sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Processo de Escolha de Conselheiros Tutelares. Parecer Sobre Dispositivo de Lei Municipal.





I – RELATÓRIO

1. Face à posição pessoal de membro do Ministério Público e, que é contrária à posição do Legislador para a inteligência do artigo 2º da Lei Municipal nº 1426/95 – que redefiniu o Conselho Tutelar do Município de Juazeiro – , ouso-me, na condição de Consultor em Administração Pública e na condição de Bacharel em Ciências Administrativas e, ainda na condição de ter sido o técnico que elaborou o projeto de lei definindo o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, a elaborar o presente Parecer a título de orientação aos estudiosos da área jurídica, da motivação que levou o legislador a elaborar tal dispositivo atacado por representante do Ministério Público em Juazeiro – Ba e, por membros do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente da referida cidade. 

2. Diz o dispositivo em questão:

“Art. 2º Os conselheiros serão eleitos individualmente por votação secreta promovida pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, em eleição presidida pelo Presidente da Câmara Municipal de Vereadores e fiscalizada pelo representante do Ministério Público da Comarca de Juazeiro.

Parágrafo Único. Votarão para a escolha dos membros do Conselho Tutelar:

I – os membros titulares e suplentes do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA;

II – os vereadores municipais, inclusive o Presidente da Câmara Municipal de Vereadores;

III – Secretários Municipais, exceto os nomeados como membros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente;

IV – instituições civis inscritas previamente no CMDCA para participação do pleito e que não estejam representadas em tal Conselho.”


II – PARECER

3. Antes de atacarmos frontalmente o problema, convém relembrarmos, alguns princípios básicos constitucionais, já que, a maior afirmação dos que se contrapõem ao dispositivo da Lei, ora atacada, é de suposta inconstitucionalidade.

4. Então vejamos:

Com a Constituição de 1988, o Município passou a gozar de muitas prerrogativas até então só receitadas para os Estados e União. Prerrogativas que, dentro da forma Federativa de Governo Republicano, e do princípio democrático, elevou o Município a condição de ente-Federado para compartilhar juntamente com as demais esferas de governo: União (governo federal) e Estados Federados (governos estaduais), de competência e capacidades autônomas dentro das suas peculiaridades. Capacidades estas delimitadas das fronteiras de atuação e de convivência de tais entes federados.

5. Melhor esclarecendo: - foi reconhecido, através da Carta Magna, o poder de auto-organização do Município, com governo próprio e competências exclusivas. Tornou-se plena a capacidade de auto-governo para o Município, a qual se assenta na sua autonomia amparada pelas seguintes capacidades, já mencionadas pelo ilustre Mestre de Direito Administrativo e Constitucional JOSÉ AFONSO DA SILVA, in “O Município na Constituição de 1988”, pg. 8:

      “(...........)
a)   capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica;
b)   capacidade de auto-governo pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais;
c)    capacidade normativa própria, ou capacidade de autolegislação, mediante a competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar;
d)   capacidade de auto-administração (administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local).”

6. A capacidade de auto-organização está assentada no artigo 29 da C.F. que, impõe ao ente-federado Município a necessidade de ter a sua própria carta geral que é a Lei Orgânica, estabelecendo ainda preceitos próprios aos municípios a serem adicionados aos princípios constitucionais.

7. Dentro destas capacidades está implícito que o município legislará sobre os assuntos de interesse local, inclusive suplementando, no que couber, a legislação Federal e Estadual. Dentro outros, ainda, a capacidade de organizar os seus serviços, tudo dentro do permissivo constitucional (art. 30 C.F.).

8. A autonomia municipal foi fortalecida, ainda, através do dispositivo constitucional (art. 39) que atribuiu ao Município, independência de criar, organizar e prover os cargos públicos, quer sejam remunerados ou não, através de leis municipais, vedada qualquer interferência dos demais entes-federados (Estados e União).

9. Para o exercício dessa autonomia, cabe à Lei Orgânica Municipal, respeitadas as limitações e princípios constitucionais, discriminar as funções de governo e funções administrativas que, dentre estas, “stricto sensu”, estão as relacionadas à definição da estrutura orgânica do governo, do provimento de cargos públicos municipais, inclusive com a expedição de atos e normas referentes à vida funcional dos servidores locais.

10. A Lei Orgânica do Município de Juazeiro, atendendo aos ditames da Constituição Federal, nesta questão não foi omissa, já que nos Incisos IX e X do artigo 10, previu como competência a capacidade que tem o Município de organizar o seu quadro de pessoal - inclusive com o estabelecimento do regime jurídico- e de organizar e prestar os serviços públicos de interesse local.

11. Ainda, discorrendo os dispositivos da Lei Orgânica nos deparamos com o art. 43, § 1º, Inciso II, alíneas, “a”, “b” e “c”, que nos informam que são de iniciativa privada do prefeito, as leis que disponham: sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autarquia e suas remunerações; sobre servidores públicos municipais, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; e, ainda, sobre criação, estruturação e competência das secretarias municipais, conselhos e órgãos da administração pública municipal.

12. O Prefeito Municipal poderá pedir a participação direta da comunidade, em seus atos de governo, através de órgãos de assessoramento e conselhos constituídos por representantes de seus segmentos, isto é o que diz o parágrafo único do art. 63 da LOM.

13. Ainda sobre a questão, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, art. 132) está claro que, o Conselho Tutelar é composto de membros escolhidos pela comunidade local.

14. Está bastante cristalino nos dispositivos legais e constitucionais, aqui, ora mencionados e, ora transcritos, de que, a presença da inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Municipal, em questão, não tem sustentação face à nova ordem jurídica imposta pela Carta Magna que sustenta o Município como ente-federado com autonomia que lhe é atribuída por princípios vários já abordados aqui, tendo para o caso, como pontos fortes e de auto-organização e de organização e provimento dos cargos públicos, além da capacidade de legislar sobre assuntos de interesse local. Estes são então os princípios inafastáveis para a sustentação da constitucionalidade da Lei.

15. Descartada a inconstitucionalidade da Lei Municipal, poderá, também, ser descartada a ilegalidade de tal norma frente a disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069), já que, a Lei Orgânica Municipal, especificamente, os artigos 10 e 43, que tratam da organização do quadro de pessoal e seu provimento, foi taxativa quanto a tal organização, portanto, ficando prejudicado o artigo 132, do mencionado Estatuto, que definiu que os membros do Conselho Tutelar serão escolhidos pela comunidade.

16. Pela argumentação já exposta, percebe-se nitidamente a inconstitucionalidade do artigo 132 da Lei Federal nº 8.069, por invasão de competência privativa do Município para, por Leis próprias, se auto-organizar e prover os seus cargos públicos. Mas, este caso é uma outra questão que fecharemos com os ensinamentos das ilustres Advogadas de São Paulo BETTY E. M. DANTAS PEREIRA E LAIS DE ALMEIDA MOURÃO, in BDM – Boletim de Direito Municipal, páginas 568, outro/92, em parecer com o titulo CONSELHOS MUNICIPAIS SUAS ATRIBUIÇOES, COMPOSIÇÃO E FUNCIONAMENTO SÃO MATÉRIAS RESERVADAS À LEI DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO:

 ““sobre Conselhos Municipais:
.........................................................................................................................
Por não constituírem organismos autônomos, são diretamente ligados ao Poder Executivo. Não possuem poder deliberativo ou normativo - estes são inerentes aos Poderes constituídos:
“Executivo, Legislativo e Judiciário. Portanto, prevista na LOM a criação de Conselhos Municipais, lei municipal posteriormente, deverá regulamentá-los, estabelecendo os critérios para sua composição e atribuições, bem como as normas para seu funcionamento.”
(............).

Como organismos participes da estrutura administrativa do Poder Executivo, ao qual se vinculam, os Conselhos Municipais serão criados por lei de iniciativa exclusiva do prefeito do Município, consoante estabelecem os arts. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, e 44, II, da Lei Orgânica de Lins.
Vejamos este último artigo:

“Art. 44 – Compete exclusivamente ao Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:
(........);

II – criação, estruturação e atribuições das secretarias municipais e órgãos da administração pública.”
(........).

1. A Lei Orgânica Municipal de Lins, ao conferir caráter deliberativo aos Conselhos Municipais, feriu o princípio da harmonia e independência entre os Poderes locais, porque retirou da órbita do Executivo numa competência exclusivamente sua, qual seja, a de dar início ao processo legislativo concernente à criação daqueles organismos vinculados administrativamente ao concernente ao Prefeito.

2. Frente a essa usurpação legislativa, poderá o Prefeito Municipal argüir, perante o Tribunal de Justiça do Estado, a inconstitucionalidade daqueles dispositivos da LOM, por força dos arts. 90, II e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
(........).””

17. Considerando, portanto, que Conselho Municipal é um órgão de governo, jamais desvinculado do mesmo, podemos então afirmar que seus membros, em sentido lato, são servidores municipais cuja forma de provimento depende unicamente de disposição de Lei Municipal com regulamentação especifica do Executivo (Decreto), não cabendo destarte, qualquer interferência de outras esferas de governo.

18. Na argumentação, ainda, da ilegalidade do dispositivo atacado, quando pela aplicação do princípio “lato sensu” da democracia, é forçoso citar “MONTESQUIEU” – in o Espírito das Leis, Saraiva, 1987.”

“(.........).

O povo que tem o poder soberano deve fazer por si mesmo tudo que pode fazer bem; e o que ele não pode fazer bem, cumpre que o faça através de seus Ministros.
(.........).
Ele deve decidir só através de coisas que não possa ignorar, e de fatos que caiam sob os sentidos.
(.........).”

19. Nota-se aí, portanto, que a Democracia como princípio no “sentido lato” exige uma profundeza de entendimento e, que esta profundeza reside no fato da representatividade. Neste ponto, o dispositivo atacado não pode ser considerado ilegal. Resta então por fim, o entendimento do que vem a ser representatividade.

20. Não são por acaso, os Vereadores e dirigentes de instituições civis: representantes das comunidades que as abrangem? A resposta, para o bom senso, não poderá jamais ser negativa, por mais chulo que seja o conceito de representatividade.

21. Poderia então, os descontentes, continuarem no ataque ao dispositivo da Lei Municipal “in casu”, com a argumentação de que, afastada a hipótese da inconstitucionalidade do artigo 132 da Lei Federal nº 8.069, os membros do Conselho terão que ser escolhidos pela comunidade local. Repitamos:
“Comunidade local”. Ora, este conceito é muito amplo e inclui todos os viventes humanos do Município. Então, será isto racional e o que o legislador quer, ou quis?
Se a resposta for positiva, então será impossível a constituição do Conselho Tutelar.

22. Ainda insatisfeitos admita-se que, “ad argumentandum” na procura de uma saída proporão um processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar através dos eleitores do Município, ou comunidade abrangida, inscritos junto ao Cartório Eleitoral. Não se estaria aí o Município legislando além do seu alcance? Inclusive por adoção de um sistema específico e regulado por Lei Federal? São questionamentos que deverão ser considerados pois, por mínimo que seja o controle dos eleitores, estar-se-á impondo obrigações para o fornecimento de listagem de eleitores com nomes e números de títulos, bem como, a promoção de recursos extras para a impugnação de registros e outros. Imagine então, o custo de uma eleição desta natureza. Seria possível uma Lei Municipal impor a participação de qualquer Juiz Eleitoral neste processo de escolha? Imagine ainda, a mobilização de eleitores numa grande cidade como Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro etc. Onde está a sustentação então, dos princípios para a invalidação do dispositivo da Lei Municipal atacada? Será que podemos descartar os princípios da razoabilidade e da economicidade, tão usados no Direito Administrativo?

23. Continuando insatisfeitos com o teor do dispositivo da Lei Municipal atacada, ou não convencidos da Constitucionalidade ou legalidade do texto, poder-se-ão então, argüir a hipótese da inconstitucionalidade de tal dispositivo por estabelecer que a eleição para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será presidida pelo Presidente da Câmara Municipal de Vereadores e fiscalizada pelo representante do Ministério Público.

24. Observe-se que, em momento algum o texto legal – seja através da análise literal ou da análise interpretativa –, indica a participação do Presidente da Câmara na composição de Conselho Municipal. Diz sim, o texto: “que o Presidente da Câmara Municipal de Vereadores, assim como o Representante do Ministério Público, participarão, em determinado instante, do processo eleitoral.” Assim como o Representante do Ministério Público – com a agravante deste pertencer a outra esfera de governo –, representa a sua instituição, também, o Presidente da Câmara Municipal de Vereadores representa a instituição por ele presidida, com a atenuante da representação “in casu” ser na esfera de governo ao qual pertence.

25. Descartada então, a suposição da participação do Presidente da Câmara Municipal de Vereadores em cargos do Conselho, destarte nos impõe afirmar de que a participação, tanto do mesmo quanto do Representante do Ministério Público, é meramente fiscalizadora. Papel que lhes foi atribuída através dos dispositivos constitucionais. Isto, contudo, sem nos esquecermos do princípio maior que abaliza o Município para legislar sobre assunto de interesse local.

26. Assim como a União tem autonomia para legislar sobre o processo eleitoral para a escolha dos governantes e parlamentares das três (03) esferas de governo, envolvendo cidadãos e instituições várias. Pelo mesmo princípio “lato sensu” o Município, através do processo de escolha para microssistemas eleitorais, por ele estabelecidos, poderá também, envolver os cidadãos e as instituições municipais, observando, contudo, os seus limites territoriais e princípios para não exorbitar a outras esferas de governo e á vida privada, a não ser através de dispositivos que as facultem à participação.

27. Pelo exposto, e, face às argumentações de vários autores que se aplicam ao caso, opino pela manutenção do dispositivo da Lei que redefine o Conselho Tutelar (art. 2º da Lei Municipal nº 1.426/95) por não ter sido caracterizado a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade de tal dispositivo.

28. É o parecer.


NILDO LIMA SANTOS
Consultor em Administração Pública
Referenciado p/UNICEF/Ba em Assuntos de Administração Pública



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