quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

NOVO ENFOQUE NA INTERPRETAÇÃO DO § 1º DO ART. 19 DO ADCT/88. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA DE SERVIDOR PÚBLICO


* Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública.

INTRODUÇÃO

Vários argumentos são utilizados para se negar direitos ao servidor que foi estabilizado pelo Artigo 19 do ADCT [1]. Destarte, é imperioso que se dê de forma mais precisa a interpretação de tal dispositivo e, seu parágrafo único, a seguir transcritos:

“Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

§ 1º O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.”

A rigor, o que gera dúvidas é o que está contido no § 1º de tal dispositivo. Se o caput do artigo 19 deu a estabilidade, então, o que quis dizer o legislador constituinte no seu § 1º, especialmente na expressão: [...quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.]?

O que significa e o que quer dizer, então, a expressão: efetivação? E, o que quer dizer a combinação das palavras que formam a oração: concurso para fins de efetivação

Vamos, então, construir o raciocínio sobre o que quer dizer o referido parágrafo utilizando do significado de cada palavra chave, isoladamente, que dá sentido à frase expressa em tal dispositivo constitucional e, que sugere uma boa exegese, considerando a formação da ideia real que se quis o constituinte original. Iniciando-se, destarte, pela expressão que mais tem causado problemas de interpretação em razão de ter se transformado dúbia pelas sucessivas interpretações de conveniências e, até mesmo por equívocos por induções de julgadores que em certo momento, sustentaram exegeses que negam a realidade de princípios, dentre os quais, os da razoabilidade e, o sistêmico que impõe à obediência às ciências naturais onde se afirma e se sustenta que nada está solto e, sempre qualquer elemento tem relação com alguma coisa, cuja relação de interdependência é mais significativa quando relacionada ao sistema como um todo. Isto é, quando relacionada ao sistema geral no cumprimento de suas finalidades. Destarte, entendamos, portanto, o significado das palavras chaves:              

Efetivação é o efeito de se transformar algo em efetivo, isto é, a ação da transformação de algo em efetivo.

A palavra “efetivoé originaria e, segundo dicionário da língua portuguesa significa: “aquilo que existe realmente, existente, real, verdadeiro, positivo, permanente”. E, ainda: “atual, certo, definitivo, numerário”.

Resta-nos então, para melhor elucidação do tema que exige melhor exegese, o significado da palavra permanente.

Permanente, admite vários sinônimos, e alguns significados e, relacionados: I - Quanto ao tempo: Duradouro, durável, eternal, eterno, imorredouro, imortal, infindável, infinito, perdurável, perenal, perene, permanecente, perpétuo; II – Quanto à definitividade: Definitivo, final, imutável, inabalável, inalterável, invariável, último; III – Quanto à constância: Constante, continuado, contínuo, frequente, incessante, ininterrupto, regular; e, IV – Quanto a estabilidade: certo, efetivo, estável, firme, fixo, seguro. Sendo este último significado o que mais nos interesse por clarear a ideia de que estável é o mesmo que efetivo.

UM NOVO ENFOQUE NA INTERPRETAÇÃO DO § 1º DO ART. 19 DO ADCT

Se a efetividade é o mesmo que estabilidade e, que são inseparáveis para que o cargo continue cargo público efetivo, já que a condição deste ser efetivo é decorrente da relação de suas atribuições com as finalidades do ente público, que nestas se ancoram, com relação ao tempo, constância e estabilidade. Então, poderemos dizer que, o servidor ao adquirir a estabilidade adquirirá por consequência – pela inseparabilidade – a efetividade.

Em uma análise menos acurada e, distante da evolução do conceito quando relacionado com os cargos públicos, poderemos dizer que:

O legislador quando incluiu o § 1º ao Artigo 19 do ADCT, assim o fez com intenção do aproveitamento daquele servidor que foi estabilizado, por força do caput deste artigo, ter o direito de usar o tempo de serviço público anterior à data da CF/88 como título quando se submeter a concurso para fins de efetivação. A efetivação a rigor, não se dá tão somente com aquele que foi estabilizado pelo Art. 19 do ADCT, mas, para todos aqueles que se submeterem à concurso público, dentre os quais, os que sequer ostentam qualquer cargo público. Vez que, a efetivação que se trata é inerente ao serviço público e não ao cargo e, está relacionada diretamente à condição deste ser estável, permanente. Isto é, duradouro e efetivo para as finalidades do ente público. Exigindo-se, entretanto, o cumprimento de alguns requisitos para esta condição, tais como: estágio probatório e, reconhecimento por disposições especiais, como foi o caso daqueles que contavam com cinco anos até a data da promulgação da Carta Constitucional. Tanto é que, os legisladores através da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, considerando que as atribuições do Agentes Comunitários de Saúde eram efetivas para o Estado, efetivou-os na administração pública e, que teve como justificativas entendimentos dos Tribunais de Contas, dentre as quais, a do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Decisão T.C. nº. 1.134/2004, em 11 de agosto de 2004 (Proc. TCE/PE nº. 0301499-0)[2], donde extraio excerto da parecer a seguir transcrito:

“... a terceirização somente se mostra admissível na Administração Pública quando se tratar de "atividade-meio", por sua própria natureza (tais como: vigilância, limpeza, conservação, transporte, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicação, instalação e manutenção de prédios públicos), e não constar àquela atividade, ou função equivalente, no plano de cargos da entidade, sendo necessária a ocorrência das duas situações [...] As empresas de locação de mão-de-obra, cooperativas de trabalho, ou mesmo entidades sem fins lucrativos, não podem invadir áreas de atividades onde a terceirização seria inadmitida, seja porque respeitam aos serviços sociais do Estado responsáveis pelos serviços públicos essenciais, seja porque não se poderia furtar à exigência do concurso público, em face da existência de cargos permanentes na estrutura administrativa com as mesmas atribuições das atividades terceirizadas, ainda que meramente acessórias (e.g.: gari, segurança, merendeira e motorista), pois o legislador, ao criá-los, considerou que para o exercício de suas funções far-se-iam necessários servidores públicos regidos por regime jurídico específico”. (destaque e grifo nosso).

Demonstrando que, a efetivação do cargo é inerente à sua duração para o ente público, considerando a duração das atribuições a ele inerentes com as funções primordiais de tal ente. Seja nos quadros onde a investidura seja em cargo público ou em emprego público.

Há de ser observado que o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal[3] admite a investidura em cargo ou emprego público por concurso público de provas ou de provas e títulos. Quando assim define nos deixa bastante claro que, a efetividade de cargo e emprego público está relacionada às atribuições inerentes a estes com as funções dos específicos entes públicos.

Portanto, se a CF de 1988 reconheceu que os que contavam pelo menos cinco anos na administração pública eram estáveis, assim, então, reconheceu que as funções inerentes aos cargos que ocupavam eram definitivas, duradouras e, portanto, efetivas para o Estado. E, também, em sendo assim, por este raciocínio, também se tratavam de cargos públicos. E, foi esta última assertiva que os tribunais de contas inspiraram a Emenda Constitucional nº 51. [4]           
Em simples análises, o incauto, poderia dizer então: Mas quem está cumprindo estágio probatório é efetivo mas, não goza da estabilidade.  E, efusivamente responderei: - Mas, a estabilidade e estabilidade são inerentes ao cargo e, não a quem os ocupa. Quem o ocupa, quando passar pelos pré-requisitos probatórios, terá por consequência, todos os requisitos que o reconhecerá para que assimile os atributos do cargo e que se relacionam ao tempo, à constância e à estabilidade. A partir daí, seguem juntos até que um dia possa ser separado pelo desligamento do servidor do cargo, inclusive e, habitualmente – quando este fizer parte de plano de carreira – por promoção e, por acesso mediante um novo concurso público para cargo distinto da carreira que ocupa. Daí o legislador constituinte teria que prever o uso deste tempo para que seja levado como vantagem para outro cargo de natureza efetiva. Portanto, a expressão do § 1º do Artigo 19 do ADCT: “O tempo de serviço [...] será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.” A expressão final: “...na forma da lei.” quer dizer: cargos criados por lei, inclusive, com regras de provimento estabelecidas para a carreira e, para a sua duração que se relacionam à simples estabilidade ou vitaliciedade.

DAS ANÁLISES DA EVOLUÇÃO DO TEMA NA HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Não satisfeitos com a argumentação aqui exposta poderão os exegetas promover estudos começando pela digressão nas cartas constitucionais, desde o império e que vigorou de 05 de março de 1824 até a Carta Constitucional de 1969, com relação ao reconhecimento da evolução do conceito de efetividade do cargo para com o Estado Brasileiro:

1. Constituição do Império, de 05 de março de 1824 [5], que vigorou até 23 de fevereiro de 1891:
   
“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
[...].

XIII. Todo Cidadão pode ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos, ou Militares, sem outra diferença, que não seja a dos talentos e virtudes.”

2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, de 24 de fevereiro de 1891 [6], que vigorou a 15 de julho de 1934:

“Art. 73. Os cargos públicos civis, ou militares, são accessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial, que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas.

Art. 74. As patentes, os postos e os cargos inamovíveis são garantidos em toda a sua plenitude.”

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934 [7], que vigorou até 9 de novembro de 1937:

“TITULO VII – DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

Art. 168. Os cargos públicos são accessíveis a todos os brasileiros, sem distinção de sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei estatuir.

Art. 169. Os funcionários públicos, depois de dois annos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez annos de effectivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciaria ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e no qual lhes seja assegurada plena defesa.

Paragrapho único. Os funcionários que contarem menos de dez annos de serviço effectivo não poderão ser destituídos dos seus cargos, senão por justa causa ou motivo de interesse publico.

Art. 170. O Poder Legislativo votará Estatuto dos Funcionarios Publicos, obedecendo ás seguintes normas, desde já em vigor:

1º, o quadro dos funcionários públicos compreenderá todos os que exerçam cargos públicos, seja qual fôr a fórma do pagamento;

2º, a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas, e nos demais que a lei determinar, effectuar-se-á depois de exame de sanidade e concurso de provas e títulos;”

Constituição Federal de 10 de novembro de 1937 [8], que vigorou até 17 de setembro de 1946:

“Art. 156. O Poder Legislativo organizará o Estatuto dos funcionários Públicos, obedecendo aos seguintes preceitos desde já em vigor:

a) o quadro dos funcionários públicos compreenderá todos os que exerçam cargos públicos creados em lei, seja qual fôr a forma do pagamento;

b) a primeira investidura nos cargos de carreira far-se-á mediante concurso de provas ou de títulos;

c) os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em todos os casos, depois de dez anos de exercício, só poderão ser exonerados em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, em que sejam ouvidos e possam defender-se;”

Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946 [9], que vigorou até 23 de janeiro de 1967:

“TÍTULO VIII – DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
[...].

Art. 186. A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde.

Art. 187. São vitalícios somente os magistrados, os Ministros do Tribunal de Contas, os titulares de ofício de justiça e os professores catedráticos.

Art. 188. São estáveis:

I – depois de dois a os de exercício, os funcionários efetivos nomeados por concurso;

II – depois de cinco anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados sem concurso.

Parágrafo único.  O disposto neste artigo não se aplica aos cargos de confiança nem aos que a lei declare de livre nomeação e demissão.

Art. 189. Os funcionários públicos perderão o cargo:

I – quando vitalícios, somente em virtude de sentença judiciária;

II – quando estáveis, no caso do número anterior, no de se extinguir o cargo ou no de serem demitidos mediante processo administrativo em que se lhes tenha assegurado ampla defesa.

Parágrafo único. Extinguindo-se o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada até o seu obrigatório aproveitamento em outro cargo de natureza e vencimentos compatíveis com o que ocupava.”

Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1967 [10], que vigorou até 16 de outubro de 1969:

“SEÇÃO VII
DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

Art. 95. Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, preenchidos os requisitos que a lei estabelecer.

§ 1º A nomeação para cargo público exige aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.

§ 2º Prescinde de concurso a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração.
[...].

Art. 98. São vitalícios os magistrados e os Ministros do Tribunal de Contas.

Art. 99. São estáveis, após dois anos, os funcionários, quando nomeados por concurso.

§ 1º Ninguém pode ser efetivado ou adquirir estabilidade, como funcionário, se não prestar concurso público.     

§ 2º Extinto o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada, com vencimentos integrais, até o seu obrigatório aproveitamento em cargo equivalente.
[...].

Art. 103. A demissão somente será aplicada ao funcionário:

I – vitalício, em virtude de sentença judiciária;

II – estável, na hipótese do número anterior, ou mediante processo administrativo, em que se lhe tenha assegurado ampla defesa.

Parágrafo único. Invalidada por sentença a demissão de funcionário, será ele reintegrado e quem lhe ocupava o lugar será exonerado, ou, se ocupava outro cargo, a este será reconduzido, sem direito a indenização.” 
 
Constituição da República Federativa do Brasil, 17 de outubro de 1969[11], que vigorou até 04 de outubro de 1988:

“Seção VIII
Dos Funcionários Públicos

Art. 97. Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.

§ A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei.

§ 2º Prescindirá de concurso a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração.
(...).

Art. 100. Serão estáveis, após dois anos de exercício, os funcionários nomeados por concurso.

Parágrafo único. Extinto o cargo ou declarada pelo Poder Executivo a sua desnecessidade, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

Art. 105. A demissão somente será aplicada ao funcionário:

I – vitalício, em virtude de sentença judiciária;

II – estável, na hipótese do número anterior mediante processo administrativo, em que lhe seja assegurada ampla defesa.

Parágrafo único. Invalidada por sentença a demissão, o funcionário será reintegrado; e exonerado quem lhe ocupava o lugar ou, se ocupava outro cargo, a este será reconduzido, sem direito a indenização.

Art. 106. O regime jurídico dos servidores admitidos em serviços de caráter temporário ou contratados para funções de natureza técnica especializada será estabelecido por lei especial.”    

Das análises e estudos das sucessivas Constituições Brasileiras, desde o Império, observamos que, em momento algum, o conceito de efetivo se sobrepõe ao conceito de estável, sendo este último o que mais se sustenta como justificativa à efetividade do vínculo de determinadas atividades, sistematicamente agrupadas em cargo público, com as funções primordiais do Estado. Dando-nos a certeza de que ambas expressões – efetividade e estabilidade – estão diretamente relacionadas à duração das atribuições inerentes ao cargo público e, de sorte que, este quando ocupado por um agente público, que é a condição essencial para que o Estado exista efetivamente, o dará vida real, no fato de que, as ações pensadas e teorizadas pelos organizadores do Estado e, que foram positivadas pelas normas jurídicas é que lhes assegurarão os princípios da efetividade do estado; da continuidade dos serviços públicos, com sua constância; da sua durabilidade; da sua permanência; da sua estabilidade; e, da sua definitividade. Portanto, a estabilidade é o pressuposto da efetividade e, não é à toa que ambos representam a mesma coisa e são palavras sinônimas uma da outra.  

Neste pensar, o legislador constituinte de 1967, assim o ratificou quando no § 1º do artigo 99 assim dispôs: “§ 1º Ninguém pode ser efetivado ou adquirir estabilidade, como funcionário, se não prestar concurso público.”. Na expressão em destaque e grifada, observa-se que, efetividade se equipara a estabilidade.

A Constituição Federal de 1969 corrobora com esta afirmação, mesmo, que alguns juristas tenham dito, data vênia, que, efetividade não se confunde com estabilidade, Não é isto realmente o que está contido no dispositivo constitucional, vez que, o § 1º do artigo 97, desta referida Carta, diz que o concurso público é forma de provimento, quando assim disse: A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei.

Não se sabe porque razão, alguns dos julgadores do STF decidiram que uma coisa não tem a ver com a outra, isto é, a efetividade com a estabilidade, já que as pretéritas constituições são claras neste sentido, quando observada a boa exegese. Já que não se pode descurar, quando da interpretação de tais conceitos quando relacionada ao ocupante do cargo, que, a rigor, apesar de estar ocupando cargo efetivo, ainda, não adquiriu a estabilidade neste e, portanto, a sua efetividade para a administração pública que lhe é transmitida (transferida) pelo cargo público que ocupa, de natureza efetiva, ainda não existe se este não cumpriu o estágio probatório para que se efetive. Há de ser observado que a efetividade ocorre simultaneamente com a estabilidade. Vejamos o que está disposto no artigo 100 da Carta Constitucional de 1969: Serão estáveis, após dois anos de exercício, os funcionários nomeados por concurso           

Destarte, a compreensão que fica é que o servidor público da administração direta, suas fundações e autarquias, que foi estabilizado de forma anômala pela Constituição Federal, teve o provimento legal pela Carta Magna e, tanto é efetivo como estável.

A efetividade é clara e existe tanto para o servidor vitalício quanto para o estável, incluindo aquele que foi estabilizado pela Carta Magna de forma especial. E, em sendo, assim, a estes ficaram assegurados os mesmos direitos quanto às hipóteses de demissões, conforme se enxerga nos termos, tradicionalmente repetidos, nas sucessivas, constituições:

CF DE 1934 [12]:

“Art. 169. Os funcionários públicos, depois de dois annos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez annos de effectivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciaria ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e no qual lhes seja assegurada plena defesa.”

CF de 1937 [13]:
  
 “Art. 156. O Poder Legislativo organizará o Estatuto dos funcionários Públicos, obedecendo aos seguintes preceitos desde já em vigor:

c) os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em todos os casos, depois de dez anos de exercício, só poderão ser exonerados em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, em que sejam ouvidos e possam defender-se;”

CF de 1946 [14]:

“Art. 189. Os funcionários públicos perderão o cargo:
(...).

II – quando estáveis, no caso do número anterior, no de se extinguir o cargo ou no de serem demitidos mediante processo administrativo em que se lhes tenha assegurado ampla defesa.

Parágrafo único. Extinguindo-se o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada até o seu obrigatório aproveitamento em outro cargo de natureza e vencimentos compatíveis com o que ocupava.”

CF de 1967 [15]:

“Art. 103. A demissão somente será aplicada ao funcionário:

I – vitalício, em virtude de sentença judiciária;

II – estável, na hipótese do número anterior, ou mediante processo administrativo, em que se lhe tenha assegurado ampla defesa.

Parágrafo único. Invalidada por sentença a demissão de funcionário, será ele reintegrado e quem lhe ocupava o lugar será exonerado, ou, se ocupava outro cargo, a este será reconduzido, sem direito a indenização.” 

CF de 1969 [16]:

“Art. 105. A demissão somente será aplicada ao funcionário:

I – vitalício, em virtude de sentença judiciária;

II – estável, na hipótese do número anterior mediante processo administrativo, em que lhe seja assegurada ampla defesa.”

CF de 1988 até a data de início de sua vigência, isto é, 5 de outubro de 1988 [17]:

“Art. 41. São estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa.

§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade.

§ 3º Extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade remunerada, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.”

CONCLUSÃO

Raciocinando-se de forma simples ou complexa, mas, para isto há a necessidade da multiplicidade de conhecimentos que, hodiernamente são explicados pela “teoria do pensamento complexo”, conclui-se com segurança que a efetividade não se relaciona à forma de provimento por concurso público, mas, sim, à estabilidade do conjunto de atribuições em favor do Estado que, necessariamente exige a figura do Agente Administrativo para que se dê vida e alma ao cargo e, por consequência ao próprio Estado que será reconhecido pelo exercício de ações que implicam em procedimentos na execução de atividades de serviços públicos que lhes são inerentes quando impostas pela Constituição Federal que se pressupõe definitiva e, longeva, quando for admitido menor tempo para a sua vigência e, portanto, a duração do sistema político  normativo do Estado em determinado momento. 

Ao se emprestar a expressão “efetiva” ao cargo de provimento por concurso público, apenas se faz no sentido de separá-los dos demais cargos de caráter temporário, já que, para este, necessariamente, é destinado um conjunto de atribuições que se relacionam a uma das funções do Estado que se reconhece perene. Isto é, se reconhece permanente, ou simplesmente estável por se estender, por suposições, dadas as situações presentes, em definitivo, ou por longo tempo.

Destarte, quando o legislador, ao redigir o § 1º do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT/CF88)[18], assim o fez com a intenção do aproveitamento do tempo de serviço anterior à Constituição Federal de 1988, para os que estavam sendo beneficiados pela estabilidade extraordinária. Podendo, portanto, dentre outras situações, utilizá-lo para efeitos de contagem como título para a efetivação em outro cargo, já que, a efetividade inerente a cargo público está relacionada a um conjunto de atribuições que são inerentes à alguma área dentro de uma das funções definitivas e reais do Estado. E, ao migrar de um cargo para outro, por concurso, estar-se-á, definitivamente assumindo novas atribuições efetivas do Estado. Por isto a expressão: “[...] quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.”

A expressão final, do § 1º do artigo 19 do ADCT - “[...], na forma da lei.” -, leva-nos a admitirmos, também, a possibilidade do concurso interno para a administração pública, desde que a lei assim defina. Mas, este é outro tema que já o abordei separadamente deste tema.
   




[1] Constituição Federal de 1988. Edição primeira.
[2] Decisão T.C. nº 1.134/2004, de 11 de agosto de 2004 (Proc. TCE/PE nº 0301499-0).
[3] Constituição Federal de 1988. Edição primeira.
[4] Emenda Constitucional nº 51 à CF de 1988.
[5] Constituição do Império do Brazil, de 05 de março de 1824.
[6] Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, de 24 de fevereiro de 1891.
[7] Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, de 16 de julho de 1934.
[8] Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, de 10 de novembro de 1937.
[9] Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946.
[10] Constituição do Brasil, de 24 de janeiro de 1967.
[11] Emenda Constitucional Nº 1 (Constituição da República Federativa do Brasil, de 17 de outubro de 1969).
[12] Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, de 16 de julho de 1934.
[13] Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, de 10 de novembro de 1937.
[14] Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946.
[15] Constituição do Brasil, de 24 de janeiro de 1967.

[16] Emenda Constitucional Nº 1 (Constituição da República Federativa do Brasil, de 17 de outubro de 1969).
[17] Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988.
[18] Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988.

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