Nildo Lima Santos. Consultor
em Administração Pública
Excertos de peça de recurso junto ao INSS em razão da imputação de supostos débitos previdenciários junto a ente municipal, elaborada por técnicos em conjunto com o consultor Nildo Lima Santos. Parte que se trata da aplicação da multa ao ente público municipal pela referida autarquia da União.
A
multa decorre, sempre, do poder de polícia administrativa exercida pelas
pessoas de direito público. Acontece que
o Município goza de autonomia política, administrativa e financeira estando,
nesse sentido, no mesmo patamar e independência que a União e os Estados.
Inconcebível, assim, possa o Município sujeitar-se a aplicação de multas pela
União e Estados. Muito menos pelas Autarquias, como é o caso do INSS.
A
questão foi bem analisada pelo eminente jurista TOSHIO MUKAI ao responder consulta formulada nesse sentido:
“A resposta ao quesito impõe que examinemos os traços principais do poder
de polícia.
Para
tal recorremos aos ensinamentos do saudoso Mestre Hely Lopes Meirelles:
“Poder de
polícia é a faculdade de que dispõe a administração Pública para condicionar e
restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais da coletividade
ou do próprio Estado.
Em linguagem
menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de
frenagem de que dispõe a Administração Pública para combater abusos do direito
individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a
Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar
contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à
segurança nacional.” (In Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo,
Malheiros, 19a ed., p. 115) (grifamos).
A sábia
lição do Mestre Hely Lopes Meirelles nos conduz
à importante conclusão: o poder de polícia será exercido sobre os particulares
e, como veremos adiante, em decorrência da supremacia da Administração:
“a razão do poder de polícia é o interesse social e o seu fundamento
está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as
pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos
constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem
condicionamentos e restrições individuais em favor da coletividade, incumbindo
ao Poder Público o seu policiamento.” (Hely Lopes Meirelles, in ob. Cit., 116)
(Grifos nosso).
Verificamos
o conceito e os fundamentos do poder de polícia, analisemos as preciosas
considerações doutrinárias a respeito da possibilidade, ou não, da aplicação de
multa entre pessoas de direito público.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em
precioso artigo, cujo tema é a impossibilidade de o INSS multar Municípios, tece
considerações indispensáveis à solução da questão posta.
Inicia
seu artigo conceituando a multa, no campo do Direito Público.
“Multa, no campo do Direito Público, é
sanção de ordem pecuniária, cabível quando prevista em lei, imposta pelo poder
público aos que descumprem deveres para com ele. Seu fundamento, obviamente, é
o imperium do Estado, é a
supremacia, sobre os que lhe estão sujeitos, assim como seu pressuposto é a
inadimplência de um dever.” (RDP 11/298) (grifos do autor).
Prossegue,
nas suas bem traçadas palavras, dedicando-se à supremacia do Estado:
“A polícia administrativa, o direito do expropriatório, a constituição
de serões servem de exemplo da supremacia geral. O Estado exercita tais
poderes, sobre pessoas e bens, estribado, apenas em sua posição altaneira, de
autoridade guardiã do interesse público (...). Do exposto, segue-se que só pode
impor multa quem desfruta de superioridade sobre outrem e só pode sofrê-la quem
padeça de inferioridade em relação ao impositor dela.
Inexiste um desnivelamento de planos, revelador da supremacia jurídica
de uma das partes, é despropositado cogitar de multa.
Daí ser rematado dislate, data vênia,
admitir-se a hipótese de que uma pessoa meramente administrativa possa onerar
com multas uma entidade política, de dignidade constitucional como é o
Município (...). Este é o motivo pelo qual o INSS – simples autarquia – não
pode multar municípios (...). Como, pois, imaginar possa um município estar
colocado em situação de inferioridade, sujeito a um imperium de que a multa é expressão? (destaque
do consultor)
Como supô-lo alcançável diante de uma simples entidade autárquica como
o INSS?
Finaliza, o eminente Administrativista, de maneira jocosa e taxativa:
“No dia em que o motorista particular
multar a autoridade de trânsito, no em que o cidadão tributar o Estado, em que
o Município decretar intervenção municipal no Estado e este, intervenção
estadual na União, talvez se possa cogitar de multa do Instituto Nacional da
Seguridade Social sobre o município.” (destaque do consultor)
Como diria o próprio Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, o conteúdo
deste artigo “calha à viveleta”. Não abandonamos, todavia, as considerações de
outros autores sobre o tema.
O Prof. Geraldo Ataliba, indagado a este mesmo respeito no XII curso de
Direito Municipal, realizado em Itanhaém, respondeu enfaticamente asseverando
que:
“A multa é sempre uma punição. As entidades públicas não se punir umas
às outras e, por isso, não podem nenhuma pessoa pública, seja ela autárquica,
seja pessoa política, pagar multa a outra pública.” (RDP 21/283).
A Consultoria-Geral da República, parecer de lavra do Dr. Aroaldo Mesquita
da Costa, sob Cobrança de multas e mora entre pessoas
de Direito Público – Inviabilidade, cita decisão unânime da Egrégia
Segunda Turma do Tribunal Federal de Recursos, em julgamento da A Civil n°. 14.168, de São Paulo:
“As autarquias, órgãos delegados da União, falece autoridade para
exercer poder de polícia administrativa, impondo multas a outras entidades de
direito público.” (RDP 5/175) (destaque nosso).
Conveniente
se faz extrair deste mesmo parecer o erudito voto do eminente Min. Oscar
Saraiva, proferido na supramencionada apelação:
“... na hierarquia dos privilégios, o da União prefere ao de suas
autarquias, e seria inteiramente descabido que uma autarquia, órgão delegado da
União, tivesse poderes disciplinares para impor multas a outras pessoas de
direito público, o que é manifestação do poder de polícia administrativa.” (RDP
5/175).
Cabe-nos,
por derradeiro, trazer a lume trecho elucidativo do Acórdão do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo em Ap. Civ. n.°
191.648-2/4, da Comarca de Itanhaém:
“Assim sendo, a aplicação de sanção
administrativa por um ente público de direito público a outro de direito
público constitui-se em intervenção não prevista na Constituição, por um ente
de direito público na esfera de atribuições administrativas de outro ente de
direito público, cerceando a autonomia administrativa estabelecida pela
constituição para outro ente de direito público interno.” (destaque
do consultor)
No corpo
desse acórdão é citado ainda parecer da lavra do Ex-Consultor-Geral da
República, Luiz Rafael Mayer, que conclui: “Não cabe imposição de multa entre
pessoas jurídica de direito público, por inexistência de poder de polícia em
tais casos, no qual se faz menção a parecer no mesmo
sentido emitido pelo Jurisconsulto Adroaldo Mesquita da Costa, bem como a um voto do Ministro Oscar Saraiva, no TRF, que teria concluído
que “seria inteiramente descabido que uma autarquia, um órgão delegado da
União, tivesse poderes disciplinares para impor multa a outras pessoas de
direito público, o que é manifestação de poder de polícia-administrativa.” (In
RDA 119/39f3-398). (destaque do consultor)
Com efeito, ante as considerações de
ordem doutrinária e jurisprudencial trazidas à exaustão, coloca-se de maneira
incontestável a conclusão pela impossibilidade absoluta de imposição de multa
entre pessoas de direito público, posto que a supremacia entre o aplicador da
multa e aquele que irá sofrê-la é requisito essencial para a sua legalidade. E
assim o é, pois a imposição de multa nada é do que o exercício do poder de
polícia administrativa, que, conforme colocou-se inicialmente, tem como
fundamento a supremacia do administrador sobre o administrado. (destaque
do consultor)
In casu, podemos afirmar com segurança que a aplicação de multa
pelo INSS ao Prefeito de Itanhaém reveste-se não de legalidade, mas sim de
inconstitucionalidade, posto que a inexistência de supremacia entre o INSS e o
Município importa na desconsideração da autonomia política do Município de
Itanhaém, pelo INSS, de maneira fragrante. (destaque
do consultor)
Diante de todo o exposto, em resposta objetiva ao quesito, asseveramos
que é inadmissível a imposição de multa, e conseqüentemente mora, entre pessoas
de direito público, dada a inexistência de poder de polícia entre os mesmos.”
Fonte: Boletim de Direito Municipal n.° 07, julho 1994, páginas 067 a 612.
Também, no mesmo
diapasão, é a tese da jurisprudência registrada nos nossos tribunais, os quais seguem a mesma tese que,
ora se expõe, nesta peça. A exemplo:
“TRF
DJU, Seção II, 25/11/1992, pág. 39.466 – col. 01
Agrava de Instrumento n.° 90.04.054006-5-RS
Agravante: Instituto de Administração Financeiro da Previdência e
Assistência Social –IAPAS.
Agravado: Município de Veranópolis – RS
Interesse: Academia Veranense de Assistência a Educação e Cultura.
Relatora: Juíza Luzia Dias Cassales.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
COBRANÇA DE MULTAS. PREFEITURAS MUNICIPAIS.
1. NÃO CABE A
COBRANÇA DE MULTAS INCIDENTES SOBRE DÉBITOS PREVIDÊCIÁRIOS DAS PREFEITURAS
MUNICIPAIS.
2. AGRAVO DE
INSTRUMENTO IMPROVIDO
Acórdão
Vistos
e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 2a
Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região, por unanimidade,
negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório de notas
taquigrafadas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto
Alegre, 8 de outubro de 1992 (data do julgamento)
Fonte: BDM – Boletim
de direito Municipal – Julho/94, pág. 390.
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