário n.
79.343-BA, do STF, no sentido de que a retroatividade da decisão que declara
inconstitucional uma lei, não prescinde do requisito da boa-fé; requer o
acatamento das preliminares, ou o reconhecimento de que a declaração incidental
de inconstitucionalidade não tem o poder de expurgar do ordenamento jurídico
municipal o dispositivo apontado, ou ainda, que prevaleçam os efeitos ex nunc,
da sentença monocrática, de modo a não atingir a apelante (f. 164/174).
Contrarrazões pela manutenção do decisório de
primeiro grau (f. 182/192), manifestação do Promotor de Justiça e da
Procuradoria-Geral de Justiça pelo desprovimento do apelo (f. 194/198 e
209/217).
É, em síntese, o relatório.
"Quando o cargo de Secretário Municipal
de Educação for ocupado por servidor do Quadro Próprio do Magistério do Estado
do Paraná, em disponibilidade para o Poder Público de Nova Esperança, tal
ocupante terá direito a percepção de valor igual ao atribuído em forma de
subsídio para os demais Secretários Municipais".
As preliminares são desde logo afastadas.
A carência de ação por impossibilidade
jurídica do pedido não pode ser reconhecida porque a pretensão manifestada na
inicial é prevista em nosso ordenamento jurídico, como bem assentado na
sentença. Busca-se, em tese, com base no princípio da moralidade
administrativa, na vedação do acúmulo de cargos públicos remunerados, e do
enriquecimento ilícito, tudo com apoio em normas constitucionais, a impositiva
restituição de valores indevidamente recebidos.
Quanto à pretendida inépcia da inicial, basta
que se diga não ser indispensável o prévio exercício do controle de
constitucionalidade preventivo para que se lance mão do controle repressivo
efetivado pelo Poder Judiciário, com o objetivo de expurgar a norma contrária ao
texto constitucional, e foi bem lembrado que a reclamada falta de pedido de
declaração de inconstitucionalidade da lei municipal foi contemplada na
sentença com a afirmação de que embora na inicial não figure requerimento
expresso, contém menção ao fato com o pleito de que seja feita a declaração
incidental.
No mérito, verifica-se, dos elementos dos
autos, que o recebimento da dupla remuneração é manifestamente indevido, porém
não configura a prática de ato ilícito pela servidora apelante.
Diga-se, por primeiro, que não procede o
segundo pedido da petição recursal no sentido de que se decida que "a
declaração de inconstitucionalidade incidental não tem o poder de expurgar do
ordenamento jurídico municipal o referido dispositivo (art. 56) sendo que a Câmara
Municipal de Nova Esperança é que tem legitimidade para tal", ainda pelos
fundamentos acima invocados. Com o exercício do controle difuso ou concentrado,
envolvendo exclusivamente os litigantes, fica afastada inteiramente a
possibilidade de se cogitar de concorrente exercício de controle preventivo por
outro órgão público.
A situação em foco, não obstante, guarda
algumas peculiaridades que precisam ser ressaltadas.
A professora requerida recebia inicialmente
apenas o correspondente às 40 horas do Estado (dois padrões), mas a partir da
edição da Lei Municipal n. 1.499/02, passou a receber mais o subsídio
correspondente ao cargo de Secretária Municipal da Educação, sendo restrita as
suas atividades a este último cargo, e, portanto, não ministrava as 40 horas do
Estado, embora por estas fosse remunerada.
Essa situação, contudo, decorria de
disposições legais de cuja lisura, licitude e legalidade a servidora não tinha
nenhum motivo para duvidar. Ela fora colocada à disposição, ocupara os dois
cargos e recebera a respectiva remuneração, com base em documentos legais,
incluindo os atos administrativos, a lei e o parecer do Procurador Jurídico
Municipal.
Por isso se diz que induvidosamente era
portadora de boa-fé, e, assim, não se locupletou indevidamente.
Embora a Constituição Federal vede a
acumulação de cargos públicos, salvo as exceções expressamente previstas em
lei, a sua condenação, nas condições dadas, equivaleria ao reconhecimento de
uma conduta ímproba, eivada de má-fé, incabível, nas circunstâncias, pois houve
a contraprestação, apesar de não corresponder às efetivas horas-aula.
A má-fé como premissa do ato ilegal, tem sido
constantemente exigida pelos nossos tribunais superiores, como no Recurso
Especial n. 480.387-SP - 1ª Turma - DJ de 25.05.2004.
Cabia a declaração de inconstitucionalidade
porque o aludido dispositivo de lei determina a acumulação ilegal, porém, na
específica hipótese, seus efeitos devem ser ex nunc e não ex tunc.
Adota-se, aqui, o entendimento esboçado em
outros julgados, inclusive em um dos trazidos pela apelante, o Recurso
Extraordinário n. 79.343-BA da 2ª Turma do STF, relatado pelo Ministro Leitão
de Abreu.
Para o referido relator, os efeitos ex tunc
atribuíveis pela declaração de inconstitucionalidade comporta certos
temperamentos. Assim, proclamou:
"Tenho que procede a tese, consagrada
pela corrente discrepante, a que se refere o corpus juris secundum, de que a
lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação de
inconstitucionalidade, podendo ter consequências que não é lícito ignorar. A
tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando,
sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações entre
o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a
retroatividade da decisão que decreta a inconstitucionalidade pode atingir,
prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na
presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo".
Ora, não há sentido em se determinar, aqui, a
retroatividade, para alcançar o ato de recebimento das remunerações por quem
agia de boa-fé. Tratava-se de situação jurídica consolidada, baseada em ato
praticado de boa-fé, sob lei que só posteriormente seria declarada
inconstitucional, sendo assim inteiramente ajustado ao caso o precedente
jurisprudencial invocado.
3. Pelas razões expostas, acolhe-se em parte
o recurso, apenas para julgar parcialmente procedente o pedido inicial (f.
08/09) e manter a declaração de inconstitucionalidade do art. 56 da Lei
Municipal n. 1.499/02, excluída a condenação da requerida a ressarcir ao erário
Municipal os valores percebidos entre julho de 2002 e dezembro de 2003 (itens
'a' e 'b' - f. 160), condenado o autor ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios, estes arbitrados, com base no art. 20, §4º do CPC, em
R$1.000,00, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de 1% ao mês a contar
desta decisão.
Por conseguinte, acordam os desembargadores
integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por
unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao apelo, nos termos acima
definidos.
O julgamento foi presidido pelo Desembargador
RUY FERNANDO DE OLIVEIRA. Acompanharam o voto do relator o Desembargador LEONEL
CUNHA e o Juiz convocado EDUARDO SARRÃO.
Curitiba, 30 de outubro de 2007. RUY FERNANDO
DE OLIVEIRA - Relator
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