quarta-feira, 4 de julho de 2012

CARGO PÚBLICO. Existência. Legalidade. Parecer.




I – Da Doutrina


    1.  Cargo público, doutrinariamente, é o lugar que deverá ser ocupado pelo servidor público civil, criado por lei, com denominação, atribuições e remuneração próprias.

2.  Para que exista o cargo, necessariamente, tem que existir a vaga. Não existe a ocupação de cargo sem que antes tenha sido criado a vaga. Portanto, a Lei ao criar o cargo público, também, deverá informar o número de vagas referente a tal cargo.

3.  José Cretella Júnior, in “Curso de Direito Administrativo – 10.ª Edição, revista e atualizada - Forense – Rio de Janeiro – 1989”, assim conceitua Cargo Público, à pg. 423:

“Materialmente falando, (cargo público) é o lugar, o espaço, o circulo em que se locomove o agente público para poder desempenhar os deveres que lhe são atribuídos por lei.

Cargo público, a nosso ver, é o lugar e o conjunto de atribuições a ele inerentes, confiado pelo Estado a uma pessoa física que, agindo em nome deste, desenvolve atividades de interesse coletivo.”

4.  Hely Lopes Meirelles, in Direito Municipal Brasileiro, LTR, Rio de Janeiro, pg. 644, informa sobre o provimento dos cargos públicos e a necessidade de suas criações por lei. Diz o texto, ora transcrito:

“O provimento dos cargos é a movimentação de funcionários dentro dos quadros administrativos, já instituídos por lei, são atribuições privativas do Chefe do Executivo (Grifo Nosso)”.

5.  O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, em “Noticiário do TCM”, de janeiro/fevereiro e março de 1998, em matéria com o título “A admissão de Pessoal no Serviço Público Municipal, da lavra do Chefe de Administração Técnica e Planejamento, Doutor Carlos Sampaio Filho, orienta aos municípios com relação aos princípios indispensáveis à realização do concurso público, citando o seguinte:

“2. Pressupostos indispensáveis.......:

2.1. Quadro de Pessoal estabelecido em Lei:

- Lei Municipal deverá estabelecer um Plano de Classificação de Cargos e Salários da Prefeitura, criando as categorias funcionais, os órgãos públicos, suas denominações, salários/vencimentos e quantidade e o regime jurídico ao qual serão submetidos.................”

6.  Carlos Sampaio Filho, na matéria citada no item “5”, não disse nada mais do que já está pacificado na doutrina pátria sobre a existência legal dos cargos públicos. Estes só existem se forem criados por Lei com denominações próprias e quantidades certas.

7.  Sobre esta questão encontramos a base para este entendimento no próprio artigo 37, incisos V e VIII da Constituição Federal, ao se referir à reserva de percentuais numéricos de cargos de carreira para destinação a deficientes físicos e à reserva de percentuais numéricos de cargos comissionados para os ocupantes de cargos efetivos.

8.  Deve ser observado que a clareza da Constituição é cristalina quanto a exigência da Lei para se criar cargos públicos e, que estes estão ligados diretamente a quantitativos definidos na própria Lei, isto é: a abertura de vagas. Sem vaga não há ocupação de cargos, então, sem a existência da vaga não existirá o cargo mas, tão somente a intenção de cria-lo no caso de a Lei apenas definir simplesmente a denominação destes sem abrir a correspondente vaga. Para que haja a reserva de cargos na forma dos dispositivos constitucionais o número de cargos deverá ser diferente de zero (0). Isto basta para entendermos que não existe cargo sem a respectiva quantidade.

9.  A Lei 2.323, de 11 de abril de 1966, que dispõe sobre os Estatutos dos Funcionários Públicos Civis do Estado da Bahia, em seu artigo 2.º, assim conceituou cargo público:

“Art. 2.º Cargo Público, para os efeitos deste Estatuto, é o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um funcionário, com as características essenciais de criação por lei, denominação própria, número certo e pagamento pelos cofres públicos.”

10.                      A Lei n.º 097, de 01 de outubro de 1972, do Município de Aiquara-Ba., que implantou o Estatuto dos Funcionário Públicos do Município no mesmo diapasão da norma do Estado da Bahia, assim também conceituou cargo público:

“Art. 3.º Cargo Público é criado por Lei, com denominação própria em número certo e pago pelos cofres do Município, cometendo-se ao seu titular um conjunto de deveres, atribuições e responsabilidades.”

II – Da Legislação Existente Sobre Pessoal no Município de Aiquara

11.                      Em 01 de outubro de 1972, o Município de Aiquara implantou o Estatuto dos seus Funcionários Públicos. Neste instrumento legal estabeleceram-se as regras, entretanto não foram criados os cargos públicos e nem vagas. O que está correto por não ser um instrumento adequado para isto.

12.                      Em 01 de junho de 1984, o Município de Aiquara editou a Lei n.º 156 que dispõe sobre a organização do quadro de pessoal da Prefeitura de Aiquara. Este instrumento dispõe na Seção II sobre a composição do quadro. Diz a Lei:

“Art. 7.º O quadro de pessoal da Prefeitura de Aiquara é composto de uma parte permanente e de uma parte temporária.

§ 1.º A parte permanente é constituída de:

I – cargos de provimento efetivo;

II – cargos de provimento em comissão;

III – função gratificada;

§ 2.º A parte temporária é constituída por servidores contratados sobre o regime da Legislação Trabalhista, podendo o Prefeito Municipal altera-la, mediante decreto, sempre que o volume de serviço justificar a contratação.”

13.                      Neste mesmo diploma legal ficou estabelecido no Capítulo II o seguinte para os cargos públicos:

“Art. 8.º Os cargos classificam-se em cargos de provimento efetivo e cargos de provimento em comissão.

Art. 9.º Cargo de provimento efetivo é aquele preenchido em caráter permanente, mediante concurso público de provas escritas e/ou práticas e de títulos, para o nível inicial da classe.

Parágrafo Único. Os cargos de provimento efetivo são os constantes do Anexo I desta Lei.”

14.            O anexo aprovou cargos e criou vagas para a Prefeitura de Aiquara. Entretanto, estas vagas se não foram preenchidas por candidatos que na época fizeram concurso público, não mais existem por força da Constituição Federal de 1988 que estabeleceu novas regras para o provimento dos cargos públicos e, ainda, por força de normas municipais posteriores que a revogaram integralmente. A exemplo da Lei Municipal n.º 320/95, de 21 de junho de 1995 que instituiu o regime jurídico único dos servidores do Município de Aiquara. Por este instrumento foram revogadas todas as normas pretéritas que tratavam de provimento e normatização dos cargos públicos. Inclusive, por ter, esta norma, disposto no seu artigo 12 que a partir da data de sua publicação o Poder Executivo encaminharia à Câmara Municipal os seguintes projetos de lei para obedecerem ao regime estatutário:

a)     reestruturação da administração municipal;

b)    sistema de carreira dos servidores públicos;

c)     plano de carreira e vencimentos;

d)    estatuto dos funcionários públicos do município;

e)     estatuto do magistério público municipal.

15.                      Devemos ficar atentos para o seguinte: a Lei n.º 320/95 definitivamente enterrou toda a legislação pretérita para os servidores públicos do Município de Aiquara a partir de sua edição. Sobre esta questão não há dúvidas. Foi esta norma que definiu o regime único para o Município de Aiquara, para atender ao que a Constituição Federal exigia na época. Entretanto, para que, não houvesse vácuo jurídico, esta Lei adotou o Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado da Bahia e do Magistério Público Estadual para os Servidores do Município de Aiquara (Art. 12, parágrafo único).

16.                      A verdade é que a partir de 21 de junho de 1995 até esta data não existe, no Município de Aiquara, nenhum instrumento legal que o ampare a promover concurso público para cargos efetivos; e, todos os cargos municipais, tenham sido estes providos por concursos ou não, a partir de tal data, estão caracterizados como temporários. Uns por terem sido criados nestas condições, como é o caso dos comissionados. E, outros por não terem sido criados, e abertas as respectivas vagas por Lei, e, ainda, por não terem regras jurídicas próprias para que subsistam, pois as normas jurídicas sobre pessoal aplicadas ao Estado da Bahia, não servem para o Município de Aiquara ou qualquer outro ente federado que seja.

17.                      Apesar do legislador, ao elaborar a Lei n.º 320/95, ter se preocupado com o vácuo jurídico, ao inserir o Parágrafo Único ao Artigo 12 em tal instrumento legal; o município caiu neste vácuo por ter se omitido nas providências em razão de não ter implantado as normas necessárias que dariam a base jurídica para o pessoal da administração pública municipal.

18.                      Para melhor compreensão, transcrevemos aqui os dispositivos comentados nos itens 15, 16 e 17 deste parecer:

“Art. 12. Com a publicação desta Lei, dentro de 180 (cento e oitenta) dias o Poder Executivo encaminhará à Câmara Municipal Projetos de Leis que obedecerão ao regime Estatutário, dispondo sobre:

I – reestruturação da Administração Municipal;

II – sistema de carreira do servidor público;

III – plano de carreira e vencimentos;

IV – estatuto dos funcionários públicos do município;

V – estatuto do magistério público;

Parágrafo Único. Até que sejam editadas as Leis previstas nos incisos IV e V, serão obedecidas supletivamente o Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado da Bahia e o Estatuto do Magistério Público Estadual.”

19.                     Através do Decreto n.º 1.761, de 30 de novembro de 1995, o Chefe do Executivo Municipal, na tentativa de cumprir ao disposto na Constituição Federal (artigo 37, I e II) criou vagas para cargos efetivos com base na Lei 320, de 21 de junho de 1995 que implantou o regime jurídico único. Vê-se que foi uma decisão desesperada para promover o concurso público que o TCM e o Ministério Público da União estariam a exigir para que se fizesse prevalecer a ordem do dispositivo constitucional. Este desespero foi por falta de norma jurídica básica que garantisse o sistema de administração de pessoal. Contribuiu para isto o impatriotismo da Câmara que se negou a apreciar os projetos de Leis encaminhados pelo Chefe do Executivo e que tratavam da questão.

20.                     Como o Decreto não é instrumento legal para criação de cargos e abertura de vagas para tais cargos, os servidores que fizeram o concurso público acreditando na efetivação foram eliminados do quadro pelo Chefe do Executivo que sucedeu ao autor de tal ato. A alegação foi de que o provimento dos cargos foi ilegal. Entretanto, se as normas básicas para a administração de pessoal não foram implantadas até o momento atual também são considerados ilegais todos os demais provimentos para cargos efetivos. E, todos os que submeteram a concursos e foram admitidos nada mais são do que servidores temporários e, portanto, sujeitos a demissão para atender a necessidades e interesses da administração pública.

21.                     Em 10 de junho de 1998 o Município de Aiquara editou a Lei n.º 361 que  dispõe sobre a estrutura do plano de carreira dos trabalhadores em educação no Município. A Lei, por sinal com falhas graves no seu conteúdo, onde  foram incluídos cargos de apoio à área educacional, tais como: auxiliar administrativo, agente administrativo auxiliar, datilógrafo, merendeira, técnico de nível superior, etc. Esta Lei é impraticável e contraditória por estar eivada de vícios. Além disto não foram abertas as vagas necessárias para os cargos por ela denominados nos artigos 1.º,  § Único e 16, § Único.

22.                     Sabe-se que os concursos públicos realizados pela Prefeitura de Aiquara definiram as regras fixadas no seu próprio edital de concurso. O que parece ser correto dentro do ponto de vista de quem é leigo na matéria. Entretanto, o edital só poderá colocar em concorrência o número de vagas que tenham sido criadas por Lei. Número que poderá ser igual ou inferior ao criado e nunca superior.

23.                     As realizações dos concursos poderiam ter sido barradas na época. Entretanto, as suas realizações sem que houvesse ações que os paralisassem não implica na regularidade do provimento dos cargos. O processo da aferição do conhecimento dos candidatos foi legal e sem vícios, é o que se presume, entretanto, a deflagração do concurso para cargos que não existiam é que foi ilegal.

24.                     Pela análise sistemática e criteriosa das normas e atos editados dentro de determinado período, especialmente de 1988 até 2001, poderemos afirmar categoricamente que os concursos realizados para provimento de cargos efetivos a partir de tal data, para a Prefeitura de Aiquara, foram todos ilegais; o que os sujeitam a nulidades, como também, por conseqüência, foram ilegais também, o provimento dos cargos com pretensões de ocupações efetivas.

25.                     Existem duas vertentes a serem seguidas pelo Executivo Municipal. Ou a decretação da nulidade do concurso ou a demissão simples por ilegalidade no provimento dos cargos. Esta segunda vertente como conseqüência da situação que originou a primeira. Isto é: por não terem existido cargos criados por lei em número certo.

26.                     Em qualquer das situações os servidores que laboraram no Município por provimento irregular e ilegal são considerados temporários e, portanto, sujeitos às demissões por força das normas que limitam os Municípios aos gastos com pessoal.



III – CONCLUSÃO

27.                     Concluímos este parecer com as seguintes observações:

a)              No Município de Aiquara não existe uma base jurídica sólida e necessária que o permita gerenciar o seu pessoal na forma estabelecida pelos dispositivos constitucionais;

b)           Não existem cargos públicos efetivos para o Município de Aiquara criados por Lei, nem para o pessoal geral, nem para o pessoal do magistério a partir de 05 de outubro de 1988.

c)              Os concursos realizados após 05 de outubro de 1988 pelo Município de Aiquara foram todos ilegais o que os sujeitam às nulidades;

d)             Os servidores admitidos pelo Município por força de tais concursos são considerados temporários e sujeitos a demissão ao interesse da administração pública municipal;

e)            Os direitos destes servidores são os mesmos definidos para os contratados dentro da temporariedade pelo regime especial de trabalho.

28.                     É o Parecer.

Salvador(Ba.), 30 de julho de 2001


Nildo Lima Santos
Consultor em Administração Pública.

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