REF.:LEI MUNICIPAL Nº 1426/95
ASSUNTO: Parecer sobre dispositivo da Lei Municipal nº 1426/95
PARECER
I – RELATÓRIO:
1. Face a atendimento contrário do Legislador sobre a inteligência
do art. 2º da Lei Municipal nº 1426/95, que redefine o Conselho Tutelar do
Município de Juazeiro, ouso-me, na condição de Consultor de Administração
Pública, e, na condição de Bacharel em Ciências Administrativas ,
a elaborar o presente Parecer a título de orientação, aos estudiosos da área
jurídica, da motivação que levou o legislador a elaborar tal dispositivo
atacado por representante do Ministério Público em Juazeiro-Ba, e por membros
do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da mesma cidade.
2. Diz o dispositivo em questão:
“.......................................
Art. 2º - Os conselheiros serão eleitos individualmente por votação secreta
pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, em eleição
presidida pelo Presidente da Câmara Municipal de Vereadores e fiscalização pelo
representante do Ministério Público da Comarca de Juazeiro”.
PARÁGRAFO ÚNICO – Votarão para a escolha dos membros do Conselho
Tutelar:
I – Os membros titulares e
suplentes do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente –
CMDCA;
II – Os vereadores Municipais,
inclusive o Presidente da Câmara Municipal Vereadores;
III – Secretários Municipais,
exceto os nomeados como membros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente;
IV – Instituições civis inscritas
previamente no CMDCA para participação do pleito e que estejam representadas em tal Conselho.
II – PARECER:
3. Antes de atacarmos frontalmente o problema, convém relembramos,
alguns princípios básicos constitucionais, já que, a maior afirmação dos que se
contrapõem ao dispositivo da Lei, ora atacada, é de suposta
inconstitucionalidade.
4. Então vejamos:
Com a Constituição de 1988, o
Município passou a gozar de muitas prerrogativas até então só receitadas para
os Estados e União. Prerrogativas que, dentro da Forma Federativa de Governo
Republicano, e do princípio democrático, elevou o Município a condição de
ente-Federado para compartilhar justamente com as demais esferas de governo:
União (governo federal) e Estados Federados (governos estaduais), de
competência e capacidades autônomas dentro das peculiaridades. Capacidades
estas delimitadas das fronteiras de atuação e de convivência de tais entes
federados.
5. Melhor esclarecimento foi reconhecido, através da Carta Magna, o
poder de auto-organização do Município, com governo próprio e competências
exclusivas. Tornou-se plena a capacidade de autogoverno para o Município, a
qual se assenta na sua autonomia amparada pelas seguintes capacidades, já
mencionadas pelo ilustre Mestre de Direito Administrativo e Constitucional JOSE
AFONSO DA SILVA, in “O Município na Constituição de 1988” , pág.8:
a)
capacidade de auto-organização, mediante a elaboração
de lei orgânica;
b) capacidade de auto-governo
pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras
Municipais;
c) capacidade normativa própria,
ou capacidade de autolegislação, mediante a competência de elaboração de leis
municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e
suplementar;
d) capacidade de auto-administração
(administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local).
7. Dentro destas capacidades está implícito que o município
legislará sobre os assuntos de interesse local, inclusive suplementado, no que
couber, a legislação Federal e Estadual. Dentro outros, ainda, a capacidade de
organizar os seus serviços, tudo dentro do permissivo constitucional (art. 30 C .F.).
9. Para o exercício dessa autonomia, cabe à Lei Orgânica Municipal,
respeitadas as limitações e princípios constitucionais, discriminar as funções
de governo e funções administrativas que, dentre estas, “stricto sensu”, estão
as relacionadas a definição da estrutura orgânica do governo, do provimento de
cargos públicos municipais, inclusive com a expedição de atos e normas
referentes à vida funcional dos servidores locais.
11. Ainda, discorrendo os dispositivos da Lei Orgânica nos
deparamos com o art. 43, § 1º, Inciso II, alínea, “a”, “b” e “c”, que nos diz
que são de iniciativa privada do prefeito, as leis que disponham: sobre criação
de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autarquia e
suas remunerações; sobre servidores públicos municipais, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; e, ainda, sobre criação,
estruturação e competência das secretárias municipais, conselhos e órgãos da
administração pública municipal.
12. O Prefeito Municipal poderá pedir a participação direta da
comunidade, em seus atos de governo, através de órgãos de assessoramento e
conselhos constituídos por representantes de seus segmentos, isto é o que diz o
parágrafo único do art. 63 da LOM.
13. Ainda sobre a questão, o Estado da criança e do Adolescente
(Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, art. 132) está claro que, o Conselho
Tutelar é composto de membros escolhidos pela comunidade local.
14. Está bastante cristalino nos dispositivos legais e
constitucionais, aqui, ora mencionados; e, ora transcritos, de que, a presença
da inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Municipal, em questão, não tem
sustentação face à nova ordem jurídica imposta pela Carta Magna que sustenta o
Município como ente-federado com autonomia; que lhe é atribuída por princípios
vários já abordados aqui, tendo para o caso, como pontos fortes e de
auto-organização e de organização e provimento dos cargos públicos, além da
capacidade de legislar sobre assuntos de interesse local. Estes são então os
princípios inafastáveis para a sustentação da constitucionalidade da Lei.
15. Descartada a inconstitucionalidade da Lei, poder-se-ía então de
outro lado ataca-la pela ilegalidade com a organização do afronte a
dispositivos da Lei Orgânica Municipal e da Lei Federal nº 8.069,
especificamente, na primeira, os artigos 10 e 43, que tratam da organização do
quadro de pessoal e seu provimento; e, na segunda (Lei Federal) o artigo 132
que define que os membros do Conselho Tutelar serão escolhidos pela comunidade.
16. Pela argumentação já exposta, percebe-se nitidamente a
inconstitucionalidade do artigo 132 da Lei Federal nº 8.089, por invasão de
competência privativa do Município para, por Leis próprias, se auto-organizar e
prover os seus cargos públicos. Mas, este caso é outra questão que fecharemos com
os ensinamentos das ilustres Advogados de São Paulo BETTY E. M. DASTAS PEREIRA
E LAIS DE ALMEIDA MOURÃO, in BDM – Boletim de Direito Municipal, páginas 568,
outro/92, em parecer com o titulo CONSELHOS MUNICIPAIS SUAS ATRIBUIÇOES,
COMPOSIÇÃO E FUNCIONAMENTO SÃO MATÉRIAS RESERVADAS À LEI DE INICIATIVA
EXCLUSIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO, “sobre Conselhos Municipais:
“ “.........................................................................
Por não constituírem organismos
autônomos, são diretamente ligados ao Poder Executivo. Não possuem poder
deliberativo ou normativo este são inerentes aos Poderes constituídos:
“Executivo, Legislativo e
Judiciário. Portanto, prevista na LOM a criação de Conselhos Municipais, lei
municipal posteriormente, deverá regulamentá-los, estabelecendo os critérios
para sua composição e atribuições, bem como as normas para seu funcionamento.”
...............................................................................
Como organismos participes da
estrutura administrativa do Poder Executivo, ao qual se vinculam, os Conselhos
Municipais serão criados por lei de iniciativa exclusiva do prefeito do
Município, consoante estabelecem os arts. 61, § 1º, II, e, da Constituição
Federal, e 44, II, da Lei Orgânica de Lins.
Vejamos este último artigo citado:
“Art. 44 – Compete exclusivamente ao Prefeito a iniciativa dos projetos
de lei que disponham sobre:
............................................................................
II – criação, estruturação e atribuições das secretarias municipais e
órgãos da administração pública.”
............................................................................
2. Frente a essa usurpação
legislativa, poderá o Prefeito Municipal argüir, perante o Tribunal de Justiça
do Estado, a inconstitucionalidade daqueles dispositivos da LOM, por força dos
arts. 90, II e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
...............................................................................
17. Considerando, portanto, que Conselho Municipal é um órgão de
governo, jamais desvinculado do mesmo, podemos então afirmar que seus membros,
em sentido lato, são servidores municipais cuja forma de provimento depende
unicamente de disposição de Lei Municipal com regulamentação especifica do Executivo
(Decreto); não cabendo aí qualquer interferência de outras esferas de governo.
18. Na argumentação ainda, da ilegalidade do dispositivo atacado,
quando pela aplicação do princípio “lato sensu” da democracia, é forçoso citar
“MONTESQUEIU” – in o Espírito das Leis, Saraiva, 1987:
“..............................................................................
O povo que tem o poder soberano deve fazer por si mesmo tudo pode fazer
bem; e o que ele não pode fazer bem, cumpre que o faça através de seus Ministros.
.................................................................................
Ele deve decidir só através de coisas que não possa ignorar, e de fatos
que caiam sob os sentidos.
..................................................................................”
19. Nota-se aí, portanto, que a Democracia como princípio no
“sentido lato” exige uma profundeza de entendimento e, que esta profundeza
reside no fato da representatividade. Neste ponto, o dispositivo atacado não
pode ser considerado ilegal. Resta então por fim, o entendimento do que vem a
ser representatividade.
20. Não são por acaso, os Vereadores e dirigentes de instituições
civis representantes das comunidades que as abrange? A resposta, para o senso,
não poderá jamais ser negativa, por mais chulo que seja o conceito de
representatividade.
21. Poderia antão, os descontentes, continuar no ataque ao
dispositivo da Lei Municipal “in casu”, com a argumentação de que, afastada a
hipótese da inconstitucionalidade do artigo 132 da Lei Federal nº 8.069, os
membros do Conselho terão que ser escolhidos pela comunidade local. Repitamos: “Comunidade
local”. Ora, este conceito é muito amplo e inclui todos os viventes humanos do
Município. Então, será isto racional e o que o legislador quer, ou quis? Se a
resposta for positiva, antão será impossível a constituição do Conselho
Tutelar.
22. Ainda insatisfeitos admita-se que, “ad argumentandum” na procura de uma saída proporão um processo de
escolha dos membros do Conselho Tutelar através dos eleitores do Município, ou
comunidade abrangida, inscritos junto ao Cartório Eleitoral. Não se estaria aí
o Município legislando alem do seu alcance? Inclusive por adoção de um sistema
específico e regulado por Lei Federal? São questionamentos que deverão ser considerados
pois, por mínimo que seja o controle dos eleitores, esta-se-ía impondo
obrigações para o fornecimento de listagem de eleitores com nomes e números de
títulos, bem como, a promoção de recursos extras para a impugnação de registros
e outros. Imagine então, o custo de uma eleição desta natureza. Imagine ainda,
a mobilização de eleitores numa grande cidade como Salvador, São Paulo, Rio de
Janeiro etc. Onde está a sustentação então, dos princípios para a invalidação
do dispositivo da Lei Municipal atacada? Será que podemos descartar os
princípios da razoabilidade e da economicidade, tão usados no Direito
Administrativo?
23. Continuando insatisfeito com o teor do dispositivo da Lei
Municipal atacada, ou não convencidos da Constitucionalidade ou legalidade do
texto, poder-se-ão, então, argüir a hipótese da inconstitucionalidade de tal
dispositivo; por estabelecer que a eleição para a escolha dos membros do
Conselho Tutelar será presidida pelo Presidente da Câmara Municipal de
Vereadores e fiscalização pelo representante do Ministério Público.
24. Observe-se que, em momento algum o texto legal, seja através da
análise litoral ou da análise interpretativa, indica a participação do
Presidente da Câmara na composição de Conselho Municipal. Diz sim, o texto: “que
o Presidente da Câmara Municipal de Vereadores, assim como o Representante do
Ministério Público, participarão, em determinado instante, do processo
eleitoral.” Assim como o Representante do Ministério Público, com a agravante
deste pertencer a outra esfera de governo, representa a sua instituição,
também, o Presidente da Câmara Municipal de Vereadores representa a instituição
por ele presidida, com a atenuante da representação “in casu” ser na esfera de
governo ao qual pertence.
25. Descartada então, a suposição do Presidente da Câmara Municipal
de Vereadores em cargos do Conselho, destarte nos impõe afirmar de que a
participação, tanto do mesmo quanto do Representante do Ministério Público, é
meramente fiscalizadora. Papel que lhes foi atribuída através dos dispositivos
constitucionais. Isto, contudo, sem nos esquecermos do princípio maior que
abaliza o Município para legislar sobre assunto de interesse local.
26. Assim como a União tem autonomia de legislar sobre o processo
eleitoral para a escolha dos governantes e parlamentares das três (03) esferas
de governo, envolvimento cidadãos e instituições várias. Pelo mesmo princípio
“lato sensu” o Município, através do processo de escolha para microssistemas
eleitorais, por ele estabelecidos, poderá, também, envolver os cidadãos e as
instituições municipais; observando, contudo, os seus limites territoriais e
princípios para não exorbitar a outras esferas de governo e á vida privada, a
não ser através de dispositivos que as facultem à participação.
27. Pelo exposto, e, face as argumentações de vários autores que se
aplicam ao caso, opino pela manutenção do dispositivo da Lei que redefine o
Conselho Tutelar (art. 2º da Lei Municipal nº 1.426/95) por não ter sido
caracterizado a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade de tal dispositivo.
28. É o parecer.
NILDO LIMA SANTOS
Consultor
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