sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Ilegítimo Quarto Poder Sobre Municípios Brasileiros. Tribunais de Contas. Em Situações Específicas




*Nildo Lima Santos
           








OS PODERES DA REPÚBLICA:

O Estado Republicano com seus Poderes, pensado por Montesquieu e repensado pelos teóricos do Estado Moderno, racional, equilibrado e democrático, é reconhecidamente e sem sombras de dúvidas, composto por apenas três Poderes: O Poder Executivo, o Poder Legislativo e, o Poder Judiciário. O Poder Executivo é representado, nos municípios, pelos Prefeitos, eleitos por sufrágio universal e, lhes competem administrar e, em casos especiais legislar sobre matérias que lhes são reservadas, pela Constituição Federal, quanto às iniciativas. O Poder Legislativo que é representado pelos Vereadores eleitos por sufrágio universal, lhes competem, além de legislar, nas matérias que lhes são permitidas pela Constituição Federal, apreciando projetos de leis originários do Executivo, emendando, aprovando ou rejeitando, apreciando vetos do Executivo, também, a fiscalização das contas do Chefe do Executivo com o auxílio do Tribunal de Contas dos Municípios ou do Município, onde houver tribunal específico criado até a data anterior da entrada em vigor da Carta Magna. O Poder Judiciário, um dos pilares da República e do Estado Brasileiro, que é formado pelos juízes escolhidos por um intrincado e viciado processo de escolha – dada a interferência do Poder Legislativo e do Poder Executivo em tal processo, ferindo destarte a independência e a harmonia entre eles, definidas estas pelo artigo 2º da Carta Maior – competem-lhes aplicar e julgar o cumprimento das leis e suas aplicações pelos que têm a obrigação de cumpri-las, desde que provocados. Estes são inequivocamente os três Poderes reconhecidos pela sociedade brasileira e pelas sociedades de outros países reconhecidamente desenvolvidos. Entretanto, no sistema de fiscalização das contas públicas dos municípios, os constituintes, de forma intencional ou por equívoco criou um Quarto Poder. O Poder dos Tribunais de Contas dos Municípios e que a sociedade não se apercebe do tanto quanto é nefasto ao processo de desenvolvimento da sociedade brasileira. Poder este, legal e, que de fato existe, o qual, talvez seja motivo desta primeira abordagem que ouso fazer sem o mínimo de dúvidas e de medo.
           
O QUÊ NOS FAZ RECONHECERMOS ESTE QUARTO PODER?

            Os constituintes, na primeira hipótese, que é a hipótese da intencionalidade: quando arquitetaram o sistema de fiscalização do legislativo sobre o executivo, o arquitetaram com as premissas de que somente os Prefeitos e os Vereadores não mereciam e não merecem credibilidade, apesar da legitimidade adquirida nas urnas. Na linguagem vulgar, entenderam os constituintes que somente os Prefeitos e Vereadores são responsáveis pelo roubo do dinheiro público. É o que notadamente, reconhecemos no § 2º do artigo 31 da Constituição Federal, cuja exigência para que o Parecer do Tribunal de Contas dos Municípios deixe de prevalecer é de dois terços (2/3) dos membros da Câmara Municipal. Princípio este que não foi estendido para as contas do Presidente da República e, nem tampouco para as contas dos Governadores de Estado, cujos textos constitucionais, apenas, para as contas do Presidente da República, a exemplo do seu inciso IX do artigo 49 se limitam, a informar que ao Congresso Nacional, uma de suas competências é: “julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo”. E a exemplo de toda Seção IX que trata da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária, desdobramento do Capítulo I – Do Poder Legislativo, do Título IV da Organização dos Poderes, da Constituição Federal (inciso I do artigo 71), é encontrada apenas mais uma referência sobre a apreciação das contas do Presidente da República e, mais uma vez, não se constata qualquer exigência de número qualificado para a rejeição do Parecer Prévio do Tribunal de Contas da União. Destarte, está bastante claro de que, na União, a independência dos Poderes e a harmonia entre eles são muito diferentes quando comparadas com os entes menores da República e que são os Municípios. Na União o Tribunal de Contas é mero órgão auxiliar do Poder Político Legítimo que representa a sociedade brasileira, diferentemente dos Tribunais de Contas dos Municípios que, tem supremacia sobre a legitimidade dos Poderes Executivo e Legislativo nos Municípios, isto é, se sobrepõem ao Poder Democrático na forma insculpida pelo Parágrafo Único do artigo 1º da Constituição Federal onde está dito que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição.” O mesmo princípio para a União, foi também, estendido para os Estados e Distrito Federal, já que, para as contas dos Governadores, a Constituição Federal, deu tratamento idêntico ao tratamento que é dado às contas do Presidente da República quando apenas, no seu artigo 75 dispôs que: “as normas estabelecidas para a União, aplicam-se no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”. Isto é, a Constituição da República Federativa do Brasil, quanto ao sistema federativo, quanto à legitimidade do povo e, quanto à divisão dos Poderes é contraditória por descumprir e desfazer estes princípios através do § 2º do artigo 31 que desfaz o que ficou estabelecido no Parágrafo Único do artigo 1º e, no artigo 2º da mesma Carta Magna e, que são princípios básicos para que fossem observados na sistematização das competências e obrigações dos entes federados que incluem os Municípios.

            No segundo caso, a hipótese de que os constituintes se enganaram na arquitetura sistêmica do Estado Brasileiro, - o que é também, provável -, não atentaram para o fado de que ao definirem as competências e atuações dos Tribunais de Contas dos Municípios, foram traídos por não observarem tais princípios estabelecidos pela própria Constituição Federal em dispositivos que abrem a Carta Magna e que são, o da repartição dos Poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, o da autonomia municipal, o da independência e da harmonia dos Poderes entre si, e, o que é pior, contrariaram o princípio da legitimidade. Legitimidade que não tem os Conselheiros dos Tribunais de Contas para ditarem Resoluções para os Municípios que em muitos casos são contrárias às próprias leis locais, discutidas e aprovadas pela sociedade através dos seus representantes nos Poderes Executivo e Legislativo. A verdade é que, por ignorância ou por sabedoria demais, os constituintes criaram um Quarto Poder nos Municípios, que é o Poder dos Tribunais de Contas Municipais. Ilegítimo, é bem verdade, mas, é um dos principais responsáveis pelo emperramento do processo de democratização e de descentralização administrativa. Poder tal que, suas simples Resoluções valem mais do que as Leis discutidas e aprovadas pelas sociedades assentadas nos Municípios.
           
Na prática, como está caracterizado este Quarto Poder nos Municípios Brasileiros:

            Os Tribunais de Contas dos Municípios são constituídos de sete membros conselheiros, todos por indicação e, nenhum pelo crivo do voto popular, já que são meros órgãos auxiliares do Controle Externo que é exercido pelo Poder Legislativo, na maioria dos Estados Brasileiros, incluindo o Estado da Bahia, pela Câmara Legislativa Estadual, na proporção de um terço por indicação do Governador e dois terços por indicação dos Deputados (Incisos I e II, §2º do Artigo 73 da C.F.). Destarte, deveria tais tribunais funcionar de fato, apenas como meros auxiliares dos Poderes Legislativos Municipais, já que não os são para o Estado Membro respectivo e, cujas decisões destes, inclusive seus pareceres prévios das contas dos Prefeitos e Presidentes de Câmaras Municipais, no máximo se sujeitarem à revisão pela maioria absoluta dos membros de cada Casa Legislativa, na forma do disposto no artigo 47 da Constituição Federal que informa que: “salvo disposições constitucionais em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presentes a maioria absoluta de seus membros”; e, na forma do seu artigo 69 que diz que: “as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta”; e, ainda pelo seu artigo 29 que estabelece que: “a lei orgânica do Município será aprovada por dois terços dos membros da Câmara”. Destarte, estar-se-ia, preservando-se os princípios da legitimidade, da autonomia do ente municipal, da repartição dos Poderes e, da razoabilidade. Como se conceber de sã consciência tamanho valor de parecer e Resoluções do Tribunal de Contas dos Municípios, como mero órgão auxiliar do Poder Legislativo, idêntico ao que é dado para que se aprove a Carta Geral do Município (Lei Orgânica), já que em ambos os casos a exigência é de apreciação por dois terços dos membros da Câmara; e, valor de tais Resoluções maior do que o que é dado às Leis Complementares Municipais, hierarquicamente superiores às Leis Ordinárias, que para a sua aprovação exige-se apenas a maioria absoluta dos membros da Câmara! Isto tudo caracteriza a supremacia dos Tribunais de Contas Municipais sobre os Poderes Executivos e Legislativos Municipais. O pior, é que não são poderes, apesar de ilegítimos, legais, dentro do princípio democrático que os próprios constituintes tentaram arquitetar para o Estado Brasileiro.          

Aos que Defendem a Supremacia dos Tribunais de Contas Municipais sobre a autonomia dos Municípios, com a argumentação de que os Prefeitos são os que mais roubam, fica aqui uma observação: se realmente isto procede e é verdadeiro, basta lembrarmos que, bastará observarem o que dispõe o § 3º do artigo 31 da Constituição Federal que diz: “As contas dos Municípios ficarão durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.” E, o que dispõe o § 2º do artigo 74 da Constituição Federal, onde informa que: “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”.  Há de convir ainda, que, para o mau gestor, - aquele que age de má fé e que dolosamente compromete o erário público -, existe o Ministério Público que tem como obrigações promover inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, além de outras (Inciso III do artigo 129 da Constituição Federal).             
                                      
Quais os Malefícios da Supremacia do Tribunal de Contas dos Municípios Sobre os Municípios?

            Os malefícios causados aos Municípios e aos munícipes são imensos. Primeiro pelo corporativismo dos técnicos e agentes dos Tribunais de Contas que, desconhecem as autoridades municipais, desta forma coibindo-os na tomada de decisões de fundamental importância para o processo de desenvolvimento da sociedade local, onde urge a necessidade da delegação e da descentralização administrativa a fim de que o planejamento municipal, em todos os sentidos, tenha o alcance universalizado e homogêneo. Esta coibição se dá pela imposição de regras e normas de gestão administrativa e financeira, tanto através de Resoluções, quanto através de suposições que culminam em notificações, que fogem e se abstraem da realidade local cujos agentes citados não tem o devido conhecimento e, nem o sentimento da comuna para dizer o que devem ou não os gestores fazer e, com que gastar. Em segundo lugar, em razão deste corporativismo, por força do Poder sobre os Municípios, sempre se fortalecer como uma epidemia que propicia corrupções pela influência em troca de favorecimentos de empresas e de determinados grupos políticos que são os que estão assentados nas cadeiras de Conselheiros, nas carteiras técnicas dos altos escalões dos Tribunais e, na direção das Inspetorias Regionais. Esta é uma verdade que muitos Prefeitos, ex-Prefeitos, Presidentes e ex-Presidentes de Câmaras Municipais, gestores e ex-gestores de Fundações Públicas, Autarquias e Empresas Públicas, municipais, contadores e proprietários de escritórios que fazem contabilidade pública, e escritórios que fazem advocacia junto aos tribunais de contas, conhecem e não negam. Cada um tem sua história própria. Uns que foram prejudicados e outros que foram beneficiados e, infelizmente, o erário público é que é dilapidado diuturnamente com a agravante de impedir o desenvolvimento da sociedade brasileira.

            O Poder dos Tribunais de Contas dos Municípios é tão grande perante os Municípios que sempre são flagrados legislando em lugar da sociedade representada pelos Prefeitos e Vereadores, a exemplo a Resolução nº 1.258 do Tribunal de Contas do Município do Estado da Bahia que, chega ao cúmulo de estabelecer como deverão ser as leis que tratam de matéria sobre a qualificação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e, ao cúmulo de anular os atos expedidos pelos Municípios, através de seus representantes e de declarar a ineficácia de Leis Municipais, como se tivesse esta competência. A propósito, sobre esta mal fadada Resolução foi motivo de estudos que fiz e que estão publicados em meu blog (wwwnildoestadolivre.blogspot.com) com o título: “ANÁLISE DA RESOLUÇÃO TCM 1.258 de 23 de outubro de 2007”. A rigor, impera o Poder da chantagem e do terror, pelo desequilíbrio imposto por dispositivo constitucional inapropriado (§ 2º do artigo 31 da C.F.) e, que merece ser revisto para o bem dos Municípios Brasileiros, dos Munícipes e da sociedade brasileira e, que no máximo, o que é razoável, que o Parecer do Tribunal de Contas deixe de prevalecer somente com a aprovação da maioria absoluta dos membros da Câmara de Vereadores e, não mais com a exigência dos dois terços de tais membros.

 * Nildo Lima Santos é Bacharel em Ciências Administrativas. Especializado em administração pública. Pós Graduado em Políticas Públicas e Gestão de Serviços Sociais, Consultor em Administração Pública e em Desenvolvimento Institucional.


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