*Nildo Lima Santos
OS PODERES DA
REPÚBLICA:
O Estado Republicano com
seus Poderes, pensado por Montesquieu e repensado pelos teóricos do Estado
Moderno, racional, equilibrado e democrático, é reconhecidamente e sem sombras
de dúvidas, composto por apenas três Poderes: O Poder Executivo, o Poder
Legislativo e, o Poder Judiciário. O Poder Executivo é representado, nos
municípios, pelos Prefeitos, eleitos por sufrágio universal e, lhes competem
administrar e, em casos especiais legislar sobre matérias que lhes são
reservadas, pela Constituição Federal, quanto às iniciativas. O Poder
Legislativo que é representado pelos Vereadores eleitos por sufrágio universal,
lhes competem, além de legislar, nas matérias que lhes são permitidas pela
Constituição Federal, apreciando projetos de leis originários do Executivo,
emendando, aprovando ou rejeitando, apreciando vetos do Executivo, também, a
fiscalização das contas do Chefe do Executivo com o auxílio do Tribunal de Contas
dos Municípios ou do Município, onde houver tribunal específico criado até a
data anterior da entrada em vigor da Carta Magna. O Poder Judiciário, um dos
pilares da República e do Estado Brasileiro, que é formado pelos juízes
escolhidos por um intrincado e viciado processo de escolha – dada a
interferência do Poder Legislativo e do Poder Executivo em tal processo,
ferindo destarte a independência e a harmonia entre eles, definidas estas pelo
artigo 2º da Carta Maior – competem-lhes aplicar e julgar o cumprimento das
leis e suas aplicações pelos que têm a obrigação de cumpri-las, desde que
provocados. Estes são inequivocamente os três Poderes reconhecidos pela
sociedade brasileira e pelas sociedades de outros países reconhecidamente
desenvolvidos. Entretanto, no sistema de fiscalização das contas públicas dos
municípios, os constituintes, de forma intencional ou por equívoco criou um
Quarto Poder. O Poder dos Tribunais de Contas dos Municípios e que a sociedade
não se apercebe do tanto quanto é nefasto ao processo de desenvolvimento da
sociedade brasileira. Poder este, legal e, que de fato existe, o qual, talvez
seja motivo desta primeira abordagem que ouso fazer sem o mínimo de dúvidas e
de medo.
O QUÊ NOS FAZ RECONHECERMOS ESTE QUARTO PODER?
Os
constituintes, na primeira hipótese, que é a hipótese da intencionalidade:
quando arquitetaram o sistema de fiscalização do legislativo sobre o executivo,
o arquitetaram com as premissas de que somente os Prefeitos e os Vereadores não
mereciam e não merecem credibilidade, apesar da legitimidade adquirida nas
urnas. Na linguagem vulgar, entenderam os constituintes que somente os
Prefeitos e Vereadores são responsáveis pelo roubo do dinheiro público. É o que
notadamente, reconhecemos no § 2º do artigo 31 da Constituição Federal, cuja
exigência para que o Parecer do Tribunal de Contas dos Municípios deixe de
prevalecer é de dois terços (2/3) dos membros da Câmara Municipal. Princípio
este que não foi estendido para as contas do Presidente da República e, nem
tampouco para as contas dos Governadores de Estado, cujos textos
constitucionais, apenas, para as contas do Presidente da República, a exemplo do
seu inciso IX do artigo 49 se limitam, a informar que ao Congresso Nacional,
uma de suas competências é: “julgar anualmente as contas prestadas pelo
Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de
governo”. E a exemplo de toda Seção IX que trata da Fiscalização Contábil,
Financeira e Orçamentária, desdobramento do Capítulo I – Do Poder Legislativo,
do Título IV da Organização dos Poderes, da Constituição Federal (inciso I do
artigo 71), é encontrada apenas mais uma referência sobre a apreciação das
contas do Presidente da República e, mais uma vez, não se constata qualquer
exigência de número qualificado para a rejeição do Parecer Prévio do Tribunal
de Contas da União. Destarte, está bastante claro de que, na União, a
independência dos Poderes e a harmonia entre eles são muito diferentes quando
comparadas com os entes menores da República e que são os Municípios. Na União
o Tribunal de Contas é mero órgão auxiliar do Poder Político Legítimo que
representa a sociedade brasileira, diferentemente dos Tribunais de Contas dos
Municípios que, tem supremacia sobre a legitimidade dos Poderes Executivo e Legislativo
nos Municípios, isto é, se sobrepõem ao Poder Democrático na forma insculpida
pelo Parágrafo Único do artigo 1º da Constituição Federal onde está dito que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição.”
O mesmo princípio para a União, foi também, estendido para os Estados e
Distrito Federal, já que, para as contas dos Governadores, a Constituição
Federal, deu tratamento idêntico ao tratamento que é dado às contas do Presidente
da República quando apenas, no seu artigo 75 dispôs que: “as normas estabelecidas para a União, aplicam-se no que couber, à
organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do
Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”.
Isto é, a Constituição da República Federativa do Brasil, quanto ao sistema
federativo, quanto à legitimidade do povo e, quanto à divisão dos Poderes é
contraditória por descumprir e desfazer estes princípios através do § 2º do
artigo 31 que desfaz o que ficou estabelecido no Parágrafo Único do artigo 1º
e, no artigo 2º da mesma Carta Magna e, que são princípios básicos para que
fossem observados na sistematização das competências e obrigações dos entes
federados que incluem os Municípios.
No
segundo caso, a hipótese de que os constituintes se enganaram na arquitetura
sistêmica do Estado Brasileiro, - o que é também, provável -, não atentaram
para o fado de que ao definirem as competências e atuações dos Tribunais de Contas
dos Municípios, foram traídos por não observarem tais princípios estabelecidos
pela própria Constituição Federal em dispositivos que abrem a Carta Magna e que
são, o da repartição dos Poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, o
da autonomia municipal, o da independência e da harmonia dos Poderes entre si,
e, o que é pior, contrariaram o princípio da legitimidade. Legitimidade que não
tem os Conselheiros dos Tribunais de Contas para ditarem Resoluções para os
Municípios que em muitos casos são contrárias às próprias leis locais,
discutidas e aprovadas pela sociedade através dos seus representantes nos
Poderes Executivo e Legislativo. A verdade é que, por ignorância ou por
sabedoria demais, os constituintes criaram um Quarto Poder nos Municípios, que é o Poder dos Tribunais de Contas Municipais.
Ilegítimo, é bem verdade, mas, é um dos principais responsáveis pelo
emperramento do processo de democratização e de descentralização
administrativa. Poder tal que, suas simples Resoluções valem mais do que as
Leis discutidas e aprovadas pelas sociedades assentadas nos Municípios.
Na prática, como está caracterizado este
Quarto Poder nos Municípios Brasileiros:
Os
Tribunais de Contas dos Municípios são constituídos de sete membros
conselheiros, todos por indicação e, nenhum pelo crivo do voto popular, já que
são meros órgãos auxiliares do Controle Externo que é exercido pelo Poder
Legislativo, na maioria dos Estados Brasileiros, incluindo o Estado da Bahia,
pela Câmara Legislativa Estadual, na proporção de um terço por indicação do
Governador e dois terços por indicação dos Deputados (Incisos I e II, §2º do
Artigo 73 da C.F.). Destarte, deveria tais tribunais funcionar de fato, apenas
como meros auxiliares dos Poderes Legislativos Municipais, já que não os são
para o Estado Membro respectivo e, cujas decisões destes, inclusive seus
pareceres prévios das contas dos Prefeitos e Presidentes de Câmaras Municipais,
no máximo se sujeitarem à revisão pela maioria absoluta dos membros de cada
Casa Legislativa, na forma do disposto no artigo 47 da Constituição Federal que
informa que: “salvo disposições
constitucionais em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões
serão tomadas por maioria dos votos, presentes a maioria absoluta de seus
membros”; e, na forma do seu artigo 69 que diz que: “as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta”; e,
ainda pelo seu artigo 29 que estabelece que: “a lei orgânica do Município será aprovada por dois terços dos membros
da Câmara”. Destarte, estar-se-ia, preservando-se os princípios da
legitimidade, da autonomia do ente municipal, da repartição dos Poderes e, da
razoabilidade. Como se conceber de sã consciência tamanho valor de parecer e
Resoluções do Tribunal de Contas dos Municípios, como mero órgão auxiliar do
Poder Legislativo, idêntico ao que é dado para que se aprove a Carta Geral do
Município (Lei Orgânica), já que em ambos os casos a exigência é de apreciação
por dois terços dos membros da Câmara; e, valor de tais Resoluções maior do que
o que é dado às Leis Complementares Municipais, hierarquicamente superiores às
Leis Ordinárias, que para a sua aprovação exige-se apenas a maioria absoluta
dos membros da Câmara! Isto tudo caracteriza a supremacia dos Tribunais de
Contas Municipais sobre os Poderes Executivos e Legislativos Municipais. O
pior, é que não são poderes, apesar de ilegítimos, legais, dentro do princípio
democrático que os próprios constituintes tentaram arquitetar para o Estado
Brasileiro.
Aos que
Defendem a Supremacia dos Tribunais de Contas Municipais sobre a autonomia dos
Municípios, com a argumentação de que os Prefeitos são os que mais roubam, fica
aqui uma observação: se realmente isto procede e é verdadeiro, basta lembrarmos
que, bastará observarem o que dispõe o § 3º do artigo 31 da Constituição
Federal que diz: “As contas dos
Municípios ficarão durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer
contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a
legitimidade, nos termos da lei.” E, o que dispõe o § 2º do artigo 74 da
Constituição Federal, onde informa que: “Qualquer
cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na
forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de
Contas da União”. Há de convir
ainda, que, para o mau gestor, - aquele que age de má fé e que dolosamente
compromete o erário público -, existe o Ministério Público que tem como
obrigações promover inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, além de outras (Inciso III do artigo 129 da
Constituição Federal).
Quais os Malefícios da Supremacia do Tribunal de Contas dos Municípios
Sobre os Municípios?
Os
malefícios causados aos Municípios e aos munícipes são imensos. Primeiro pelo
corporativismo dos técnicos e agentes dos Tribunais de Contas que, desconhecem
as autoridades municipais, desta forma coibindo-os na tomada de decisões de
fundamental importância para o processo de desenvolvimento da sociedade local,
onde urge a necessidade da delegação e da descentralização administrativa a fim
de que o planejamento municipal, em todos os sentidos, tenha o alcance
universalizado e homogêneo. Esta coibição se dá pela imposição de regras e
normas de gestão administrativa e financeira, tanto através de Resoluções,
quanto através de suposições que culminam em notificações, que fogem e se
abstraem da realidade local cujos agentes citados não tem o devido conhecimento
e, nem o sentimento da comuna para dizer o que devem ou não os gestores fazer
e, com que gastar. Em segundo lugar, em razão deste corporativismo, por força
do Poder sobre os Municípios, sempre se fortalecer como uma epidemia que
propicia corrupções pela influência em troca de favorecimentos de empresas e de
determinados grupos políticos que são os que estão assentados nas cadeiras de
Conselheiros, nas carteiras técnicas dos altos escalões dos Tribunais e, na
direção das Inspetorias Regionais. Esta é uma verdade que muitos Prefeitos,
ex-Prefeitos, Presidentes e ex-Presidentes de Câmaras Municipais, gestores e
ex-gestores de Fundações Públicas, Autarquias e Empresas Públicas, municipais,
contadores e proprietários de escritórios que fazem contabilidade pública, e
escritórios que fazem advocacia junto aos tribunais de contas, conhecem e não
negam. Cada um tem sua história própria. Uns que foram prejudicados e outros
que foram beneficiados e, infelizmente, o erário público é que é dilapidado
diuturnamente com a agravante de impedir o desenvolvimento da sociedade
brasileira.
O
Poder dos Tribunais de Contas dos Municípios é tão grande perante os Municípios
que sempre são flagrados legislando em lugar da sociedade representada pelos
Prefeitos e Vereadores, a exemplo a Resolução nº 1.258 do Tribunal de Contas do
Município do Estado da Bahia que, chega ao cúmulo de estabelecer como deverão
ser as leis que tratam de matéria sobre a qualificação de Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e, ao cúmulo de anular os atos
expedidos pelos Municípios, através de seus representantes e de declarar a
ineficácia de Leis Municipais, como se tivesse esta competência. A propósito,
sobre esta mal fadada Resolução foi motivo de estudos que fiz e que estão
publicados em meu blog (wwwnildoestadolivre.blogspot.com) com o título: “ANÁLISE DA RESOLUÇÃO TCM 1.258 de 23 de
outubro de 2007” .
A rigor, impera o Poder da chantagem e do terror, pelo desequilíbrio imposto
por dispositivo constitucional inapropriado (§ 2º do artigo 31 da C.F.) e, que
merece ser revisto para o bem dos Municípios Brasileiros, dos Munícipes e da
sociedade brasileira e, que no máximo, o que é razoável, que o Parecer do
Tribunal de Contas deixe de prevalecer somente com a aprovação da maioria
absoluta dos membros da Câmara de Vereadores e, não mais com a exigência dos
dois terços de tais membros.
* Nildo Lima Santos é Bacharel em Ciências
Administrativas. Especializado em administração pública. Pós
Graduado em
Políticas Públicas e Gestão de Serviços Sociais, Consultor em
Administração Pública e em Desenvolvimento Institucional.
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