terça-feira, 4 de abril de 2017

ACÓRDÃO Nº 746/2014-TCU. Cerceando direitos de entes qualificados como OSCIP’s





Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública

Este texto, que segue, após a transcrição ipsis litteris do famigerado Acórdão 746/2014 do TCU. O qual cria labirintos de interpretações na sua vaga decisão que favorecerá mais ao achismo do que ao espírito das leis, pelos equívocos e incoerências. Os quais, ao invés de ajudarem a Administração Pública e a sociedade, promovem uma verdadeira torre de babel de interpretações descabidas que levadas a decisões soberanas cerceiam e rasgam direitos de atuação dos entes sociais e, por consequência, atrofiam o processo de desenvolvimento do Brasil. Que tempos estamos vivendo!!! Infelizmente... é isso!!! O Estado não é competente para legislar nem tampouco para obedecer ao que se quer que sejam leis. O pior, através de instituições que deveriam zelar pelo cumprimento das mesmas, mas, as estraçalham nas vagas interpretações e incoerências somente admitidas aos de pouca formação nas áreas que se querem sejam efetivamente de notáveis no conhecimento jurídico ou da coisa pública:    

ACORDÃO Nº 746/2014-TCU-Plenário
1. Processo n. TC-021.605/2012-2.
2. Grupo I – Classe de Assunto: VII – Representação.
3. Interessado: Tribunal de Contas da União.
4. Entidade: Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – Sescoop.
5. Relator: Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa.
6. Representante do Ministério Público: Não atuou.
7. Unidades Técnicas: Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas – Selog, Secretaria de Controle Externo da Previdência – SecexPrevi e Secretaria de Controle Externo no Estado do Paraná – Secex/PR.
8. Advogado constituído nos altos: não há.
9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos da Representação formulada pela WEBAULA Produtos e Serviços para Educação S.A. acerca de possível irregularidade ocorrida na Concorrência n. 01/2012, levada a efeito no Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – Sescoop, consubstanciada, em síntese, na participação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público no certame.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. firmar entendimento no sentido de que é vedado às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, atuando nessa condição, participarem de processos licitatórios promovidos pela Administração Pública Federal;
[...].
10. Ata nº 9/2014 – Plenário
11. Data da Sesão: 26/3/2014 – Ordinária.
[...].”

DAS CRÍTICAS À DECISÃO CONSIDERANDO A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS BÁSICAS NA AVALIAÇÃO DO CASO


01. Qual a condição de um ente atuar no gozo de uma qualificação que lhe foi concedida? – Efetivamente quando assim decidir participar e se sujeitar a ação que seja inerente às exigências relativas à qualificação que lhe foi concedida. Portanto, não o querendo se sujeitar a tais exigências bastará apenas não aderir às mesmas.


02. No caso da Qualificação de OSCIP concedida a uma entidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos (Art. 1º da Lei nº 9.790), há de ser reconhecido que a entidade já deverá existir legalmente na forma das disposições estabelecidas no Código Civil Brasileiro (Art. 44, I; Art. 53, § único; Art. 54, I usque VII; Art. 55; Art. 56, § único; Art. 57; Art. 58; Art. 59, I e II, § único; Art. 60; Art. 61, §§ 1º e 2º; todos da Lei nº 10.406 de 2002).

02.1 - Lei nº 9.790:

“Art. 1º Podem qualificar-se com o Organização da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, 3 (três) anos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014)

§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.

§ 2º A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento dos requisitos instituídos por esta Lei.


03. Destarte, não será a condição de uma qualificação que goze ou venha a gozar, ser esta capaz de mudar a existência legal de um ente social sem finalidades lucrativas no mundo das instituições – no caso sociais – e, efetivamente, modificar a sua natureza jurídica com todas as suas obrigações e prerrogativas. Fosse assim, estar-se-ia criando uma nova natureza de personalidade jurídica. E, não é exatamente isto que está a dizer a Lei nº 9.790. Destarte, é imperioso que reconheçamos o fato de que os dispositivos da Lei que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como organizações da sociedade civil de interesse público, e que instituiu e disciplinou o Termo de Parceria, não destrói, nem modifica a natureza jurídica da entidade que se estrutura de sorte que possa a qualquer tempo que lhe aprouver e ao Estado, na forma da Lei, a condição plena de ser passível à qualificação simplesmente conhecida pela sigla OSCIP. É o que se entende da exegese da própria ementa e do Art. 1º da Lei nº 9.790. Dispositivo este que faculta às entidades do tipo Associação, a se credenciarem para a tal qualificação, desde que tenham no mínimo três anos de atuação nas áreas estabelecidas e que atendam as disposições vinculadas, tanto ao caput do Art. 1º e aos seguintes dispositivos deste referido instrumento jurídico que trata das OSCIP’s: Art. 3º, I usque XIII, § único; Art. 4º, I usque VII, a), b), c) e d), § único.

“Art. 1º Podem qualificar-se com o Organização da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, 3 (três) anos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014)
[...].

Art. 3º A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades:

I – promoção da assistência social;

II – promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

III – promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;

IV – promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;

V – promoção da segurança alimentar e nutricional;

VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;

VII – promoção do voluntariado;

VIII – promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;

IX – experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas de produção, comércio, emprego e crédito;

X – promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;

XI – promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;

XII – estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo;

XIII – estudos e pesquisas para o desenvolvimento, a disponibilização e a implementação de tecnologias voltadas à mobilidade de pessoas, por qualquer meio de transporte. (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014).

Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins.

Art. 4º Atendido o disposto no art. 3º, exige-se ainda, para qualificarem-se como Organizações da sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre:

I – a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência;

II – a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório;

III – a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade;

IV – a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social da extinta;

V – a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social;

VI – a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestem serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação;

VII – as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que determinarão, no mínimo:
a)   a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade;
b)   que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão;
c)   a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria conforme previsto em regulamento; 
d)   a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina o parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal.

              Parágrafo único. É permitida a participação de servidores públicos na composição de conselho ou diretoria de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014).”


04. O Art. 5º da Lei nº 9.790, rigorosamente, informa-nos sobre a faculdade que o ente social tem para se credenciar ou não à qualificação concedida pela Administração Pública. Tal entendimento – que é positivo – combinado com as disposições de negação dada pelo Art. 2º, incisos I usque XIII, da Lei em análise – portanto negativas! – clareiam ao hermeneuta, através no conjunto de tais dispositivos, quanto às pessoas jurídicas do tipo Associação, na forma do Código civil, que são e não são passíveis de qualificação como OSCIP. Levando-o rigorosamente a um único entendimento e certeza: “A de que o legislador jamais teve a intenção de criar uma nova pessoa jurídica. Mas, tão somente, de possibilitar às pessoas jurídicas a celebração de instrumentos de Parceria com a Administração Pública definido pela Lei como “Termo de Parceria”. Ipsis litteris dispositivos a seguir transcritos:

“Art. 2º Não são passíveis de qualificação como Organizações da sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3º desta Lei:

I – as sociedades comerciais;
II – os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional;
III – as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais;
IV – as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;
V – as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios;
VI – as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados;
VII – as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;
VIII – as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras;
IX – as organizações sociais; (Parênteses, para minhas observações: São os entes híbridos criados na forma da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1988, conhecidas pela sigla OS e que estão mais para o Estado do que para entes sociais privados, mas, esse tema será abordado por mim em oportunidade futura, onde já tenho alguns pareceres produzidos sobre a matéria).
X – as cooperativas;
XI – as fundações públicas;
XII – as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas;
XIII – as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da constituição Federal.

Art. 5º Cumpridos os requisitos dos arts. 3º e 4º desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, interessada em obter a qualificação instituída por esta Lei, deverá formular requerimento escrito ao Ministério da Justiça, instruído com cópias autenticadas dos seguintes documentos:
I – estatuto registrado em cartório;
II – ata de eleição de sua atual diretoria;
III – balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício;
IV – declaração de isenção do imposto de renda;
V – inscrição no Cadastro Geral de contribuintes.


05. Não sendo a Associação, um ente que goze do reconhecimento como ente social qualificado como “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP”, uma nova espécie de “Personalidade Jurídica”, na forma do Código Civil. Então não há como lhe negar todos os direitos estabelecidos nas demais normas de qualificação da qual essa ostente os requisitos exigidos, seja para a celebração de Termo de Fomento, Termo de Colaboração, ou Termo de Cooperação, estabelecidos pela Lei nº 13.204 de 14 de dezembro de 2015, ou Contrato Administrativo estabelecido pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Vez que, em assim sendo, estar-se-á a cercear, de forma arbitrária e impensada à segurança jurídica e ao estado de direito, tanto inerente ao ente jurídico, quanto à sociedade e às pessoas que a integram e aos que injustamente são atacados pelos inúmeros tribunais de contas que não conseguem enxergar o que está bastante claro ao mais atento e preparado interprete da norma.


06. As várias decisões dos tribunais de contas, inclusive, do Tribunal de Contas da União, em acórdão nº 746/2014-Plenário, que fixou entendimento de que “é vedado às Organizações da sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, atuando nessa condição, participarem de processos licitatórios promovidos pela Administração Pública Federal”; por se tratar da pouca compreensão que leva a julgamentos prejudiciais às entidades sociais, nessa condição, aos gestores e à administração pública, quando de boa-fé, são temerosas e descabidas de razoabilidade e racionalidade, porquê, não refletem a verdade das disposições legais e do interesse da Administração Pública. 


07. A expressão utilizada no acórdão do TCU 746/2014, “é vedado às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, atuando nessa condição, ...” é vaga e imprecisa, confundindo aos menos preparados e desatentos!!! ...E que, temerosamente, se reconhece estar sendo utilizada de forma a restringir o direito de entidade social que tenha esta qualificação a participar de certame licitatório. Destarte, negando as disposições contidas no inciso IV do Art. 28 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, editada em consonância com o Código Civil Brasileiro (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), especificamente, o Art. 16, incisos I e II, combinados com os §§ 1º e 2º do Art. 20 que nos dão claramente o conceito de sociedade civil, até sua modificação dada pelo atual Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 2002. Entretanto, não destruindo o espírito da Lei nº 8.666/93 que seguiu a mesma disposição quanto a classificação das pessoas jurídicas estabelecidas pelo antigo Código Civil Brasileiro (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), conforme dispõem o Art. 28, III e IV, a seguir da Lei nº 8.666/93, e Art. 16, I e II; e Art. 20, §§ 1º e 2º da Lei nº 3.071, de 1916, comparados e transcritos, ipsis litteris:

07.1 - Lei nº 8.666/93:

       “Art. 28. A documentação relativa à habilitação jurídica, conforme o caso, consistirá em:
III – ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor, devidamente registrado, em se tratando de sociedades comerciais, e, no caso de sociedades por ações, acompanhado de documentos de eleição de seus administradores;
IV – inscrição do ato constitutivo, no caso de sociedades civis, acompanhada de prova de diretoria em exercício;  
[...].”


07.2 - Lei nº 3.071, de 1916:

“Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – As sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações.
II – As sociedades mercantis.

Art. 20. [...].

§ 1º Não se poderão constituir, sem prévia autorização, as sociedades, as agências ou os estabelecimentos de seguros, montepio e caixas econômicas, salvo as cooperativas e os sindicatos profissionais e agrícolas legalmente organizados.
[...].

§ 2º As sociedades enumeradas no art. 16, que, por falta de autorização ou de registro, se não reputarem pessoas jurídicas, não poderão acionar os seus membros, nem a terceiros; mas estes poderão responsabilizá-las por todos os seus atos.”


08. Não há como negar que o Art. 28, incisos III e IV da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) permite a participação de Organizações Sociais de Direito Privado em certames licitatórios concorrendo, em determinadas ofertas de produtos e/ou serviços, desde que não neguem e contrariem os objetivos e universos para os quais a entidade foi constituída para atuar em favor da sociedade em geral. E, este é o espírito da Lei nº 8.666/93 ao estabelecer privilégios quanto à celebração de contrato administrativo com a Administração Pública, especialmente, reforçado pelo Art. 3º; Art. 24, XIII, XX, XXVII, XXX, XXXII e XXXIII, a seguir transcritos, ipsis litteris, com os destaques onde indicam serem estes direcionados para as entidades privadas do tipo “organização social de direito privado sem finalidade lucrativa”:

“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
[...].

Art. 24. É dispensável a licitação:
[...];

XIII – na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;
[...];

XX – na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
[...];

XXVII – na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública;
[...];

XXX – na contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei federal;
[...];

XXXII – na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica;

XXXIII – na contratação de entidades privadas sem fins lucrativas, para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, para beneficiar as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou falta regular de água;
[...].”

09. É imperioso que seja reconhecido, na boa exegese, o fato de que ao existir na Lei nº 8.666/93 a possibilidade de ser o contrato dispensável da licitação para determinados entes sociais privados sem finalidade lucrativa – e este somente poderá ser administrativo! –, estar-se-á a confirmar que: a entidade social que não se enquadre nas disposições estabelecidas nos incisos do artigo 24 dessa referida Lei, somente poderá prestar serviços à Administração Pública mediante rito licitatório, ou através de rito processual específico sendo utilizados outros critérios de julgamento para a dispensa ou inexigibilidade da licitação, na condição em que se apresentar perante os ditames da Lei, in casu.  

    
10. Há de ficar entendido, ainda, que a qualificação de OSCIP é uma condição a mais. É um prêmio para as entidades que se submetem às rígidas regras do Estado ao bem geral e público em todos os seus sentidos. E, jamais, um castigo, uma penalidade. É, portanto, evidentemente “Um Plus” com relação a determinadas entidades, assim, como ocorre com as entidades que gozam do título de qualificação de entidades sociais da área de saúde, junto ao CNS (Conselho Nacional de Saúde); entidades sociais da área da assistência social, junto ao CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) reconhecido o certificado como CEBAS – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social; e as que detenham o Título de Utilidade Pública Federal, criado em 1935 pela Lei nº 91, atualmente revogada. As quais em momento algum estão impedidas de participarem de licitação pública e de firmarem contratos administrativos com a Administração Pública. Fosse tais entidades proibidas de licitar com a Administração pública, a Lei deixaria clara esta condição, ao tempo em que se contraditaria em suas disposições gerais em um assombro de incoerências impensáveis para um Estado que se quer ter o reconhecimento como um razoável estado onde se constate as evidências da preservação e ampliação da segurança jurídica e do estado de direito.


11. Por outro lado, quando avaliamos o Art. 6º, §§ 1º, 2º, e 3º, I, II e III; Art. 7º; Art. 8º e Art. 9º; em conjunto, forçosamente, tais dispositivos da Lei nº 9.790, dão-nos a certeza de que, a condição de ostentação da qualificação de OSCIP está condicionada não tão somente ao querer de quem o concedeu, quanto de quem o requereu e foi beneficiado, não existindo, destarte, a imposição de qualquer das partes e, em especial, da administração pública, da obrigação de rigorosamente utilizá-la quando dos negócios e objetivos, uns dos outros (público e privado). Portanto é por isso que, existem as convocações por editais que deverão cumprir os princípios da impessoalidade e da legalidade dentre outros, e a obrigatoriedade da celebração de instrumentos de parcerias onde estejam claros os direitos e obrigações tanto da Administração Pública quanto do ente qualificado como OSCIP.  

      
12. Entende-se que a sujeição, capacidade e susceptibilidade, ou não, a determinada condição de oportunidade em certo tempo, são e deverão ser plenamente reconhecidas pela análise sistemática, na boa exegese da Lei nº 9.790; a qual estabelece critérios para esta condição, inclusive, podendo cassar o direito à tal condição, quando não forem atendidas determinadas exigências, conforme segue informado através dos respectivos dispositivos, acima citados, que serviram e servirão para a boa exegese da norma, os quais transcrevo-os a seguir ipsis litreris:

“Art. 6º Recebido o requerimento previsto no artigo anterior, o Ministério da Justiça decidirá, no prazo de trinta dias, deferindo ou não o pedido.

§ 1º No caso de deferimento, o Ministério da Justiça emitirá, no prazo de quinze dias da decisão, certificado de qualificação da requerente como Organização da Sociedade Divil de Interesse Público.

§ 2º Indeferido o pedido, o Ministério da Justiça, no prazo do § 1º, dará ciência da decisão, mediante publicação no Diário oficial.

§ 3º O pedido de qualificação somente será indeferido quando:
I – a requerente enquadrar-se nas hipóteses previstas no art. 2º desta Lei;
II – a requerente não atender aos requisitos descritos nos arts. 3º e 4º desta Lei;
III – a documentação apresentada estiver incompleta.

Art. 7º Perde-se a qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, no qual serão assegurados, ampla defesa e o devido contraditório.

Art. 8º Vedado o anonimato, e desde que amparado por fundadas evidências de erro ou fraude, qualquer cidadão, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, é parte legítima para requerer, judicial ou administrativamente, a perda da qualificação instituída por esta Lei. 

Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.”


13. Destarte, cassa-se a qualificação, mas permanece a figura jurídica a qual continua gozando de todas as prerrogativas como instituição social de direito civil, reconhecida como “Associação”, nos termos do antigo e novo Código Civil Brasileiro. Fica vedado apenas ao ente social, antes qualificado como OSCIP, a possibilidade de celebrar, com a Administração Pública, o específico “Termo de Parceria” – que é uma espécie de contrato existente somente por iniciativa da Administração Pública e que faculta aos entes qualificados a parceria em determinado tipo de serviço, segundo a lógica estabelecida e justificável como sendo social e de interesse público. Daí reconhecer-se, de pronto, de que não existe OSCIP como entidade, mas, sim, entidade jurídica de direito privado de interesse social que se qualificou com o título de OSCIP instituído pelo governo Federal. Podendo esta ostentá-lo ou não, ao seu livre arbítrio.


14. É imperioso que se tenha a compreensão da expressão: Sociedade Civil, que assim, ouso conceitua-la:

Sociedade Civil, tanto pela doutrina, quanto pela conceituação geral dos estudiosos das ciências sociais, indica-nos, como expressão: “O conjunto de organizações e instituições sociais de natureza filantrópica, cívica, assistencial, religiosa, desportiva, recreativa, etc., que visam o bem comum, caracterizado pelos padrões éticos e humanísticos, sem a finalidade do lucro, recentemente reconhecidas como referenciais que deram origem ao ‘Direito do Terceiro Setor’, legalmente instituídas na forma da legislação aplicável, e qual se caracteriza como um dos alicerces da sociedade moderna em oposição ao mercantilismo que enxerga no Estado apenas a oportunidade dos seus objetivos econômicos.”          



15. BIBLIOGRAFIA

01 – Lei Federal nº 9.790, de 23 de março de 1999 que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria.

02 – Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Novo Código Civil Brasileiro.

03 – Lei Federal nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (Código Civil Brasileiro).

04 – Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Licitações e Contratos para a Administração Pública).

05 – Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988.

06 – Lei Federal nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as Leis nºs  8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999.

07 – Lei Federal nº 13.204, de 14 de dezembro de 2015, que altera a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, “que estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999”; altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, 9.790, de 23 de março de 1999, 9.249, de 26 de dezembro de 1995, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 12.101, de 27 de novembro de 2009, e 8.666, de 21 de junho de 1993; e revoga a Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935. 

08 – Decreto Federal nº 3.100, de 30 de junho de 1999, que regulamenta a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria e dá outras providências.

09 – Decreto Federal nº 8.726, de 27 de abril de 2016, que regulamenta a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, para dispor sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil.

10 – Acórdão TCU nº 746/2014-Plenário - Tribunal de Contas da União, que fixou entendimento de que “é vedado às Organizações da sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, atuando nessa condição, participarem de processos licitatórios promovidos pela Administração Pública Federal”.  





Nenhum comentário: