Artigo de Roberto Amaral publicado no site www.alertatotal.net que coaduna com o pensar do titular deste blog Nildo Lima Santos, consultor em administração pública e em desenvolvimento institucional. Afirmativas, as quais, se confirmam, sem nenhuma sombra de dúvidas, nos exatos momentos da crise instalada no Estado Brasileiro há décadas e com o seu ápice a partir dos anos de 2013 até a data atual de 2018, com sintoma de que continuará por décadas, caso não haja uma forte modificação deste Estado que além de anarquico, já pode ser reconhecido como um Estado Bandido, vez que, está amoldado ao sabor dos que o comandam e se encaixam muito bem neste adjetivo.
É um importante e excelente artigo que merece e deve ser reproduzido ao bem da história, considerando ser um registro inequívoco da realidade que o Estado Brasileiro está vivendo. Portanto, é um dos registros de domínio público, considerando, ainda, o princípio da "supremacia do interesse público".
"ANARQUIA REPUBLICANA (Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net)
Por Roberto Amaral
Há um Estado a quem cumpre fazer e outro Estado a quem
cumpre impedir que o Estado fazedor faça algo
O Estado brasileiro de hoje beira a anarquia institucional,
enquanto, do ponto de vista administrativo, está condenado à ineficiência.
Aqui, mais do que em qualquer outra parte, assiste-se ao desmoronamento do
sistema de três poderes "iguais e independentes". O Judiciário
desrespeita a União e o Poder Legislativo renuncia ao seu dever de legislar,
afogado por um Executivo legislador. Meros órgãos auxiliares ou fiscais da
administração, passam a agir como se poderes da República fossem - refiro-me
especialmente ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas -, e funcionários
intermediários da estrutura burocrática se consideram autônomos e inatingíveis,
juridicamente irresponsáveis. Refiro-me especificamente aos técnicos dos
tribunais de contas e dos Ibamas. É a configuração do Estado anárquico, o que
é, em si, uma contradição.
Ministros de tribunais superiores são boquirrotos e o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) deita falação sobre tudo o que lhe
vem na telha e fala principalmente sobre temas que mais tarde lhe podem cair
nas suas mãos de juiz. A isso se chama prejulgamento. E ninguém lhes diz que
estão ferindo o decoro de função tão nobre: proselitismo e partidarismo são
incompatíveis com a magistratura e a dignidade do cargo.
Na cola do STF, que legisla sobre questões penais, indígenas
e outras, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), animado pela omissão suicida do
Congresso, legisla sobre matéria eleitoral, minando a ordem jurídica com a
insegurança: não "vale o escrito" (a lei de todos conhecida), mas o
insondável que faz cócegas nas mentes de nossos ministros legisladores. A tal
incongruência chamam de "neopositivismo".
O Tribunal de Contas da União (TCU) não apenas julga contas,
mas pelo crivo de seus "técnicos" administra projetos, determina
prioridades, interfere na administração ditando normas, ao arrepio dos
interesses do Estado, que, assim, abdica, ou é forçado a abdicar de vontade
estratégica.
A democracia representativa, atingida mortalmente pela
falência da legitimidade eleitoral, se esfacela quando a soberania popular,
fonte de todo o direito, é substituída pela toga ou pelo ditar da burocracia de
segundo, terceiro e quarto escalões.
O pressuposto dessa burocracia (uma casta que se transforma
em Poder e à sua vontade subordina os demais Poderes) é que o objeto da
administração pública é irrelevante: não importa saber se o hospital a ser
construído salvará vidas, se o atraso em sua construção determinará mais
mortes; interessa ao burocrata saber se o tijolo comprado em Serra Talhada
corresponde ao modelito com o qual trabalha em Brasília. E assim, dentro
do Estado que deveria ser único, temos o Estado a quem cumpre fazer e o Estado
a quem cumpre impedir que o Estado fazedor faça alguma coisa. É um conflito sem
dialética que só leva ao impasse.
Digamos logo, antes que o juízo apressado nos seja levantado:
não se pleiteia nem a ausência de fiscalização nem a impunidade, que, aliás,
não é resolvida com paralisação ou adiamento de obras. Reclama-se a
fiscalização e o máximo rigor na tomada de contas, mas afirmamos que a nenhum
burocrata pode ser transferido o poder (exclusivo do Chefe de Estado) de ditar
a oportunidade de obra estratégica.
Por isso, o Brasil não está usufruindo das vantagens
decorrentes de seu desenvolvimento econômico e de sua posição particularmente
favorável em face da crise do capitalismo mundial; simplesmente porque não
pode, nosso Estado, ditar políticas estratégicas.
Apesar de não faltarem recurso nem vontade governamental, as
obras do PAC não andam no ritmo necessário porque nem o Presidente pode dizer o
que é estratégico em seu governo. Os ministérios, alcançados pelos cortes de
"contingência" impostos pela dupla Planejamento/Fazenda, mesmo assim
não conseguem realizar seu orçamento. Todos dependemos do arbítrio do
burocrata.
O projeto do Centro Espacial de Alcântara transitou e
dormitou entre as mesas dos tecnoburocratas do TCU até que um dia, passados
mais de dois anos, seu Plenário decidiu aprová-lo com mais de mil emendas.
Resultado, o projeto foi para a máquina de picotar papéis. Não sei quanto
custou à União a perda do projeto, a demora de dois anos e a paralisação que já
leva consigo cerca de quatro anos, e cobra mais outro tanto para voltar à ordem
do dia. Sei que a Agência Espacial Brasileira foi aconselhada a contratar uma
grande fundação para refazer o projeto, o que não sairá barato; sei que a
Alcântara Cyclone Space ficou sem porto, essencial para suas operações.
Passados seis anos do desastre de 2003, quando o VLS
explodiu no solo, só agora, é que são retomadas as obras da nova torre de
lançamentos, embargada antes pela indústria das liminares e recursos ao TCU.
Embora tenha ingressado na corrida espacial em 1961, o Brasil, hoje, depois de
três tentativas frustradas em mais de 30 anos, não tem base de lançamento,
torre, nem foguete lançador. Quem responde por isso?
A única coisa que possuímos é um bem do acaso, a boa
localização geográfica do município de Alcântara, de frente para o mar e
próximo da linha do Equador. Mesmo essa vantagem está ameaçada, pois o Incra
considerou praticamente toda a península como área quilombola.
O futuro sítio da Alcântara Ciclone Space, que recebeu do
presidente da República a missão de lançar o primeiro foguete Cyclone-4, fruto
da cooperação Brasil-Ucrânia, ainda aguarda a regularização jurídica da área
que lhe foi cedida no CLA (sob jurisdição da Aeronáutica) e a Licença Prévia
que lhe deve o Ibama (esperada para este mês). Só então poderá se cogitar da
licitação para as obras civis sem as quais não pode haver qualquer sorte de
lançamento.
As obras de infraestrutura, responsabilidade brasileira,
ainda não puderam ser iniciadas porque a Agência Espacial Brasileira não recebe
os recursos de que necessita. E o porto de cargas não foi construído, nem se
sabe quando o será porque a burocracia, em 2007, se esqueceu da dotação
orçamentária necessária.
O projeto do submarino de propulsão atômica está atrasado
cerca de 35 anos, e as obras de Angra III paralisadas há 23 anos. E ninguém
sabe porque o Brasil está perdendo terreno em áreas estratégicas. Enquanto
isso, na Esplanada, seus viventes dormem o sono tranquilo dos justos.
Roberto Amaral é membro titular do Instituto dos Advogados
Brasileiros, ex-Ministro da Ciência e Tecnologia (2003/2004) e diretor-geral
brasileiro da Alcântara Cyclone Space (ACS). Artigo publicado originalmente na
página de Opinião (A-10) do jornal Valor Econômico de 8, 9 e 10 de janeiro de
2010."
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