terça-feira, 3 de julho de 2012

Carnavalização do pré-sal


A verdade constatada pelo autor: Por que deixaram de falar do pré-sal?!... Dúvidas? Não! Apenas a certeza do engodo no uso político eleitoral como estelionato no aliciamento do eleitor. Este é o Estado Brasileiro que merece ser aprimorado em benefício da sociedade, extirpando da política este tipo de artifício desonesto.
Nildo Lima Santos
Texto original de Hélio Duque
O consagrado escritor Lima Barreto já alertava que "o Brasil não tem povo, tem público". Para o filósofo francês Voltaire, "o público é uma besta feroz: devemos enjaulá-la ou fugir dela". E o sábio Sêneca proclamava: "Não confie muito em causa aplaudida pela multidão". São reflexões enquadradoras da demagogia populista geradora de falsas expectativas, formuladas ao longo do tempo, por notáveis figuras que enriqueceram o pensamento humano.
Estas considerações decorreram do uso abusivo do marketing eleitoral e demagógico que o governo vem fazendo do pré-sal como bandeira de exploração política. Chegando ao delírio e desrespeito litúrgico da própria função presidencial, pela linguagem chula e marginal usada pelo presidente da República: "Por isso que a água do mar é salgada? É por causa do pré-sal? Eu pensei que fosse por causa do xixi que as pessoas fazem na praia, no domingo". Para não ficar sozinho, a ministra Dilma Rousseff o saudou: "Voltamos ao Sítio do Pica-pau Amarelo. Aquele sítio era o Brasil. A Petrobras achou petróleo atrás do galinheiro do sítio". Objetivava homenagear Monteiro Lobato, pioneiro na luta do petróleo brasileiro.
O cenário surrealista era o Campo de Jubarte, no Espírito Santo, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciava a primeira extração simbólica de petróleo do pré-sal. Na verdade, a primeira extração política eleitoral do pré-sal. Em Jubarte, a Petrobras fez apenas o trivial, conectando um poço de 200 metros abaixo do sal na plataforma P-34 que já produzia petróleo de jazidas situadas acima da camada de sal. É apenas uma área experimental, geradora de fonte de conhecimento.

A fantasia criada por um marketing político engajado na mistificação aliada a um certo jornalismo "fast-food" chapa branca, tenta induzir a sociedade a acreditar que o pré-sal brasileiro é descoberta do atual governo. Em verdade, há mais de três décadas a Petrobras já conhecia e desenvolvia tecnologia para atingir a camada do pré-sal. Em meados da década de 70, na Bacia de Campos, os campos de Badejo e Enchova, já produziam óleo de reservatórios abaixo da camada de sal, exatamente igual à extraída agora pelo presidente Lula no Campo de Jubarte. Como se vê é propaganda pura e cristalina.
O fato novo na história brasileira de petróleo é o volume das reservas localizadas na área de Tupi e Carioca, a mais de 300 quilômetros da nossa costa. Mas, para que isso acontecesse diferente do que acredita a ministra Dilma Rousseff, para quem "o futuro já começou e vem sendo construído pelo governo Lula", os semeadores desse futuro foram outros personagens. Em um país de memória rala torna-se importante recorrer à história, para desmitificar os assaltantes de feitos que tiveram outros autores.

A verdade histórica determina que é fundamental registrar que a descoberta de petróleo no mar, na Bacia de Campos, tem um único pai: o geólogo Carlos Walter Marinho Campos. Foi a sua determinação e coragem persistente responsável pela descoberta da maior província petrolífera do Brasil. Em 1973 demonstrou que havia indícios da existência de petróleo na parte submersa do poço 1-3-R-157, na área de Macaé. Diretor da Petrobras na área de exploração aprofundou as pesquisas em parte rasa da costa oceânica, com investimentos limitados.
Visitando o Oriente Médio em viagem de observação, Carlos Walter Marinho Campos, ao retornar ao Brasil se defrontou com a determinação da empresa, presidida pelo general Ernesto Geisel, de que deveria abandonar o projeto pela inviabilidade da existência de óleo.
Sua resistência em acatar a determinação foi fundamental para o País. Possuía memória geológica demonstrando que aquele poço que se revelava seco, logo abaixo se encontrava uma camada de calcário. No Irã e no Iraque, o grande geólogo havia observado que esse tipo de rocha de calcário produz grande quantidade de petróleo. Assumiu o desafio e não acatou a determinação proibitiva, aprofundou as pesquisas descobrindo sinais indicativos de óleo na formação batizada "calcário de Macaé". O prosseguimento dos trabalhos técnicos exploratórios culminou na extraordinária vitória com a descoberta do campo de Garoupa. A teimosia e indomável coragem de Carlos Walter mudou a história do Brasil e da Petrobras introduzindo a exploração "offshore" (no mar), onde antes predominava a exploração "onshore" (em terra). Aí se localiza a origem do pré-sal.
O anúncio carnavalesco e marqueteiro no campo de Jubarte feito pelo presidente da República, do pioneirismo do pré-sal na produção de óleo é tão verdadeiro quanto uma nota de três reais. A descoberta do reservatório na camada do pré-sal é um acontecimento da maior importância para a economia brasileira. Está fadado a estimular o desenvolvimento de toda uma cadeia produtiva de alta tecnologia, mobilizando investimentos de grande vulto. Envolve enormes desafios operacionais, financeiros, tecnológicos, não podendo ser usado, irresponsavelmente, como bandeira de exploração política.

Apostar no marketing para superdimensionar uma realidade e feitos oficiais tão afeitos ao governo brasileiro, muitas vezes se transformam em notáveis frustrações. Citemos alguns mais recentes. Em 21 de abril de 2007, o governo anunciou a auto-suficiência do petróleo e promoveu campanha publicitária que teve um custo de R$ 100 milhões. A conta do petróleo vem sendo deficitária, já que o Brasil continua a ser importador. No primeiro semestre de 2008, o Brasil gastou algo da ordem de US$ 4 bilhões. As parcerias público-privadas, alardeadas como solução para a infra-estrutura, em 2004, em monumentais campanhas foi um sonho de verão. O mesmo ocorreu com o biodiesel de mamona anunciado ao mundo como alternativa energética. Não se fala mais no assunto. Outros programas anunciados aos sete ventos, tipo Fome Zero ou Primeiro Emprego, redundaram em grandes fracassos.
Objetivamente, em relação às fantásticas possibilidades do pré-sal, deveria se evitar que os marqueteiros de plantão carnavalize o êxito da Petrobrás, após três décadas de pesquisas, em vistoria de um governo. O grande vitorioso é o Brasil.
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi deputado federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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