EGRÉGIA 5ª TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
APELAÇÃO EM
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2002.72.05.003419-7/SC
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LORIVALDO DAHLKE
RELATOR: DES. FEDERAL VICTOR LUIZ DOS
SANTOS LAUS
PARECER
PREVIDENCIÁRIO.
TRABALHADOR RURAL. CONDIÇÃO DE SEGURADO. REQUISITOS. POSSIBILIDADE DE
UTILIZAÇÃO PARA FINS DE CONTAGEM RECÍPROCA DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL E URBANO
REALIZADO ANTERIORMENTE À LEI 8213/91 E SEM CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PELO
DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO.
I
Trata-se de apelação em face
de sentença que julgou procedente o pedido veiculado na inicial, concedendo a
segurança e determinando à autoridade impetrada a reabertura e o prosseguimento
do procedimento administrativo de aposentadoria do impetrante, bem como a
análise de todos os documentos por ele apresentados relativos à atividade
rural, inclusive os que estivessem em nome de terceiros, ressalvando caber ao
impetrado emitir juízo de valor quanto à prova produzida para efeitos de
deferimento ou indefermento do benefício (fls. 73/78).
Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação,
argumentando, primeiramente, que os documentos em nome do grupo familiar, para
efeito de prova do tempo de serviço de atividade rural, são considerados apenas
quando utilizados com a finalidade da obtenção do benefício de segurado
especial. O impetrante, contudo, buscaria a comprovação do tempo de serviço em
atividade rural com o desígnio de acrescê-lo ao tempo de serviço não exercido
sob tais condições, a fim de obter o benefício concedido a segurado que exerce
atividade urbana. Ademais, a lei não asseguraria aos segurados da classe
especial que não mais possuam tal perfil a possibilidade de computar o tempo
laborado nessa atividade para a obtenção de benefício que não seja o de renda
mínima, a menos que o mesmo arque com os encargos previdenciários referentes a
esse período (fls. 85/97).
Sem contra-razões.
Remetidos os autos para o
Ministério Público exarar parecer.
II
Não merece provimento o
recurso de apelação. Vejamos.
Da prova do trabalho rural
A prova do trabalho
rural em regime de economia familiar deve ser feita através de documentos
idôneos que demonstrem que o postulante trabalhava nas condições previstas no
inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/91. Tais documentos constituem-se em início
de prova material que, somados a outros elementos probatórios, levam à
comprovação da condição de segurado especial. O art. 55, § 3º estabelece que
"a comprovação do tempo de serviço
para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou
judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito,
conforme disposto no regulamento".
Os documentos hábeis para a
prova do trabalho rural estão elencados no parágrafo único do art. 106, da
seguinte forma:
"Parágrafo único - A
comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a
16/04/94, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á
alternativamente através de:
I - contrato individual de
trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de
arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do
sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante do cadastro
do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas
rural."
A jurisprudência,
contudo, tem entendido que o referido rol de documentos é de cunho meramente
exemplificativo, admitindo que a qualificação de agricultor constante de
documento público pode ser utilizada como início de prova material. Esta é a
posição do E. STJ:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
CARACTERIZAÇÃO.
I - O rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade
rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente
exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos
além dos previstos no mencionado dispositivo.
II - Na hipótese dos autos, houve o necessário início de prova
material, pois o autor apresentou os seguintes documentos: a) Identificação de
Sócio do Sindicato Rural; b) declaração
do empregador, devidamente robustecida pelo comprovante de pagamento do ITR, em
nome do próprio subscritor da
declaração.
III - Agravo
desprovido.
(AgRgREsp 460834/CE, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ09/12/2002, pág.
381).
No caso dos autos,
o impetrante postula o processamento da Justificação Administrativa, baseado
nos documentos que juntou. Para tanto, é possível considerar-se a prova
documental produzida como início de prova material para fins de reconhecimento
do tempo de serviço rural, a despeito de estarem alguns documentos em nome do
pai do Apelado. Na atividade rural, é corriqueiro que a venda dos produtos seja feita por uma só pessoa, normalmente o genitor ou o
irmão mais velho. O início de prova material não há que ser prova cabal;
trata-se de algum registro por escrito que possa estabelecer liame entre o
universo fático e aquilo que expresso pela prova testemunhal.
Neste sentido é o
entendimento pacífico deste Tribunal:
“PREVIDENCIÁRIO. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL. Na hipótese de atividade exercida em regime de economia
familiar, em que os documentos estão em
nome do cônjuge varão ou em nome do genitor, se a autora comprovar o casamento
e filiação, de ser-lhe reconhecido o tempo de serviço na atividade agrícola.
Apelação improvida.”
(AC 96.0410439-0/RS, Rel. Juíza
Maria de Fátima Freitas Labarrere, DJ 04/02//98, pág. 290).
“PREVIDENCIÁRIO. COMPROVAÇÃO
DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. PROVA.
Tendo o Instituto
julgado insuficiente a documentação, resta à autora recorrer ao Poder
Judiciário. Juntou documentos, como o certificado de cadastro junto ao INCRA,
que a teor do art. 106, inc. V, da Lei 8213/91, prova material suficiente.
Juntou, ainda, certidão do Registro de Imóveis e notas fiscais de produtor
rural, contemporâneos aos fatos controvertidos. Em se tratando de regime de economia familiar, não há óbice que tais
documentos estejam em nome de seu pai. Tanto o regime de economia familiar,
quanto os documentos, foram corroborados por uníssona prova testemunhal.
Apelação improvida”.
(AC
95.0422778-0/RS, Rel. Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrere, DJ 18/02/98,
pág. 664).
Para a comprovação do tempo de serviço, exige o art.
55, § 3º do citado diploma legal o “início
de prova material”. O entendimento que vem sendo firmado, portanto, é no
sentido de que “no tocante à apreciação
da prova, merece temperança a norma que arrola os documentos exigidos para a
comprovação da atividade rural, cuja valoração vai depender das circunstâncias
do caso concreto, atendido o princípio da equidade contido no art. 5º da LICC.”
(TRF/4ª Região, AC 96.04.67120-0/RS, Rel. Juiz Carlos Sobrinho, in RT-RF/4ª Região 28/216). Pode ser
considerado início de prova documentação razoável a demonstrar o exercício da
atividade rural, tais como anotações constantes de certidões de nascimento e de
casamento, de assentamentos militares e outros documentos que, não obstante não
referentes à pessoa do segurado, demonstrem, ainda que precariamente, o
exercício da atividade.
Da contagem recíproca de tempo de serviço rural e urbano
Em relação à exigência de
recolhimento de contribuições relativas ao período em que o impetrante laborou
como empregado rural, acertadamente entendeu o juízo a quo., em perfeita sintonia, com o art.55, § 2º, da Lei 8.213/91:
Art. 55. O
tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias
de segurados de que trata o artigo 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da
qualidade de segurado:
(...)
§ 2º. O tempo
de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a
ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o
Regulamento.
Neste sentido é a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, adotada como paradigma para
este parecer. Vejamos:
“RECURSO ESPECIAL.
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. VALORAÇÃO DE PROVA. INÍCIO
DE PROVA MATERIAL. EXISTÊNCIA. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADE
RURAL PARA FINS DE APOSENTADORIA URBANA POR TEMPO DE SERVIÇO NO MESMO REGIME DE
PREVIDÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO DURANTE O PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL. DESNECESSIDADE.
NÃO INCIDÊNCIA DE HIPÓTESE DE CONTAGEM RECÍPROCA.
1. Os documentos em nome do pai do recorrido, que exercia atividade
rural em regime familiar, contemporâneos à época dos fatos alegados, se inserem
no conceito de início razoável de prova material.
2. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de
início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento
das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência,
conforme dispuser o Regulamento." (parágrafo 2º do artigo 55 da Lei nº
8.213/91).
3. Em se cuidando de hipótese em que o segurado pretende averbar o
tempo em que exerceu atividade rural, para fins de concessão de aposentadoria
urbana por tempo de serviço, no mesmo regime de previdência a que sempre foi
vinculado, não é exigível a prestação das contribuições relativamente ao tempo
de serviço rural exercido anteriormente à vigência da Lei nº 8.213/91, desde
que cumprida a carência, exigida no artigo 52 da Lei nº 8.213/91.
4. Contagem recíproca é o direito à contagem de tempo de serviço
prestado na atividade privada, rural ou urbana, para fins de concessão de
aposentadoria no serviço público ou, vice-versa, em face da mudança de
regimes de previdência - geral e estatutário -, mediante prova da efetiva
contribuição no regime previdenciário anterior (artigo 202, parágrafo 2º, da
Constituição da República, na sua redação anterior à Emenda Constitucional nº
20/98).
5. A soma do tempo de atividade rural, para fins de concessão de
aposentadoria urbana por tempo de serviço, no mesmo regime de previdência, não
constitui hipótese de contagem recíproca, o que afasta a exigência do
recolhimento de contribuições relativamente ao período, inserta no artigo 96,
inciso IV, da Lei nº 8.213/91.
6. Recurso improvido.”
III
Ante o exposto, opina o Ministério Público pelo desprovimento da apelação do INSS.
Porto Alegre, 23 de agosto
de 2005.
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