domingo, 3 de novembro de 2013

TCU diz: Não deve haver vedação genérica de participação em licitações de entidades sem fins lucrativos

GRUPO II –  CLASSE I – Segunda Câmara
TC 019.843/2009-0
Natureza: Pedido de Reexame (em Representação).
Entidade: Fundação Oswaldo Cruz - MS  
Interessado: Instituto de Professores Públicos e Particulares - Ippp (34.174.896/0001-47); Isabel Cristina Fortuna de Santa Rita (635.768.057-53)  
Advogado: Mauro Sérgio Salomão (OAB/RJ  60.241).

SUMÁRIO: PEDIDO DE REEXAME. REPRESENTAÇÃO. NÃO DEVE HAVER VEDAÇÃO GENÉRICA DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES DE ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS, DESDE QUE HAJA NEXO ENTRE OS SERVIÇOS A SEREM PRESTADOS COM OS ESTATUTOS E OBJETIVOS SOCIAIS DA ENTIDADE PRESTADORA DOS SERVIÇOS. CONHECIMENTO. PROVIMENTO PARCIAL. NOVA REDAÇÃO AO SUBITEM 1.4.1.1 DO ACÓRDÃO nº 5.555/2009-2ª. CÂMARA. COMUNICAÇÃO AO INTERESSADO.


RELATÓRIO

Adoto como Relatório o Parecer de fls. 72/76, da lavra da Ilustre Subprocuradora-Geral Cristina Machado da Costa e Silva, in verbis:

“Por solicitação do Relator ad quem, eminente Ministro Raimundo Carreiro, haja vista as controvérsias jurídicas a respeito da participação de entidades sem fins lucrativos em certames licitatórios para contratação de serviços terceirizados, a decisão judicial proferida pela 30.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro em mandado de segurança e o tratamento normativo requerido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ente responsável pela condução do Pregão Eletrônico n.º 90/2009, vieram os autos de Representação a este Ministério Público para pronunciamento sobre o Pedido de Reexame interposto pelo Instituto de Professores Públicos e Particulares (IPPP) aos termos do Acórdão n.º 5.555/2009-TCU-2.ª Câmara.
2.    No exame da matéria, a Secretaria de Recursos concluiu pela negativa de provimento ao recurso e também pela concessão de caráter normativo ao subitem 1.4.1.1 do Acórdão n.º 5.555/2009-2.ª Câmara, cujos termos se referem a uma determinação feita à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) da seguinte forma:
1.4.1.1. não habilite em seus certames licitatórios para a contratação de serviços de terceirização ou assemelhados, como o Pregão Eletrônico 90/2009, entidades civis sem fins lucrativos, pois não há nexo [de relação] entre o objeto social dessas entidades e os serviços a serem prestados, considerando que terceirização de mão-de-obra não se coaduna com a natureza jurídica de tais entes, por se caracterizar como ato de comércio com finalidade econômica;”
3.    De início, registramos que o objeto do Pregão Eletrônico n.º 90/2009, referente à prestação de serviços contínuos de suporte técnico em áreas de apoio tecnológico, de gestão e de infraestrutura do Centro de Criação de Animais de Laboratório (CECAL), na Fiocruz, compreendeu tanto os serviços ditos de terceirização, na terminologia empregada em sentido estrito nas análises contidas nestes autos para a categoria de atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares da entidade responsável pelo certame, quanto uma parcela da atividade-fim, representada pelas funções desempenhadas pelos profissionais Tecnologista em Criação de Animais de Laboratório, Analista de Laboratório e Tecnologista de Produção. Nesse caso, admitiu-se na análise inicial do processo a circunstancial transitoriedade da parcela do certame estranha à execução indireta de serviços em virtude das condições específicas tratadas no Acórdão n.º 3.472/2006-1.ª Câmara, restringindo-se, dessa forma, o conteúdo da deliberação ao aspecto da prestação de serviços de terceirização por entidades sem fins lucrativos.
4.    Assim, no mérito, o ponto preponderante da questão controvertida consiste em saber se, nos certames licitatórios para a prestação de serviços acessórios, instrumentais ou complementares à atividade-fim da administração pública (terceirização de serviços), poderão habilitar-se entidades sem fins lucrativos para o fim de, logrando êxito no certame, firmar o correspondente contrato.
5.    Em termos gerais, louvamos o tratamento teórico conferido ao assunto pela Secretaria de Recursos, mediante ponderada e fundamentada análise técnica e jurídica dos aspectos concernentes à natureza e às peculiaridades da terceirização de serviços no setor público, às condições da atuação regulamentar das entidades sem fins lucrativos no mercado e aos fundamentos colhidos na doutrina e jurisprudência pertinentes.
6.    Em especial quanto às finalidades a que regularmente se prestam, as entidades privadas sem fins lucrativos se distinguem, a par da ausência de busca de lucros em primeiro plano e de forma intencional, por atuar em segmentos econômicos, sociais ou políticos marcados por um caráter beneficente, filantrópico, assistencial, religioso, cultural, educacional, científico, artístico, recreativo, esportivo e de proteção ao meio ambiente, à criança e ao adolescente e à saúde, entre outros. Como bem ponderou a Unidade Técnica, o exercício de atividade econômica pelas entidades sem fins lucrativos, embora não seja vedado na legislação, deve estar relacionado com o cumprimento de seus fins estatutários sob pena de desvio de finalidade.
7.    De fato, decisões de tribunais pátrios indicam que as entidades sem fins lucrativos, quando atuam em atividades estranhas aos seus fins estatutários, incidindo em desvio de finalidade, passam a sujeitar-se a encargos tributários do setor empresarial, conforme se depreende dos excertos transcritos a seguir:
“TRIBUTÁRIO. ISS. LOCAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. INCIDÊNCIA.
1. Associação civil sem fins lucrativos que, desviando-se dos seus objetivos, efetua locação de mão-de-obra a quem não seja seu associado e para atividades exclusivas da parte contratante, de forma remunerada, está sujeita ao pagamento do ISS.
2. Comprovação nos autos de que a recorrida, entidade civil, locou mão-de-obra ao Banco do Espírito Santo, recebendo valores por esse negócio jurídico, durante os meses de maio de 1988 até junho de 1990, mês a mês.
3. A recorrida congrega os servidores do BANESTES. Os seus sócios são, portanto, pessoas físicas. O BANESTES não é um dos seus associados. Inexistência de serviços prestados a associado no ambiente físico da associação.
4. Locação de mão-de-obra com objetivo do BANESTES, por necessidade, ampliar o seu quadro de prestadores de serviços.
5. Recurso especial provido para fazer incidir o ISS.” (REsp 937090/ES, Processo 2007/0067249-3. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Ministro José Delgado, Julgamento 06/11/2007, DJ 29/11/2007).
8.           Casos há, ainda, em que ocorre um total desvirtuamento do caráter de assistência social que a entidade ostenta:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ISS. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS. IMUNIDADE. ART. 150, VI, ‘c’, DA CF/88. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. ART. 14 DO CTN.
1. A imunidade tributária interpreta-se restritivamente, sendo certo que, administrativamente é lícito aferir-se os requisitos do art. 14 do CTN, mercê de poder coadjuvá-lo a notoriedade dos fatos (notoria non eget probatione), na medida em que desconsiderá-lo viola a regra do art. 333, I, do CPC.
2. In casu, as atividades notoriamente desenvolvidas pela referida Associação nem de longe têm o condão de enquadrá-la como espécie de entidade de assistência social, menos ainda de instituição sem fins lucrativos. Ao revés, como bem salientado no parecer da Auditora Tributária, que opinou na via administrativa pelo indeferimento do pedido de imunidade da ora recorrida (fls. 178/191), os cursos por ela ministrados são basicamente voltados à área de atuação da mesma - hotelaria -, a qual parece ‘atuar como qualquer empresa comercial que para diminuir custos e rotatividade do pessoal, bem como melhorar a qualidade total dos serviços, investe em treinamento e aperfeiçoamento da mão-de-obra’.
   3. Recurso especial provido.” (REsp 707315/DF, Processo 2004/0169519-4. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Ministro Luiz Fux, Julgamento 03/05/2007, DJ 14/02/2008, pág. 144).
9.    Entretanto, particularmente para as categorias indicadas no art. 1.º do Decreto n.º 2.271/97 como objeto preferencial de execução indireta de serviços na administração pública federal direta, autárquica e fundacional – atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações –, ponderamos por divergir do pressuposto genérico e uniforme de que os serviços de terceirização não poderiam ser desempenhados pelos membros de uma entidade sem fins lucrativos. A nosso ver, não se pode admitir aprioristicamente, sem exame da situação concreta, que as atividades acessórias da administração sempre exigiriam uma intermediação ou locação de mão de obra, apenas por inexistir um vínculo empregatício entre a entidade sem fins lucrativos e os agentes que a integram.
10.  Embora uma atividade possa caracterizar-se como acessória e instrumental para um órgão da administração pública, esse aspecto não possui uma conexão direta com o cumprimento das finalidades estatutárias de uma entidade sem fins lucrativos que preencha os requisitos necessários à realização dos serviços. Dito de outra forma, a regularidade da prestação de serviços de terceirização por uma entidade sem fins lucrativos é aferida pela forma em que esta atua para cumprimento de suas finalidades essenciais, e não necessariamente pelo caráter acessório ou complementar da atividade objeto da prestação do serviço.
11.  Como primeiro fundamento dessa linha de raciocínio, note-se a título de exemplo que os serviços de informática tanto podem ser considerados atividades-fim de um ente público, como são os casos do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), quanto também podem ser atividades-meio, na situação dos demais órgãos que deles necessitam, de forma secundária, para desempenho de ações públicas.
12.  A mesma noção poderia ser aplicada à atividade de reprografia, passível de enquadrar-se no conjunto das atividades principais de órgãos públicos como o Centro Gráfico do Senado Federal ou a Imprensa Nacional, e no de atividade-meio dos demais que não atuam nesse ramo. Relembre-se também a época em que a manutenção de prédios residenciais públicos estava ao encargo de órgão específico da União (Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP).
13.  As presentes considerações implicam que a necessidade da utilização dos serviços de informática, de reprografia, de manutenção de edifícios e também de outras categorias pelo órgão público, como atividade-fim ou meio, é indiferente para efeito da prestação dos serviços por terceiros, pois estes não são influenciados pela diferença interna existente na estrutura funcional da administração pública.
14.  Sob uma segunda perspectiva, exsurge conflito entre os fundamentos da deliberação recorrida, no pressuposto de inexistência genérica de nexo entre o objeto social de entidades sem fins lucrativos e serviços de terceirização, e as disposições legais sobre licitação dispensável previstas no art. 24, incisos XIII e XX da Lei n.º 8.666/93, com a alteração e a inclusão feitas pela Lei n.º 8.883/94.
15.  Note-se que a vedação de habilitar entidades sem fins lucrativos em certames licitatórios (subitem 1.4.1.1 da deliberação recorrida) induz à inviabilidade de firmar o respectivo contrato. Todavia, o disposto no art. 24, inciso XX, da Lei n.º 8.666/93 permite a contratação direta de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da administração pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado. Como se sabe, existe na licitação dispensável viabilidade de competição no mercado, mas há discricionariedade do administrador em contratar diretamente quem atenda às condições de prestação do serviço. Portanto, parece-nos que a referida disposição legal desconstitui o pressuposto de inexistência de nexo entre o objeto social de entidades sem fins lucrativos e a prestação de serviços públicos, de natureza contínua ou não, e em consequência a própria vedação de habilitar algum licitante que atue sem objetivo de lucro nos certames que a administração decidir instaurar.
16.  Exemplo prático de atuação de entidade sem fins lucrativos em serviços terceirizados ocorreu recentemente no Superior Tribunal de Justiça, mediante a contratação de entidade representativa de deficientes físicos para prestar serviços de apoio operacional de digitalização de documentos. A participação de deficientes auditivos na digitalização de processos judiciais se destacou pela iniciativa de inclusão judicial desenvolvida pelo STJ, cujo projeto, intitulado “Justiça na Era Virtual”, foi agraciado em 2009 com o Prêmio Innovare, referente à divulgação de trabalhos que representam boas práticas no âmbito do Judiciário brasileiro. O contrato firmado com a Associação de Centro de Treinamento de Educação Física Especial (CETEFE), para a prestação de serviços de apoio operacional à digitalização eletrônica de processos, teve por fundamento o art. 24, inciso XX, da Lei n.º 8.666/93, conforme extrato de dispensa de licitação, processo STJ 9185/2009, publicado no DOU de 26/10/2009, Seção 3, pág. 73.
17.  Idêntica iniciativa desenvolveu também o Conselho da Justiça Federal para prestação de serviços semelhantes aos do STJ, mediante o Contrato n.º 039/2010-CJF firmado com a referida Associação (extrato publicado no DOU de 12/07/2010, Seção 3, pág. 169, processo n.º 201062102).
18.  Também para outras atividades acessórias, como as de recepção e copeiragem em repartições públicas, poder-se-ia hipoteticamente admitir a contratação de entidades filantrópicas ou beneficentes que atuem com a finalidade de promover a integração ao mercado de trabalho de presidiários. A recuperação social do preso seria factível de desenvolver-se, por meio das referidas entidades, nos ofícios de artífices (carpintaria, marcenaria, mecânica e eletrônica) em manutenção de móveis, veículos e equipamentos de órgão público.
19.  Por sua vez, o exame das condições técnicas e jurídicas apresentadas por entidades sem fins lucrativos, na fase de habilitação dos certames licitatórios para a prestação de serviços terceirizados, segue, por analogia, basicamente os procedimentos definidos pelo TCU por ocasião de reiteradas análises do cumprimento dos requisitos para a situação do art. 24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, concernentes à efetiva existência de nexo entre o objeto a ser licitado e os objetivos estatutários da instituição sem fins lucrativos (Decisões Plenárias n.ºs 881/97, 830/90, 346/99, 30/2000, 150/2000, 1067/2001 e 1101/2002, e Acórdãos Plenários n.ºs 427/2002, 1549/2003, 839/2004, 1066/2004, 1934/2004 e 1342/2005). De modo geral, a jurisprudência do Tribunal consolidou ser inviável a habilitação de licitante cujo objeto social seja incompatível com o da licitação (Acórdão n.º 1021/2007-Plenário).
20.  Assim, não basta que a entidade ostente, nos seus estatutos, o requisito de ser constituída sem fins lucrativos; deve ser verificado se, concretamente, a forma como a entidade vai executar os serviços do certame não implicará desvio de finalidade. Entre outras hipóteses passíveis de ocorrer, haverá desvio de finalidade se a entidade atuar em objeto incompatível com os seus objetivos estatutários ou como mera intermediadora ou locadora de mão de obra na prestação dos serviços.
21.  A propósito, esse entendimento se alinha ao disposto no art. 5.º da Instrução Normativa MPOG n.º 2/2008 (grifos nossos):
Art. 5.º Não será admitida a contratação de cooperativas ou instituições sem fins lucrativos cujo estatuto e objetivos sociais não prevejam ou não estejam de acordo com o objeto contratado.
Parágrafo único. Quando da contratação de cooperativas ou instituições sem fins lucrativos, o serviço contratado deverá ser executado obrigatoriamente pelos cooperados, no caso de cooperativa, ou pelos profissionais pertencentes aos quadros funcionais da instituição sem fins lucrativos, vedando-se qualquer intermediação ou subcontratação.
22.  Também na esfera tributária as condições a serem atendidas por entidades sem fins lucrativos, a exemplo das filantrópicas, são aferidas de forma concreta como se vê a seguir:
ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. CENTRO CULTURAL BRASIL-EEUU DE CURITIBA. CERTIFICADO DE ENTIDADE DE FINS FILANTRÓPICOS.
I - Só faz jus ao Certificado de Fins Filantrópicos, documento hábil a gerar isenção (sic) da contribuição social patronal prevista no inciso II, do art. 55 da Lei n.° 8742, de 8.212/91, em cumprimento ao art. 195, § 7.° da CF, entidade que comprove:
a) que exerce atividade sem fins lucrativos, o que podia ter feito com apresentação do seu balanço;
b) que tem por finalidade essencial promover a integração de pessoas ao mercado de trabalho, capacitando-os com uma profissão específica;
c) que, por um conjunto integrado de ações, provê os mínimos sociais necessitados pela cidadania, garantindo-lhes o atendimento às necessidades básicas, conforme exigência da Lei n.º 8.742, de 7.12.93, art. 1.°;
d) que atua com missões voltadas exclusivamente aos mais necessitados.
2 - Impetrante que tem como objetivo fundamental, conforme expressa com muita clareza artigo dos seus estatutos, o de promover o ensino da língua inglesa.
3 - Ausência de provas do exercício de atividades filantrópicas.
4 - Registro nos Estados da entidade de finalidade a serem alcançadas, com a sua atuação, que descaracteriza por inteiro a possibilidade de ser considerada como essencialmente filantrópica.
5 - Sociedade civil mantida por sócios-contribuintes e sem a atividade filantrópica como seu principal objetivo. Inexistência, aliás, de prova de qualquer ação social de tal característica.
6 - Segurança denegada.” (MS 5690/DF, Processo 1998/0014987-2, Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro José Delgado, Julgamento 09/09/98, DJ 26/10/98, pág. 5)
23.  Por fim, quanto à decisão judicial proferida pela 30.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro em mandado de segurança, registramos que se trata do Pregão Eletrônico n.º 97/2009 que, embora também seja de responsabilidade da Fiocruz, possui regra editalícia distinta da examinada nos presentes autos (fls. 69/70 do Anexo 2). Naquele Pregão, a cláusula impugnada no mandado de segurança permite a participação no certame somente de empresas constituídas para o desenvolvimento de atividades comerciais (fl. 67 do Anexo 2), excluindo-se, assim, as entidades sem fins lucrativos. Já no Pregão Eletrônico n.º 90/2009, é permitida a participação de entidades sem fins lucrativos cujo estatuto e objetivos sociais estejam de acordo com o objeto do certame (cláusula 2.6 à fl. 29 do volume principal).
24.  A sentença favorável ao impetrante em liminar ateve-se à circunstância de ser legalmente viável a participação do IPPP naquela licitação, em virtude da observância dos princípios da competitividade e do oferecimento da proposta mais vantajosa. Todavia, quanto ao enquadramento do objeto social da impetrante ao previsto na licitação, a sentença dispõe expressamente que “caberá à Administração, quando da análise das propostas, decidir sobre a referida compatibilização” (primeiro parágrafo à fl. 68 do Anexo 2). Portanto, na verdade, a essência da sentença se harmoniza com o entendimento que defendemos no presente parecer, pois, como se viu, as condições de atendimento do objeto pela entidade sem fins lucrativos deverão ser aferidas em concreto na fase de habilitação, e não como vedação genérica de participação em licitações.
25.  Diante do exposto, esta representante do Ministério Público manifesta-se por que seja conhecido o Pedido de Reexame interposto pelo Instituto de Professores Públicos e Particulares (IPPP) para, no mérito, dar-lhe provimento parcial da seguinte forma:
   a) em nova redação do subitem 1.4.1.1 do Acórdão n.º 5.555/2009-2.ª Câmara dirigido à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e, doravante, em caráter normativo aos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, determinar que não habilitem, nos certames licitatórios para a contratação de serviços de terceirização ou assemelhados, entidades sem fins lucrativos cujos estatutos e objetivos sociais não tenham nexo com os serviços a serem prestados ou cuja forma de atuação caracterize intermediação ou locação de mão de obra; e
   b) dar ciência da deliberação que vier a ser proferida ao recorrente, à Fiocruz, à Milênio Assessoria Empresarial Ltda., à Controladoria-Geral da União e ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.”


2.         A Unidade Técnica, responsável pela instrução do feito pronunciou-se pelo conhecimento do Recurso, com fulcro no art. 48 da Lei nº 8.443/1992, para, no mérito, negar-lhe provimento.
            É o Relatório.
           

VOTO

Analisa-se no presente processo Pedido de Reexame, interoposto pelo Instituto de Professores Públicos e Particulares, acerca da participação de entidades sem fins lucrativos em licitações para contratação de serviços terceirizados, tendo em vista a prolação do Acórdão nº 5.555/2009-TCU-2ª Câmara.
 Embora a Secretaria de Recursos, Serur, tenha feito proposta, quando da apresentação de sua instrução de fls. 55/63, pelo não provimento do Recurso, entendo, com as vênias de praxe, que o Parecer da Douta Representante do MP/TCU está mais condizente com a situação ora analisada, vez que, como bem destacado no Parecer da Representante do Parquet especializado, o qual diverge da forma genérica e uniforme como o tema foi tratado pela Unidade Técnica, no sentido de que os serviços de terceirização não possam ser desempenhados por membros de uma entidade sem fins lucrativos.
Com efeito, esclarecedor o ponto do Parecer que afirma que uma atividade, embora caracterizada como acessória e instrumental para um determinado órgão da Administração Pública, possa não possuir conexão direta com o cumprimento das finalidades estatutárias de uma entidade sem fins lucrativos que preencha os requisitos necessários à realização dos aludidos serviços. Ou seja, uma entidade sem fins lucrativos que preste serviços terceirizados regulares e satisfatórios, deve ter tais serviços aferidos pela forma em que a entidade dá cumprimento a seus misteres institucionais e não necessariamente pelo caráter acessório ou complementar da atividade objeto da prestação do serviço.
Outro fator importante a corroborar para a tese de que não se deve promover a vedação genérica de participação de entidades sem fins lucrativos em licitações, porquanto viável, é o que reza o art. 24 da Lei de Licitações, que em seu inciso XX permite a contratação direta de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos, e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.
Dessa forma, como bem salientou a Ilustre Representante do MP/TCU, o dispositivo legal assegura a habilitação de licitantes que atuem sem objetivo de lucro nos certames promovidos pela Administração Pública.
Destarte, devem ser verificadas as condições de atendimento do objeto prestado pela entidade sem fins lucrativos, sem implicar em desvio de finalidade, ou seja, sem que sejam desobedecidos os objetivos estatutários da entidade, devendo haver compatibilidade entre o objeto da licitação e a finalidade de atuação da entidade.
Assim, ao adotar como razões de decidir, no essencial, os argumentos trazidos pela Nobre Representante do Parquet especializado, Voto por que este Colegiado adote o Acórdão que submeto à sua elevada apreciação.


TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 7 de dezembro de 2010.




RAIMUNDO CARREIRO
Relator





ACÓRDÃO Nº 7459/2010 – TCU – 2ª Câmara

1. Processo nº TC 019.843/2009-0.
2. Grupo II – Classe I – Assunto: Pedido de Reexame (em Representação).
3. Interessado: Instituto de Professores Públicos e Particulares – IPPP
4. Entidade: Fundação Oswaldo Cruz - MS.
5. Relator: Ministro Raimundo Carreiro.
6. Representante do Ministério Público: Subprocuradora-Geral Cristina Machado da Costa e Silva.
7. Unidade: Secretaria de Recursos – Serur e Secretaria de Controle Externo - RJ (SECEX-RJ).
8. Advogado constituído nos autos: Mauro Sérgio Salomão (OAB/RJ  60.241).

9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Pedido de Reexame em processo de Representação, interposto pelo Instituto de Professores Públicos e Particulares – IPPP, contra o Acórdão no 5.555/2009-TCU–2ª Câmara,
              ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Segunda Câmara, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer do Pedido de Reexame para, no mérito, dar-lhe provimento parcial,  alterando a redação ao subitem 1.4.1.1 do Acórdão n.º 5.555/2009-2.ª Câmara, dirigido à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e que, doravante, em caráter normativo, aos Órgãos e Entidades da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional, que passa a ter o seguinte teor:
9.1.1. determinar que não habilitem, nos certames licitatórios para a contratação de serviços de terceirização ou assemelhados, entidades sem fins lucrativos cujos estatutos e objetivos sociais não tenham nexo com os serviços a serem prestados; e
9.1.2. dar ciência deste Acórdão ao recorrente, à Fiocruz, à Milênio Assessoria Empresarial Ltda., à Controladoria-Geral da União e ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

10. Ata n° 42/2010 – 2ª Câmara.
11. Data da Sessão: 7/12/2010 – Extraordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-7459-42/10-2.
13. Especificação do quorum:
13.1. Ministros presentes: Benjamin Zymler (Presidente), Aroldo Cedraz, Raimundo Carreiro (Relator) e José Jorge.
13.2. Auditores presentes: Augusto Sherman Cavalcanti e André Luís de Carvalho.


(Assinado Eletronicamente)
BENJAMIN ZYMLER
(Assinado Eletronicamente)
RAIMUNDO CARREIRO
Presidente
Relator


Fui presente:


(Assinado Eletronicamente)
CRISTINA MACHADO DA COSTA E SILVA

Subprocuradora-Geral

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