· Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública
Não raro tenho me deparado com empresas de contabilidade pública e, profissionais desta área, que orientam as administrações municipais a incluir a peça orçamentária das descentralizadas na Lei do orçamento da administração direta. Dizem eles, que por imposição dos Tribunais de Contas Municipais que, segundo estes, tais tribunais – especialmente o TCM-Bahia –, quando do julgamento das contas de tais entes, consideram como agravantes para a rejeição destas àquelas cujos orçamentos foram aprovados por Decreto do Chefe do Executivo Municipal e/ou outro Ato que valha por tal aprovação, quando se trata de Empresa cujos estatutos atribuem ao Conselho de Administração o poder para a aprovação do referido orçamento da entidade – no caso, a empresa pública de capital unicamente público e, a empresa mista que deverá necessariamente ter o seu orçamento aprovado pelo Conselho de Administração, já que a Lei que rege as suas finanças são em especial a Lei das Sociedades Anônimas, com tênue observação de regras do direito administrativo e das finanças públicas. São, portanto, exigências anômalas que ferem princípios das mais diversas ordens, inclusive, as de ordem econômica, quando se trata dos entes com a constituição jurídica de empresas públicas, já que tais entes recebem atribuições especiais e tem finalidades lucrativas e, quando, no mínimo, de fomento e, portanto, concorrem com a iniciativa privada, salvo quando a lei específica de constituição da empresa determine que os seus orçamentos sejam aprovados pelo Poder Legislativo – o que é raro e anormal, do ponto de vista da eficiência, da razoabilidade e da racionalidade. É conveniente se ter a consciência que tais entes são geridos tendo como parâmetros de avaliação a competitividade e a economia de mercado; diferentemente da administração pública direta, suas fundações e autarquias, cujos parâmetros são bem mais específicos no campo e, exclusivamente na atenção ao custo/benefício social.
Lei para aprovação do orçamento público somente era exigida quando se tratava de orçamento da administração direta. É o que está definido nos artigos 1º; 107, § único; 108, I, II, §1º e §2º; 109; e, 110, § único, da Lei Federal nº 4320/64, que estatui normas de Direito Financeiro para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal,[1] transcritos a seguir:
“Art. 1º Esta lei estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, de acordo com o disposto no art. 5º, inciso XV, letra b, da Constituição Federal.
(...).
Art.107. As entidades autárquicas ou paraestatais, inclusive de previdência social ou investidas de delegação para arrecadação de contribuições para fiscais da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal terão seus orçamentos aprovados por decreto do Poder Executivo, salvo se disposição legal expressa determinar que o sejam pelo Poder Legislativo.
Parágrafo único. Compreendem-se nesta disposição as empresas com autonomia financeira e administrativa cujo capital pertencer, integralmente, ao Poder Público.
Art.108. Os orçamentos das entidades referidas no artigo anterior vincular-se-ão ao orçamento da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, pela inclusão:
I- como receita, salvo disposição legal em contrário, de saldo positivo previsto entre os totais das receitas e despesas;
II- como subvenção econômica, na receita do orçamento da beneficiária, salvo disposição legal em contrário, do saldo negativo previsto entre os totais das receitas e despesas.
§1º Os investimentos ou inversões financeiras da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, realizados por intermédio das entidades aludidas no artigo anterior, serão classificados como receita de capital destas e despesa de transferência de capital daqueles.
§2º As previsões para depreciação serão computadas para efeito de apuração do saldo líquido das mencionadas entidades.
Art. 109. Os orçamentos e balanços das entidades compreendidas no artigo 107 serão publicados como complemento dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal a que estejam vinculados.
Art. 110. Os orçamentos e balanços das entidades já referidas, obedecerão aos padrões e normas instituídas por esta lei, ajustados às respectivas peculiaridades.
Parágrafo único. Dentro do prazo que a legislação fixar, os balanços serão remetidos ao órgão central de contabilidade da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, para fins de incorporação dos resultados, salvo disposição legal em contrário.
(...).”
Com a Constituição Federal de 1988, aos menos prudentes, em primeira leitura isolada dos dispositivos constitucionais (artigo 165, §5º, I, II e III, §6º e § 7º; e, artigo 166)[2] dão a entender que, de fato os orçamentos das descentralizadas, incluindo as empresas públicas, obrigatoriamente deverão integrar um único orçamento que é o orçamento do ente federado. Na íntegra, a transcrição de tais dispositivos:
I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.
§ 6º - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.
§ 7º - Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.
Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.”
A interpretação equivocada reside no fato de que há a necessidade da compreensão de alguns conceitos de contabilidade pública, dentre eles, especialmente, os de: “orçamento fiscal”, “orçamento de investimento” e, “orçamento da seguridade social”.
Face aos graves equívocos de interpretação, em 2000, através da Lei de Responsabilidade Fiscal, o legislador federal, em sua função de regulamentar e, complementar algumas das disposições da Carta Maior do País, inseriu no inciso III do Art. 2º da referida Lei 101 de 04/05/2000,[3] com redação que, em parte, pacifica a questão, ao estabelecer o conceito de empresa estatal dependente. Considerando que, a expressão “empresa estatal” compreende as empresas públicas e sociedades de economia mista. Na íntegra, transcrevemos tais dispositivos:
“Art. 2º Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:
(...);
III – empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador, recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária.”
Seguindo a mesma linha conceitual, em Resolução do Senado Federal, a de nº 40, de 2001, esta referida casa de Leis ratificou, portanto, reforçou o conceito de “Empresa Estatal Dependente” no inciso II, do §1º do Art. 1º,[4] o qual segue transcrito na íntegra:
“Art. 1º Subordina-se às normas estabelecidas nesta Resolução a dívida pública consolidada e a dívida pública mobiliária dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios.
§ 1º Considera-se, para os fins desta Resolução, as seguintes definições:
II – empresa estatal dependente: empresa controlada pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo Município, que tenha, no exercício anterior, recebido recursos financeiros de seu controlador, destinados ao pagamento de despesas com pessoal, de custeio em geral ou de capital, excluídos, neste último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária, e tenha, no exercício corrente, autorização orçamentária para recebimento de recursos financeiros com idêntica finalidade;
(...).”
Complementa definitivamente a ideia conceitual, não mais dando margens às dúvidas, a Secretaria do Tesouro Nacional, através da Portaria nº 589, de 27 de dezembro de 2001,[5] ao estabelecer conceitos, regras e procedimentos contábeis para consolidação das empresas estatais dependentes nas contas públicas, copiou da Resolução nº 40 do Senado Federal, o mesmo conceito de “empresa estatal dependente” inserindo-o inciso II do artigo 2º.
O professor de Contabilidade Pública, Leonardo Silveira do Nascimento, em aula ministrada, via internet, para os seus alunos, com o Título: CAMPO DE APLICAÇÃO DA CONTABILIDADE PÚBLICA – 1ª PARTE [6], assim, clareia a questão:
“Primeiramente, é necessário que vocês gravem a seguinte frase: “O campo de aplicação da Contabilidade Pública limita-se aos órgãos e entidades integrantes do orçamento Fiscal e da Seguridade Social dos governos federal, estadual e municipal”. Com isso, falta-nos, apenas, entender o que compõe cada uma das esferas orçamentárias e um pouco da estrutura da Administração Pública Federal (as estruturas estaduais e municipais seguem o mesmo modelo).
A Constituição Federal, em seu art. 165, § 5º, estebelece que a Lei Orçamentária Anual – LOA, compreenderá:
I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II – o orçamento de investimento das empresas que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.
O orçamento fiscal é de fácil entendimento, pois compreende as receitas e despesas, exceto aquelas relacionadas com o orçamento da seguridade social (previdência, saúde e assistência social) e do orçamento de investimentos (empresas estatais não dependentes). Ou seja, é possível identificar as ações orçamentárias do orçamento fiscal, por exclusão.
Em um primeiro momento, pode-se pensar que o orçamento da seguridade social seja aplicável somente aos órgãos e entidades que prestam os serviços da seguridade social, previstos no art. 194 da Constituição Federal, quais sejam: previdência social, assistência social ou saúde. Não é correto! O orçamento da seguridade social abrange as RECEITAS e DESPESAS PÚBLICAS relacionadas a esses serviços essenciais. Assim, por exemplo, se o Ministério da Fazenda incorre em despesas de assistência médica relativas a seus servidores, então, ele fará parte do orçamento da seguridade social.
As duas esferas orçamentárias, fiscal e da seguridade social, apesar de serem esferas diferentes, são sempre referidos como integrantes de um mesmo conjunto de programas e ações orçamentárias, sendo então, até mesmo, chamados usualmente de “Orçamento Fiscal e da Seguridade Social” (como se fossem uma única esfera). É necessário ressaltar que a LOA é uma só, dividida em três grupos, ou seja, NÃO são três orçamentos, como alguns pensam!
O orçamento de investimentos das empresas estatais contém apenas despesas de “investimentos” (aquisição de bens do ativo imobilizado) das empresas estatais que o integram. As outras despesas, tais como pessoal e encargos e demais despesas de custeio dessas empresas não fazem parte dessa esfera orçamentária.
O orçamento de investimentos das empresas estatais contém apenas despesas de “investimentos” (aquisição de bens do ativo imobilizado) das empresas estatais que o integram. As outras despesas, tais como pessoal e encargos e demais despesas de custeio dessas empresas não fazem parte dessa esfera orçamentária.
Então, para fins didáticos, podemos dividir a LOA em apenas duas partes:
· Orçamento Fiscal da Seguridade Social – OFSS
· Orçamento de Investimentos das Empresas Estatais.”
Prossegue o Professor Leonardo Silveira do Nascimento em sua excelente aula:
“O campo de aplicação da Contabilidade Pública limita-se aos órgãos e entidades integrantes do orçamento Fiscal e da Seguridade Social dos governos federal, estadual e municipal”.
E, conclui com brilhantismo, o Professor Leonardo Silveira Nascimento:
“Todas as empresas e entidades públicas que não estão contempladas no orçamento de investimentos, estão no campo de aplicação da Contabilidade Pública”.
Observem que, a conclusão do Professor vai bem mais além do que a formatação da peça orçamentária, quando informa sobre o afastamento das escriturações contábeis nos moldes da Contabilidade Pública, sendo admitida a contabilidade comercial e das sociedades anônimas, quando couber, com o uso em parte da contabilidade pública, de uma forma híbrida, que será definida na Lei que instituiu a entidade (empresa) segundo sua arquitetura de controle e forma do seu capital.
A partir deste ponto, temos muito a evoluir sobre as várias formas e conceitos de empresas públicas e, que será tema para um artigo específico sobre as figuras jurídicas dos entes estatais.
Contudo, mesmo contando com os bons ensinamentos do Professor Leonardo Silveira Nascimento, na prática, o orçamento de investimentos é pouco compreendido e praticado nos entes federados menores (Municípios) e, até mesmo em vários dos Estados Brasileiros e, mesmo, assim, por constarem dos orçamentos de investimentos, nem por isto, deverão integrar o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social.
Há de se supor, o fato de que, o patrimônio das estatais (seus ativos permanentes: bens do ativo imobilizado) estão sempre disponíveis e sujeitos a penhora, na forma das disposições legais, para a quitação de débitos de natureza trabalhista e outros, quando das reclamações na esfera judicial, além da desnecessidade de autorização legislativa para a sua alienação, que deverá seguir instrumento normativo regulamentar à lei de criação da empresa.
Na folha 143 da Prestação de Contas do Presidente da República, exercício 2007[7] encontramos, na prática, o que está teoricamente informado nestes estudos:
“ANÁLISE DOS ORÇAMENTOS FISCAL E DA SEGURIDADE SOCIAL
O Orçamento Geral da União, referente ao exercício financeiro de 2007, teve seus valores consignados na Lei 11451, de 7 de fevereiro de 2007, com as receitas estimadas no montante de (...) e, as despesas fixadas em igual valor, e compreende , nos termos do art. 165, § 5º da Constituição Federal, e dos arts. 6º, 7º e 61 da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2007, os seguintes orçamentos da União:
a) Orçamento Fiscal: incluídos os Poderes da União, os Órgãos e Entidades, Fundos, Autarquias e Fundações instituídas e mantidas pela União. Compreende, também, as Empresas Estatais Dependentes, ou seja, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista, em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto e que recebam desta quaisquer recursos que não sejam provenientes de participação acionária, pagamento de serviços prestados e transferências para aplicação de programas de financiamento.
b) Orçamento da Seguridade Social: incluídos todos os órgãos e entidades a quem compete executar ações na área de saúde, previdência e assistência social, quer sejam da Administração Direta ou da Indireta, bem como seus Fundos e Fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público. Inclui, também, os demais projetos e atividades não integrantes do programa de trabalho dos órgãos e entidades acima relacionados, mas que envolvam ações referentes às áreas de saúde, previdência e assistência social.
c) Orçamento de Investimento: representado pelo Orçamento de Investimento das Empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.
Os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social representam, portanto, a parcela do patrimônio público gerida pela Administração Direta (representada pelos órgãos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, incluindo os respectivos Fundos da Administração Direta) e pela Administração Indireta (Autarquias, Fundações, Fundos Vinculados à Administração Indireta, Empresas Estatais Dependentes) que integram a Lei do Orçamento da União.”
Concluo, portanto, orientando a que os Municípios que entes indiretos vinculados a suas estruturas com a figura jurídica de Empresa Pública que seja enquadrada como EMPRESA ESTATAL NÃO DEPENDENTE, que seja incorporada à Lei Orçamentária Anual, apenas no Orçamento de Investimento que deverá ser unicamente para o registro das despesas orçadas, de tal entidade, pelo seu total, enquadradas como despesas de investimentos e, que compreendem os elementos de despesas da categoria econômica de despesa que se inicia com o Código 4.[8] Sendo as mais comuns, Obras e Instalações e, Equipamentos e Materiais Permanentes. Destarte, os Municípios nesta condição deverão elaborar os seus orçamentos considerando: O Orçamento Fiscal; Orçamento da Seguridade Social; e Orçamento de Investimentos.
[1] Lei Federal 4320/64.
[2] Constituição Federal de 1988.
[3] Lei Federal nº 101 de 04 de maio de 2000.
[4] Resolução do Senado Federal nº 40, de 2001, publicada no DOU de 21.12.2001.
[5] Portaria da Secretaria do Tesouro Nacional nº 589, de 27 de dezembro de 2001.
[6] Leonardo Silveira do Nascimento, Professor de Contabilidade Pública – Aula: CAMPO DE APLICAÇÃO DA CONTABILIDADE PÚBLICA – 1ª Parte – E-mail: cpublicaconcursos@yahoo.com.br
[7] Do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social. www.cgu.gov.br/Publicacoes/PrestacaoContasPresidente/.../3.00.pdf
[8] Portaria nº 29, de 27 de junho de 2007, da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão.
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