sábado, 27 de dezembro de 2014

ACÚMULO ILEGAL DE CARGO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE QUANDO DE BOA FÉ. INVIABILIDADE DA ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS EX TUNC





QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ
Curitiba, em 30 de outubro de 2007  

Processo:         0413339-9 
APELAÇÃO CÍVEL N. 413339-9, DE NOVA ESPERANÇA, VARA CÍVEL E ANEXOS.
Apelante : ELEITE SHIRLEY GREGÓRIO PACCI
Apelado : MUNICÍPIO DE NOVA ESPERANÇA
Relator : DES. RUY FERNANDO DE OLIVEIRA

RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - ACUMULAÇÃO DE CARGOS - SECRETÁRIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E PROFESSORA ESTADUAL - ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO - LEI MUNICIPAL QUE PERMITIA O RECEBIMENTO DA DUPLA REMUNERAÇÃO - EFICÁCIA ANTES DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - BOA-FÉ DA SERVIDORA CONFIGURADA - INVIABILIDADE DA ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS EX TUNC - APELO PROVIDO PARCIALMENTE.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 413339-9, da Vara Cível e Anexos da Comarca de Nova Esperança, em que é apelante ELIETE SHIRLEY GREGÓRIO PACCI e apelado MUNICÍPIO DE NOVA ESPERANÇA.

1. O Município de Nova Esperança promoveu ação de ressarcimento de danos ao erário contra a professora Eliete Shirley Gregório Pacci com base em inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público, em que não se apurou a ocorrência de improbidade administrativa, com ressalva de apontado recebimento indevido de verbas por esta no desempenho de duas funções, caracterizado como acúmulo ilícito de remunerações.

A magistrada singular, ao fundamento de que é vedada a acumulação remunerada dos cargos de professora da rede estadual com carga horária de 40 horas semanais, colocada à disposição do Município, com ônus para o Estado do Paraná, e de Secretária Municipal da Educação, comissionado, julgou procedente o pedido, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 56 da Lei Municipal n. 1.499/02, na qual se baseara o Município para promover os pagamentos, e condenou a requerida a ressarcir ao erário municipal os valores percebidos entre julho de 2002 e dezembro de 2003, referentes ao exercício do cargo de Secretária Municipal da Educação (f. 154/160).

Apelou a vencida, aduzindo, em suma, que: o autor é carecedor da ação por não ser justa nem precisa a cobrança, pois os proventos foram recebidos em decorrência de lei municipal; a inicial é inepta porque não cabia ao Poder Executivo recusar-se a dar cumprimento a uma lei enquanto esta não for oficialmente declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário; a suspensão da execução das leis pelas respectivas Casas Legislativas opera-se com efeitos ex nunc, ou seja, somente perde a eficácia a partir do momento em que entra em vigor o ato legislativo que suspender a sua executoriedade; o Tribunal de Justiça do Paraná, em ação civil pública, já afastou a imputação de improbidade administrativa por acumulação ilegal de cargos públicos quando não labora de má-fé o servidor público; tornou-se célebre o voto do Ministro Leitão de Abreu no Recurso Extraordinário n. 79.343-BA, do STF, no sentido de que a retroatividade da decisão que declara inconstitucional uma lei, não prescinde do requisito da boa-fé; requer o acatamento das preliminares, ou o reconhecimento de que a declaração incidental de inconstitucionalidade não tem o poder de expurgar do ordenamento jurídico municipal o dispositivo apontado, ou ainda, que prevaleçam os efeitos ex nunc, da sentença monocrática, de modo a não atingir a apelante (f. 164/174).

Contrarrazões pela manutenção do decisório de primeiro grau (f. 182/192), manifestação do Promotor de Justiça e da Procuradoria-Geral de Justiça pelo desprovimento do apelo (f. 194/198 e 209/217).

É, em síntese, o relatório.

2. A requerida/apelante era professora da rede estadual com carga horária de 40 horas semanais e foi posta à disposição do Município de Nova Esperança acumulando o cargo de professora e o de Secretária Municipal da Educação, comissionado, percebendo a remuneração referente a ambos, com fundamento no art. 56 da Lei Municipal n. 1.499/02, vazado nestes termos:

"Quando o cargo de Secretário Municipal de Educação for ocupado por servidor do Quadro Próprio do Magistério do Estado do Paraná, em disponibilidade para o Poder Público de Nova Esperança, tal ocupante terá direito a percepção de valor igual ao atribuído em forma de subsídio para os demais Secretários Municipais".

As preliminares são desde logo afastadas.

A carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido não pode ser reconhecida porque a pretensão manifestada na inicial é prevista em nosso ordenamento jurídico, como bem assentado na sentença. Busca-se, em tese, com base no princípio da moralidade administrativa, na vedação do acúmulo de cargos públicos remunerados, e do enriquecimento ilícito, tudo com apoio em normas constitucionais, a impositiva restituição de valores indevidamente recebidos.

Quanto à pretendida inépcia da inicial, basta que se diga não ser indispensável o prévio exercício do controle de constitucionalidade preventivo para que se lance mão do controle repressivo efetivado pelo Poder Judiciário, com o objetivo de expurgar a norma contrária ao texto constitucional, e foi bem lembrado que a reclamada falta de pedido de declaração de inconstitucionalidade da lei municipal foi contemplada na sentença com a afirmação de que embora na inicial não figure requerimento expresso, contém menção ao fato com o pleito de que seja feita a declaração incidental.

No mérito, verifica-se, dos elementos dos autos, que o recebimento da dupla remuneração é manifestamente indevido, porém não configura a prática de ato ilícito pela servidora apelante.
Diga-se, por primeiro, que não procede o segundo pedido da petição recursal no sentido de que se decida que "a declaração de inconstitucionalidade incidental não tem o poder de expurgar do ordenamento jurídico municipal o referido dispositivo (art. 56) sendo que a Câmara Municipal de Nova Esperança é que tem legitimidade para tal", ainda pelos fundamentos acima invocados. Com o exercício do controle difuso ou concentrado, envolvendo exclusivamente os litigantes, fica afastada inteiramente a possibilidade de se cogitar de concorrente exercício de controle preventivo por outro órgão público.

A situação em foco, não obstante, guarda algumas peculiaridades que precisam ser ressaltadas.

A professora requerida recebia inicialmente apenas o correspondente às 40 horas do Estado (dois padrões), mas a partir da edição da Lei Municipal n. 1.499/02, passou a receber mais o subsídio correspondente ao cargo de Secretária Municipal da Educação, sendo restrita as suas atividades a este último cargo, e, portanto, não ministrava as 40 horas do Estado, embora por estas fosse remunerada.

Essa situação, contudo, decorria de disposições legais de cuja lisura, licitude e legalidade a servidora não tinha nenhum motivo para duvidar. Ela fora colocada à disposição, ocupara os dois cargos e recebera a respectiva remuneração, com base em documentos legais, incluindo os atos administrativos, a lei e o parecer do Procurador Jurídico Municipal.

Por isso se diz que induvidosamente era portadora de boa-fé, e, assim, não se locupletou indevidamente.

Embora a Constituição Federal vede a acumulação de cargos públicos, salvo as exceções expressamente previstas em lei, a sua condenação, nas condições dadas, equivaleria ao reconhecimento de uma conduta ímproba, eivada de má-fé, incabível, nas circunstâncias, pois houve a contraprestação, apesar de não corresponder às efetivas horas-aula.

A má-fé como premissa do ato ilegal, tem sido constantemente exigida pelos nossos tribunais superiores, como no Recurso Especial n. 480.387-SP - 1ª Turma - DJ de 25.05.2004.

Cabia a declaração de inconstitucionalidade porque o aludido dispositivo de lei determina a acumulação ilegal, porém, na específica hipótese, seus efeitos devem ser ex nunc e não ex tunc.

Adota-se, aqui, o entendimento esboçado em outros julgados, inclusive em um dos trazidos pela apelante, o Recurso Extraordinário n. 79.343-BA da 2ª Turma do STF, relatado pelo Ministro Leitão de Abreu.

Para o referido relator, os efeitos ex tunc atribuíveis pela declaração de inconstitucionalidade comporta certos temperamentos. Assim, proclamou:

"Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refere o corpus juris secundum, de que a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação de inconstitucionalidade, podendo ter consequências que não é lícito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão que decreta a inconstitucionalidade pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo".

Ora, não há sentido em se determinar, aqui, a retroatividade, para alcançar o ato de recebimento das remunerações por quem agia de boa-fé. Tratava-se de situação jurídica consolidada, baseada em ato praticado de boa-fé, sob lei que só posteriormente seria declarada inconstitucional, sendo assim inteiramente ajustado ao caso o precedente jurisprudencial invocado.

3. Pelas razões expostas, acolhe-se em parte o recurso, apenas para julgar parcialmente procedente o pedido inicial (f. 08/09) e manter a declaração de inconstitucionalidade do art. 56 da Lei Municipal n. 1.499/02, excluída a condenação da requerida a ressarcir ao erário Municipal os valores percebidos entre julho de 2002 e dezembro de 2003 (itens 'a' e 'b' - f. 160), condenado o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados, com base no art. 20, §4º do CPC, em R$1.000,00, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de 1% ao mês a contar desta decisão.

Por conseguinte, acordam os desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao apelo, nos termos acima definidos.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador RUY FERNANDO DE OLIVEIRA. Acompanharam o voto do relator o Desembargador LEONEL CUNHA e o Juiz convocado EDUARDO SARRÃO.

Curitiba, 30 de outubro de 2007. RUY FERNANDO DE OLIVEIRA - Relator


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