sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Tribunal de Contas da União: Poder Geral de Cautela: Doutrina dos Poderes Implícitos

Em: 08/06/2007

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PODER GERAL DE CAUTELA. LEGITIMIDADE. DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRECEDENTE (STF). CONSEQÜENTE POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL DE CONTAS EXPEDIR PROVIMENTOS CAUTELARES, MESMO SEM AUDIÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA, DESDE QUE MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA. DELIBERAÇÃO DO TCU, QUE, AO DEFERIR A MEDIDA CAUTELAR, JUSTIFICOU, EXTENSAMENTE, A OUTORGA DESSE PROVIMENTO DE URGÊNCIA. PREOCUPAÇÃO DA CORTE DE CONTAS EM ATENDER, COM TAL CONDUTA, A EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL PERTINENTE À NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES ESTATAIS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO EM CUJO ÂMBITO TERIAM SIDO OBSERVADAS AS GARANTIAS INERENTES À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW”. DELIBERAÇÃO FINAL DO TCU QUE SE LIMITOU A DETERMINAR, AO DIRETOR-PRESIDENTE DA CODEBA (SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA), A INVALIDAÇÃO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO E DO CONTRATO CELEBRADO COM A EMPRESA A QUEM SE ADJUDICOU O OBJETO DA LICITAÇÃO. INTELIGÊNCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 71, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO. APARENTE OBSERVÂNCIA, PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, NO CASO EM EXAME, DO PRECEDENTE QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FIRMOU A RESPEITO DO SENTIDO E DO ALCANCE DESSE PRECEITO CONSTITUCIONAL (MS 23.550/DF, REL. P/ ACÓRDÃO O MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE). INVIABILIDADE DA CONCESSÃO, NO CASO, DA MEDIDA LIMINAR PRETENDIDA, EIS QUE NÃO ATENDIDOS, CUMULATIVAMENTE, OS PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DE SEU DEFERIMENTO. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida cautelar, impetrado contra deliberação, que, emanada do E. Tribunal de Contas da União (Processo TC-008.538/2006-0), acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 35/36):

“SOLICITAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. REALIZAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO EM CERTAME LICITATÓRIO. AUSÊNCIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO À ABERTURA DO CERTAME. EDITAL DE CONCORRÊNCIA COM CLÁUSULAS RESTRITIVAS AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. INFRINGÊNCIA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS RELATIVOS A LICITAÇÕES E CONTRATOS. INOBSERVÂNCIA DAS NORMAS LEGAIS RELATIVAS A PROCESSO DE OUTORGA DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INADEQUABILIDADE DOS ESTUDOS DE VIABILIDADE. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DO CERTAME E DO CONTRATO. MULTA.
1. A modalidade operacional a ser aplicada a cada desestatização deve ser previamente aprovada pelo Conselho Nacional de Desestatização - CND, nos termos da Lei 9.491/97.
2. O programa de arrendamento das áreas e instalações portuárias deve ser elaborado atendendo às suas destinações específicas, de acordo com o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto que contém as áreas objeto de arrendamento, nos termos do Decreto 4.391/02.
3. Os processos de arrendamento de áreas e instalações portuárias cujos valores gerem receita mensal superior a R$  50.000,00 sujeitam-se à fiscalização, prévia ou concomitante, do Tribunal de Contas da União, nos moldes previstos na IN TCU 27/98, alterada pela IN TCU 40/02, ante o disposto no Decreto 4.391/02.
4. O processo licitatório e a celebração do contrato de arrendamento de áreas e instalações portuárias depende de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, nos termos da Lei 8.630/93, da Resolução Antaq 55/02 e da Resolução Conama 237/1997.
5. A identificação de graves irregularidades na fiscalização de procedimento licitatório enseja a fixação de prazo à entidade para que adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, objetivando a anulação de contrato celebrado em decorrência de certame impugnado, bem como a aplicação de multa aos responsáveis.”
(Acórdão nº 2338/2006, Rel. Min. AUGUSTO NARDES - grifei)

A parte ora impetrante, que é sociedade de economia mista, sustenta que essa deliberação, além de transgredir certos diplomas normativos – Lei nº 8.630/93 (art. 4º, § 1º), Lei nº 8.666/93 (art. 31, § 2º), Lei nº 9.784/99 (arts. 3º e 38) e Decreto nº 4.391/2002 (art. 2º, § 3º, I, e art. 7º, § 1º) -, também ofendeu o texto da Constituição da República, notadamente os seus arts. 5º, incisos LIV e LV, e 71, § 1º, assinalando que o E. Tribunal de Contas da União teria atuado além dos limites de sua competência institucional, apoiando-se, a autora do presente “writ”, nas seguintes alegações (fls. 04 e 08):

“Exsurge nítido vício de competência da Autoridade Impetrada com mácula no art. 71, § 1º, da Constituição Federal, como se procurará demonstrar.
......................................................
A Peticionária entende que não pode juridicamente transformar-se em simples preposto do Tribunal de Contas da União, para, em seu nome, tornar sem efeito contrato validamente celebrado.
É certo que, se a Postulante vier a invalidar o mencionado contrato, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, poderá tê-lo feito por conta e responsabilidade própria, já que a manifestação envolveria simples recomendação.
Ao atuar em nome próprio sujeita-se, inclusive à responsabilidade civil e a perdas e danos que poderão ser demandados pelo contratado, pela via judicial, sem que possa escudar-se na afirmativa de que teria praticado um ato por recomendação de Autoridade Incompetente, já que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (‘art. 5°, inciso II, CF’).
A Impetrante, a seu sentir, não encontra máculas que lhe levem a fulminar o contrato e não pode acatar ordem de quem evidentemente não é competente para tanto, porque usurparia atribuição do Congresso Nacional.
De todo modo, para que a Codeba, Autora desta lide viesse a anular o referido ajuste deveria instaurar procedimento próprio com as garantias inerentes à ampla defesa e ao contraditório, para afinal proferir veredicto.” (grifei)

O E. Tribunal de Contas da União, por sua vez, ao prestar as informações que lhe foram solicitadas, produziu esclarecimentos que por ele foram assim resumidos (fls. 328):

“Mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra os termos dos Acórdãos n. 1.379/2006 e 2.338/2006, proferidos pelo Plenário do TCU, por meio dos quais foram tecidas determinações ao Diretor-Presidente da Codeba para que adotasse as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, com vistas à suspensão/anulação da Concorrência n. 3/2004 e do Contrato n. 16/2006, firmado com a Empresa Bunge Alimentos S.A.
1. O recurso administrativo interposto contra o Acórdão n. 2.338/2006-TCU-Plenário foi recebido apenas no efeito devolutivo em relação às determinações que confirmaram a medida cautelar, consoante dispõe o art. 520, IV, do CPC, aplicado subsidiariamente nos processos do TCU.
2. Da observância pelo TCU ao precedente firmado pelo STF no MS 23.550/DF. O TCU não anulou qualquer ato ou contrato administrativo, apenas determinou à autoridade administrativa a sua anulação, ressaltando, outrossim, que o não-atendimento da referida determinação resultaria na imediata comunicação ao Congresso Nacional, a quem compete adotar o ato de sustação.
3. O TCU tem legitimidade para expedição de medidas cautelares, a fim de prevenir a ocorrência de lesão ao erário ou a direito alheio, bem como garantir a efetividade de suas decisões, consoante entendimento firmado pelo STF.
4. Em sendo o provimento cautelar medida de urgência, admite-se sua concessão ‘inaudita altera parte’ sem que tal procedimento configure ofensa às garantias do contraditório e ampla defesa, ainda mais quando se verifica que, em verdade, o exercício dos referidos direitos, observado o devido processo legal, será exercido em fase processual seguinte.
5. Qualquer vício alegado em relação ao Acórdão n. 1.379/2006-TCU-Plenário não merece ser conhecido, haja vista que já decaiu o direito de a Impetrante impugná-lo pela via mandamental. O referido ‘decisum’ foi proferido em 09/08/2006, publicado do DOU em 11/08/2006 e comunicado ao Diretor-Presidente da Codeba em 31/08/2006.
6. Da observância aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Antes de o TCU proferir o Acórdão n. 2.338/2006-Plenário, foi conferido aos interessados oportunidade de defesa, os quais não lograram elidir as diversas irregularidades constatadas pelo TCU.

7. Não-cabimento da liminar, ante a ausência do ‘fumus boni juris’. No mérito, denegação da segurança, em face da legitimidade das decisões proferidas pelo TCU e pela inexistência do alegado direito líquido e certo.” (grifei)

Cabe analisar, preliminarmente, se se revela cabível, ou não, o presente mandado de segurança, considerada a afirmação - constante da própria petição inicial - de que a invalidação do contrato e do procedimento licitatório caracterizaria “simples recomendação” (fls. 08).

Reconheço que a deliberação do E. Tribunal de Contas da União, no caso, analisada em seu conteúdo material, não veicula mera recomendação (como sugere a ora impetrante), mas consubstancia, no ponto versado na presente impetração mandamental, clara determinação (v. itens ns. 9.4 e 9.5 do Acórdão 2338/2006 – fls. 58/59) dirigida à própria Companhia das Docas do Estado da Bahia – CODEBA.

A presente observação é feita em decorrência de pronunciamento da ora impetrante, que, ao se referir à eventual invalidação do contrato celebrado com a empresa vencedora da licitação, expressamente afirmou, em sua petição inicial, que, “(...) se a Postulante vier a invalidar o mencionado contrato (...), poderá tê-lo feito por conta e responsabilidade própria, já que a manifestação envolveria simples recomendação” (fls. 08 – grifei).

Se se verificasse, na espécie, “simples recomendação” (fls. 08), como sugere a ora impetrante, tornar-se-ia inadmissível a presente ação de mandado de segurança, pois, como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende insuscetível de conhecimento o mandado de segurança, quando impetrado contra deliberação do Tribunal de Contas da União que consubstancie simples recomendação (MS 26.503/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO), porque configuradora, em tal hipótese, de “mera sugestão sem caráter impositivo (...)” (MS 21.519/PR, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES).

Ocorre, no entanto, tal como por mim precedentemente assinalado, que a deliberação do E. Tribunal de Contas da União, ora questionada nesta sede mandamental, traduz, na espécie em exame, determinação, que, por efeito de sua natureza mesma, revela-se impregnada de caráter impositivo.

Por tal razão, e por entender admissível esta impetração, tenho por cabível a presente ação de mandado de segurança.

Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de medida cautelar.

E, ao fazê-lo, indefiro-o, pois entendo não satisfeita a exigência pertinente à cumulativa ocorrência dos requisitos relativos ao “periculum in mora” e ao “fumus boni juris”.

Com efeito, impende reconhecer, desde logo, que assiste, ao Tribunal de Contas, poder geral de cautela. Trata-se de prerrogativa institucional que decorre, por implicitude, das atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas.

Entendo, por isso mesmo, que o poder cautelar também compõe a esfera de atribuições institucionais do Tribunal de Contas, pois se acha instrumentalmente vocacionado a tornar efetivo o exercício, por essa Alta Corte, das múltiplas e relevantes competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da Constituição da República.

Isso significa que a atribuição de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como enunciados no art. 71 da Lei Fundamental da República, supõe que se reconheça, a essa Corte, ainda que por implicitude, a possibilidade de conceder provimentos cautelares vocacionados a conferir real efetividade às suas deliberações finais, permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário.

Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fezem torno dos poderes implícitos, cuja doutrina - construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América no célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND (1819) - enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos.

Na realidade, o exercício do poder de cautela, pelo Tribunal de Contas, destina-se a garantir a própria utilidade da deliberação final a ser por ele tomada, em ordem a impedir que o eventual retardamento na apreciação do mérito da questão suscitada culmine por afetar, comprometer e frustrar o resultado definitivo do exame da controvérsia.

Torna-se essencial reconhecer - especialmente em função do próprio modelo brasileiro de fiscalização financeira e orçamentária, e considerada, ainda, a doutrina dos poderes implícitos (MARCELO CAETANO, “Direito Constitucional”, vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense; CASTRO NUNES, “Teoria e Prática do Poder Judiciário”, p. 641/650, 1943, Forense; RUI BARBOSA, “Comentários à Constituição Federal Brasileira”, vol. I/203-225, coligidos e ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva, v.g.) - que a tutela cautelar apresenta-se como instrumento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempenha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferidos aos órgãos e às instituições estatais.

Cumpre assinalar, neste ponto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MS 24.510/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, reconheceu assistir, ao Tribunal de Contas, esse poder geral de cautela:

“PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IMPUGNAÇÃO. COMPETÊNCIA DO TCU. CAUTELARES. CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE INSTRUÇÃO.
1 - Os participantes de licitação têm direito à fiel observância do procedimento estabelecido na lei e podem impugná-lo administrativa ou judicialmente. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada.
2 - Inexistência de direito líquido e certo. O Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar (artigos 4º e 113, § 1º e 2º da Lei nº 8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões).
3 - A decisão encontra-se fundamentada nos documentos acostados aos autos da Representação e na legislação aplicável.
4 - Violação ao contraditório e falta de instrução não caracterizadas.
Denegada a ordem.” (grifei)

Vale referir, ainda, que se revela processualmente lícito, ao Tribunal de Contas, conceder provimentos cautelares “inaudita altera parte”, sem que incida, com essa conduta, em desrespeito à garantia constitucional do contraditório.

É que esse procedimento mostra-se consentâneo com a própria natureza da tutela cautelar, cujo deferimento, pelo Tribunal de Contas, sem a audiência da parte contrária, muitas vezes se justifica em situação de urgência ou de possível frustração da deliberação final dessa mesma Corte de Contas, com risco de grave comprometimento para o interesse público.

Não se pode ignorar que os provimentos de natureza cautelar - em especial aqueles qualificados pela nota de urgência - acham-se instrumentalmente vocacionados a conferir efetividade ao julgamento final resultante do processo principal, assegurando-se, desse modo, não obstante em caráter provisório, plena eficácia e utilidade à tutela estatal a ser prestada pelo próprio Tribunal de Contas da União.

Essa visão do tema tem o beneplácito de autorizado magistério doutrinário, que, embora exposto a propósito do processo judicial, traduz lição que se mostra inteiramente aplicável aos procedimentos administrativos, notadamente àqueles instaurados perante o Tribunal de Contas, considerando-se, para esse efeito, os princípios e diretrizes que regem a teoria geral do processo (SYDNEY SANCHES, “Poder Cautelar Geral do Juiz no Processo Civil Brasileiro”, p. 30, 1978,RT; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Manual de Direito Processual Civil”, vol. 4/335, item n. 1.021, 7ª ed., 1987, Saraiva; CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “A Instrumentalidade do Processo”, p. 336/371, 1987, RT; VITTORIO DENTI, “Sul Concetto di funzione cautelare”, “in” “Studi P. Ciapessoni”, p. 23/24, 1948; PIERO CALAMANDREI, “Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti cautelari”, p. 20, item n. 8, Pádua, 1936, Cedam; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “Tutela Cautelar”, vol. 4/ 17, 1992, Aide, v.g.).

Daí a possibilidade, ainda que excepcional, de concessão, sem audiência da parte contrária, de medidas cautelares, por deliberação do Tribunal de Contas, sempre que necessárias à neutralização imediata de situações de lesividade, atual ou iminente, ao interesse público.

Eis porque entendo, em sede de mera delibação, que não se teria configurado, na espécie, ofensa à garantia do contraditório, ainda mais se se tiver presente a circunstância - juridicamente relevante - de que se ensejou, à ora impetrante, em momento procedimentalmente oportuno, a possibilidade de exercer o direito de defesa, com os meios e recursos a ele inerentes, como se verifica dos elementos documentais concernentes ao processo TC-008.538/2006-0 produzidos nestes autos, notadamente daqueles veiculados nas informações oficiais prestadas pelo E. Tribunal de Contas da União.

Não se pode desconsiderar, neste ponto, que declarações emanadas de servidores públicos, quando prestadas, como no caso, em razão do ofício que exercem, qualificam-se pela nota da veracidade, prevalecendo eficazes até que sobrevenha prova idônea e inequívoca em sentido contrário.

E a razão é uma só: precisamente porque constantes de documento subscrito por agente estatal, tais informações devem prevalecer, pois, como se sabe, as declarações emanadas de servidores públicos, como aquela de fls. 327/351, gozam, quanto ao seu conteúdo, da presunção de veracidade, consoante assinala o magistério da doutrina (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 373, item n. 59, 13ª ed., 2001, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 182/184, item n. 7.6.1, 20ª ed., 2007, Atlas; DIOGENES GASPARINI, “Direito Administrativo”, p. 63, item n. 7.1, 1989, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 54, item n. 43, 1999, Forense; JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Manual de Direito Administrativo”, p. 116, item n. 2, 12ª ed., 2005, Lumen Juris).

Esse entendimento - que põe em evidência o atributo de veracidade inerente aos atos emanados do Poder Público e de seus agentes - é perfilhado, igualmente, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 86/212 - RTJ 133/1235-1236 - RTJ 161/572-573, v.g.), notadamente quando tais declarações compuserem e instruírem, como na espécie, as informações prestadas pela própria autoridade apontada como coatora:

“- As informações prestadas em mandado de segurança pela autoridade apontada como coatora gozam da presunção ‘juris tantum’ de veracidade.”
(MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Impende assinalar, ainda, que o E. Tribunal de Contas da União, ao conceder a medida cautelar em questão, cumpriu a obrigação constitucional – que se impõe a todos os órgãos do Estado – de fundamentar a sua deliberação, em ordem a não incidir em prática arbitrária, assim evitando, com a exposição dos fundamentos de fato e de direito subjacentes ao ato decisório, a censura que faz a doutrina, como resulta claro do magistério do eminente Professor HUMBERTO THEODORO JUNIOR (“Curso de Direito Processual Civil”, vol. II/515, item n. 1.022, 39ª ed., 2006, Forense):

“A sumariedade do conhecimento inicial nessas medidas não se confunde, porém, com puro arbítrio do julgador. (...) De sorte que a faculdade conferida ao juiz no art. 804 só deve ser exercitada quando a inegável urgência da medida e as circunstâncias de fato evidenciarem que a citação do réu poderá tornar ineficaz a providência preventiva. E, pelas mesmas razões, a decisão, ainda que sucinta, deve ser fundamentada.” (grifei)

A longa fundamentação do Acórdão nº 1.379/2006 (fls. 61/93), com a indicação dos motivos de fato e de direito que deram suporte à concessão do provimento cautelar, apenas traduz a fidelidade com que se houve o E. Tribunal de Contas da União no cumprimento de seus deveres constitucionais.

De outro lado, mostra-se importante acentuar que o E. Tribunal de Contas da União, na deliberação ora questionada, não determinou a anulação da Concorrência nº 3/2004 e não suspendeu, ele próprio, a execução do Contrato nº 16/2006, mas, como resulta claro das informações de fls. 327/351, limitou-se a ordenar, à autoridade competente (Diretor-Presidente da Codeba, fls. 58, item n. 9.4), que assim procedesse, sob pena de “imediata comunicação ao Congresso Nacional a quem compete adotar o ato de sustação” (fls. 328).

Cabe registrar, ainda, por relevante, que esse procedimento do E. Tribunal de Contas da União parece estar em consonância com a jurisprudência desta Suprema Corte, que já decidiu, por mais de uma vez, a propósito das atribuições daquela Alta Corte de Contas, que “(...) O Tribunal de Contas da União - embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos - tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou” (MS 23.550/DF, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

Todas essas razões levam-me a entender inviável a pretendida suspensão cautelar de eficácia da deliberação emanada do E. Tribunal de Contas da União.

É importante rememorar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.

Sem que concorram esses dois requisitos - que são necessários, essenciais e cumulativos -, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID - grifei)

Sendo assim, e por entender ausente o requisito pertinente à plausibilidade jurídica da pretensão mandamental ora em exame, indefiro o pedido de medida liminar, ante a inocorrência de seus pressupostos legitimadores.

Publique-se.

Brasília, 23 de maio de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator
STF 

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