* Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública
I – Da Doutrina
1. Cargo
público, doutrinariamente, é o lugar que deverá ser ocupado pelo servidor
público civil, criado por lei, com denominação, atribuições e remuneração
próprias.
2. Para que exista o cargo, necessariamente, tem que existir a vaga. Não existe a ocupação de cargo sem que antes tenha sido aberta a vaga. Portanto, a Lei ao criar o cargo público, também, deverá informar o número de vagas referente a tal cargo.
3. José Cretella Júnior, in
“Curso de Direito Administrativo – 10.ª Edição, revista e atualizada - Forense
– Rio de Janeiro – 1989” ,
assim conceitua Cargo Público, à pg. 423:
“Materialmente falando, (cargo público) é o
lugar, o espaço, o circulo em que se locomove o agente público para poder
desempenhar os deveres que lhe são atribuídos por lei.
Cargo público, a nosso ver, é o lugar e o conjunto
de atribuições a ele inerentes, confiado pelo Estado a uma pessoa física que,
agindo em nome deste, desenvolve atividades de interesse coletivo.”
4. Hely Lopes Meirelles, in
Direito Municipal Brasileiro, LTR, Rio de Janeiro, pg. 644, informa sobre o
provimento dos cargos públicos e a necessidade de suas criações por lei. Diz o
texto, ora transcrito:
“O provimento dos cargos é a movimentação de funcionários
dentro dos quadros administrativos, já
instituídos por lei, são atribuições privativas do Chefe do Executivo
(Grifo Nosso)”.
5. O Tribunal
de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, em “Noticiário do TCM”, de
janeiro/fevereiro e março de 1998, em matéria com o título “A admissão de
Pessoal no Serviço Público Municipal, da lavra do Chefe de Administração
Técnica e Planejamento, Doutor Carlos Sampaio Filho, orienta aos municípios com
relação aos princípios indispensáveis à realização do concurso público, citando
o seguinte:
“2. Pressupostos indispensáveis.......:
2.1. Quadro de Pessoal estabelecido em Lei:
- Lei Municipal deverá estabelecer um Plano de
Classificação de Cargos e Salários da Prefeitura, criando as categorias
funcionais, os órgãos públicos, suas denominações, salários/vencimentos e
quantidade e o regime jurídico ao qual serão submetidos.................”
6. Carlos
Sampaio Filho, na matéria citada no item “5” , não disse nada mais do que já está
pacificado na doutrina pátria sobre a existência legal dos cargos públicos.
Estes só existem se forem criados por Lei com denominações próprias e
quantidades certas.
7. Sobre esta
questão encontramos a base para este entendimento no próprio artigo 37, incisos
V e VIII da Constituição Federal, ao se referir à reserva de percentuais
numéricos de cargos de carreira para destinação a deficientes físicos e à
reserva de percentuais numéricos de cargos comissionados para os ocupantes de
cargos efetivos.
8. Deve ser
observado que a clareza da Constituição é cristalina quanto a exigência da Lei
para se criar cargos públicos e, que estes estão ligados diretamente a
quantitativos definidos na própria Lei, isto é: a abertura de vagas. Sem vaga
não há ocupação de cargos, então, sem a existência da vaga não existirá o cargo
mas, tão somente a intenção de cria-lo no caso de a Lei apenas definir
simplesmente a denominação destes sem abrir a correspondente vaga. Para que
haja a reserva de cargos na forma dos dispositivos constitucionais o número de
cargos deverá ser diferente de zero (0). Isto basta para entendermos que não
existe cargo sem a respectiva quantidade.
9. A Lei
2.323, de 11 de abril de 1966, que dispõe sobre os Estatutos dos Funcionários
Públicos Civis do Estado da Bahia, em seu artigo 2.º, assim conceituou cargo público:
“Art. 2.º Cargo Público, para os efeitos
deste Estatuto, é o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um
funcionário, com as características essenciais de criação por lei, denominação
própria, número certo e pagamento pelos cofres públicos.”
10.
A Lei n.º 097,
de 01 de outubro de 1972, do Município de Aiquara-Ba., que implantou o Estatuto
dos Funcionário Públicos do Município no mesmo diapasão da norma do Estado da
Bahia, assim também conceituou cargo público:
“Art. 3.º Cargo Público é criado por Lei,
com denominação própria em número certo e pago pelos cofres do Município,
cometendo-se ao seu titular um conjunto de deveres, atribuições e
responsabilidades.”
II – Da Legislação Existente Sobre Pessoal
no Município de Aiquara
11.
Em 01 de outubro
de 1972, o Município de Aiquara implantou o Estatuto dos seus Funcionários
Públicos. Neste instrumento legal estabeleceram-se as regras, entretanto não
foram criados os cargos públicos e nem vagas. O que está correto por não ser um
instrumento adequado para isto.
12.
Em 01 de junho
de 1984, o Município de Aiquara editou a Lei n.º 156 que dispõe sobre a
organização do quadro de pessoal da Prefeitura de Aiquara. Este instrumento
dispõe na Seção II sobre a composição do quadro. Diz a Lei:
“Art. 7.º O quadro de pessoal da Prefeitura
de Aiquara é composto de uma parte permanente e de uma parte temporária.
§ 1.º A parte permanente é constituída de:
I – cargos de provimento efetivo;
II – cargos de provimento em comissão;
III – função gratificada;
§ 2.º A parte temporária é constituída por
servidores contratados sobre o regime da Legislação Trabalhista, podendo o
Prefeito Municipal altera-la, mediante decreto, sempre que o volume de serviço
justificar a contratação.”
13.
Neste mesmo
diploma legal ficou estabelecido no Capítulo II o seguinte para os cargos
públicos:
“Art. 8.º Os cargos classificam-se em cargos
de provimento efetivo e cargos de provimento em comissão.
Art. 9.º Cargo de provimento efetivo é
aquele preenchido em caráter permanente, mediante concurso público de provas
escritas e/ou práticas e de títulos, para o nível inicial da classe.
Parágrafo Único. Os cargos de provimento
efetivo são os constantes do Anexo I desta Lei.”
14.
O anexo aprovou
cargos e criou vagas para a Prefeitura de Aiquara. Entretanto, estas vagas se
não foram preenchidas por candidatos que na época fizeram concurso público, não
mais existem por força da Constituição Federal de 1988 que estabeleceu novas
regras para o provimento dos cargos públicos e, ainda, por força de normas
municipais posteriores que a revogaram integralmente. A exemplo da Lei
Municipal n.º 320/95, de 21 de junho de 1995 que instituiu o regime jurídico
único dos servidores do Município de Aiquara. Por este instrumento foram
revogadas todas as normas pretéritas que tratavam de provimento e normatização
dos cargos públicos. Inclusive, por ter, esta norma, disposto no seu artigo 12
que a partir da data de sua publicação o Poder Executivo encaminharia à Câmara
Municipal os seguintes projetos de lei para obedecerem ao regime estatutário:
a)
reestruturação da administração municipal;
b)
sistema de carreira dos servidores públicos;
c)
plano de carreira e vencimentos;
d)
estatuto dos funcionários públicos do município;
e)
estatuto do magistério público municipal.
15.
Devemos ficar
atentos para o seguinte: a Lei n.º 320/95 definitivamente enterrou toda a
legislação pretérita para os servidores públicos do Município de Aiquara a
partir de sua edição. Sobre esta questão não há dúvidas. Foi esta norma que
definiu o regime único para o Município de Aiquara, para atender ao que a
Constituição Federal exigia na época. Entretanto, para que, não houvesse vácuo
jurídico, esta Lei adotou o Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado da
Bahia e do Magistério Público Estadual para os Servidores do Município de
Aiquara (Art. 12, parágrafo único).
16.
A verdade é que
a partir de 21 de junho de 1995 até esta data não existe, no Município de
Aiquara, nenhum instrumento legal que o ampare a promover concurso público para
cargos efetivos; e, todos os cargos municipais, tenham sido estes providos por
concursos ou não, a partir de tal data, estão caracterizados como temporários.
Uns por terem sido criados nestas condições, como é o caso dos comissionados.
E, outros por não terem sido criados, e abertas as respectivas vagas por Lei,
e, ainda, por não terem regras jurídicas próprias para que subsistam, pois as
normas jurídicas sobre pessoal aplicadas ao Estado da Bahia, não servem para o
Município de Aiquara ou qualquer outro ente federado que seja.
17.
Apesar do
legislador, ao elaborar a Lei n.º 320/95, ter se preocupado com o vácuo
jurídico, ao inserir o Parágrafo Único ao Artigo 12 em tal instrumento legal; o
município caiu neste vácuo por ter se omitido nas providências em razão de não
ter implantado as normas necessárias que dariam a base jurídica para o pessoal
da administração pública municipal.
18.
Para melhor
compreensão, transcrevemos aqui os dispositivos comentados nos itens 15, 16 e
17 deste parecer:
“Art. 12. Com a publicação desta Lei, dentro
de 180 (cento e oitenta) dias o Poder Executivo encaminhará à Câmara Municipal
Projetos de Leis que obedecerão ao regime Estatutário, dispondo sobre:
I – reestruturação da Administração
Municipal;
II – sistema de carreira do servidor
público;
III – plano de carreira e vencimentos;
IV – estatuto dos funcionários públicos do
município;
V – estatuto do magistério público;
Parágrafo Único. Até que sejam editadas as
Leis previstas nos incisos IV e V, serão obedecidas supletivamente o Estatuto
dos Funcionários Públicos do Estado da Bahia e o Estatuto do Magistério Público
Estadual.”
19.
Através do Decreto n.º 1.761, de 30 de novembro de
1995, o Chefe do Executivo Municipal, na tentativa de cumprir ao disposto na
Constituição Federal (artigo 37, I e II) criou vagas para cargos efetivos com
base na Lei 320, de 21 de junho de 1995 que implantou o regime jurídico único.
Vê-se que foi uma decisão desesperada para promover o concurso público que o
TCM e o Ministério Público da União estariam a exigir para que se fizesse prevalecer
a ordem do dispositivo constitucional. Este desespero foi por falta de norma
jurídica básica que garantisse o sistema de administração de pessoal.
Contribuiu para isto o impatriotismo da Câmara que se negou a apreciar os
projetos de Leis encaminhados pelo Chefe do Executivo e que tratavam da
questão.
20.
Como o Decreto não é instrumento legal para criação de
cargos e abertura de vagas para tais cargos, os servidores que fizeram o
concurso público acreditando na efetivação foram eliminados do quadro pelo
Chefe do Executivo que sucedeu ao autor de tal ato. A alegação foi de que o
provimento dos cargos foi ilegal. Entretanto, se as normas básicas para a
administração de pessoal não foram implantadas até o momento atual também são
considerados ilegais todos os demais provimentos para cargos efetivos. E, todos
os que submeteram a concursos e foram admitidos nada mais são do que servidores
temporários e, portanto, sujeitos a demissão para atender a necessidades e
interesses da administração pública.
21.
Em 10 de junho de 1998 o Município de Aiquara editou a
Lei n.º 361 que dispõe sobre a estrutura
do plano de carreira dos trabalhadores em educação no Município. A Lei, por
sinal com falhas graves no seu conteúdo, onde foram incluídos cargos de apoio à
área educacional, tais como: auxiliar administrativo, agente administrativo
auxiliar, datilógrafo, merendeira, técnico de nível superior, etc. Esta Lei é
impraticável e contraditória por estar eivada de vícios. Além disto não foram
abertas as vagas necessárias para os cargos por ela denominados nos artigos
1.º, § Único e 16, § Único.
22.
Sabe-se que os concursos públicos realizados pela
Prefeitura de Aiquara definiram as regras fixadas no seu próprio edital de
concurso. O que parece ser correto dentro do ponto de vista de quem é leigo na
matéria. Entretanto, o edital só poderá colocar em concorrência o número de
vagas que tenham sido criadas por Lei. Número que poderá ser igual ou inferior
ao criado e nunca superior.
23.
As realizações dos concursos poderiam ter sido barradas
na época. Entretanto, as suas realizações sem que houvesse ações que os
paralisassem não implica na regularidade do provimento dos cargos. O processo
da aferição do conhecimento dos candidatos foi legal e sem vícios, é o que se
presume, entretanto, a deflagração do concurso para cargos que não existiam é
que foi ilegal.
24.
Pela análise sistemática e criteriosa das normas e atos
editados dentro de determinado período, especialmente de 1988 até 2001,
poderemos afirmar categoricamente que os concursos realizados para provimento
de cargos efetivos a partir de tal data, para a Prefeitura de Aiquara, foram
todos ilegais; o que os sujeitam a nulidades, como também, por conseqüência,
foram ilegais também, o provimento dos cargos com pretensões de ocupações
efetivas.
25.
Existem duas vertentes a serem seguidas pelo Executivo
Municipal. Ou a decretação da nulidade do concurso ou a demissão simples por
ilegalidade no provimento dos cargos. Esta segunda vertente como conseqüência
da situação que originou a primeira. Isto é: por não terem existido cargos
criados por lei em número certo.
26.
Em qualquer das situações os servidores que laboraram
no Município por provimento irregular e ilegal são considerados temporários e,
portanto, sujeitos às demissões por força das normas que limitam os Municípios
aos gastos com pessoal.
III – CONCLUSÃO
27.
Concluímos este parecer com as seguintes observações:
a)
No Município de Aiquara não existe uma base jurídica
sólida e necessária que o permita gerenciar o seu pessoal na forma estabelecida
pelos dispositivos constitucionais;
b)
Não existem cargos públicos efetivos para o Município
de Aiquara criados por Lei, nem para o pessoal geral, nem para o pessoal do
magistério a partir de 05 de outubro de 1988.
c)
Os concursos realizados após 05 de outubro de 1988 pelo
Município de Aiquara foram todos ilegais o que os sujeitam às nulidades;
d)
Os servidores admitidos pelo Município por força de
tais concursos são considerados temporários e sujeitos a demissão ao interesse
da administração pública municipal;
e)
Os direitos destes servidores são os mesmos definidos
para os contratados dentro da temporariedade pelo regime especial de trabalho.
28.
É o Parecer.
Salvador(Ba.), 30 de julho de 2001
Nildo Lima Santos
Consultor em Administração Pública.
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