quarta-feira, 16 de abril de 2014

O Papel do Município No Processo de Integração Regional











·         Nildo Lima Santos, em palestra realizada no auditório do Centro de Convenções em Petrolina – Pernambuco, a convite do Ministério das Relações Exteriores para o evento: CICLO DE SEMINÁRIOS INTEGRAÇÃO REGIONAL – MERCOSUL, OS EMPRESÁRIOS E O PAPEL DO MUNICÍPIO. 29 de setembro de 1998.

1. ASPECTOS TEÓRICOS CONCEITUAIS

Para que entendamos o processo de integração convém observarmos alguns dados teóricos e conceituais:

a) Sobre a teoria do Estado:
Que podemos afirmar que o estado se caracteriza por possuir três elementos essenciais: o território, o povo e o governo, ao passo de que a nação é caracterizada pela coexistência do território e do povo.

b) O conceito de território não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando, muito ligado à ideia de domínio ou de gestão de determinada área. Assim deve-se ligar sempre a ideia de território a ideia de poder, que se faça referência ao poder público estatal, quer se faça referência ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, igualando as fronteiras políticas.

Diante de tais pressupostos, pode-se afirmar com segurança que o processo de integração entre entes federativos (Federação União, Federação Estados Membros e Federação Municípios), não depende tão somente dos governantes, mas sim, de todo um processo de múltiplos intercâmbios socioeconômicos.

Já nos meados do século XX, François Perroux chamava a atenção para o fato de que as empresas matrizes, controlando instalações e explorando nas áreas mais diversas do globo, eram, muitas vezes, mais importantes que as nações e os próprios Estados. Este fato é hoje comprovado com o processo de globalização da economia que faz diminuir a importância das fronteiras políticas e a soberania dos estados.

A formação de um território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentido de territorialidade que, de forma subjetiva cria a consciência de confraternização entre elas. Assim o Brasil, que possui desde o período colonial um grande espaço, durante séculos, não o transformou em território, por meio de exercício da sua gestão, só vindo a tentar fazê-lo a partir dos meados do século XX, quando Getúlio Vargas, no Estado Novo, criou a Fundação Brasil Central e pregou a marcha para o oeste, procurando expandir a área da ação e de domínio do Governo. Em seguida com transferência da capital Federal para o Planalto Central por Juscelino Kubitscheck e por último o governo militar com assentamentos e abertura da estrada Transamazônica na região amazônica.

Diante destes conceitos é forçoso afirmar que o polo de desenvolvimento Juazeiro/Petrolina, abrangido por municípios dentro de um raio médio de aproximadamente 200 (duzentos) quilômetros compreende a um só território, o que os coloca, como ponto de radiação, na condição privilegiada de promotores do processo de fortalecimento da integração regional.

A integração regional dos municípios ocorre simultaneamente através da sinergia gerada pelo intercâmbio dos múltiplos fatores econômicos, humanos e sociais, existentes entre eles, na relação de interdependência.

Os municípios como células promotoras da integração regional vão irradiando entre si e assimilando energias capazes de se desenvolverem em torna da célula central (núcleo regional) - no caso o Município ou Municípios que mais propiciaram a integração -, podendo inclusive, os Municípios periféricos se transformarem em núcleo ou parte do núcleo. Tudo isso dependerá dos múltiplos fatores que possam estes, em determinado momento, em diante, propiciar o fortalecimento regional.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS INSTITUCIONAIS

Desde os tempos antigos e, principalmente, durante o Império Romano, surge a primeira integração regional de municípios. Eis que os povos vencidos por Roma ficavam sujeitos, desde a derrota, às imposições do Senado Romano. Entretanto, em troca da sujeição alvitrada, e obedientes às leis romanas, concediam-se-lhes privilégios, prerrogativas, como o direito de continuarem a praticar o comércio e sua vida civil, o de escolher os seus representantes, para dirigirem-lhes as próprias cidades. Todas subordinadas a Roma.

As comunidades que recebiam essas vantagens chamavam-se Municípios, isto é, múnus, eris, quer dizer, na língua latina, dádivas, privilégios, e capere, capio, verbo latino que significa receber. Daí o Município etimologicamente explicado, “aquela entidade que recebeu privilégios”[1].

A instituição municipal contribuiu de modo significativo no processo da formação histórica do povo brasileiro, mesmo porque a história de cada país é a história de suas instituições.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil trouxeram consigo as instituições municipais segundo o direito costumeiro português. Nesse período os municípios conheceram sensível progresso em sua autonomia e passaram a possuir, também, funções eminentemente jurisdicionais.

Foi no Município que brotaram os primeiros sentimentos nativistas. É o Município esta pequena pátria, por quem nutrimos o mais nobre sentimento patriótico de amor cívico.

A Carta Magna de 1824 reconheceu os Municípios, porém não lhes permitiu inovação referente às suas liberdades.

A Lei 1828, do Império Constitucional, reduziu as Câmaras Municipais a corporações meramente administrativas na vasta engrenagem da Administração geral do império. Houve, portanto, nesse período, inúmeras dificuldades às liberdades locais, seja pelo retardamento político de nosso povo, seja pela herança da monarquia absolutista. Mas, a Constituição de 1891, após a Proclamação da República e sua primeira Constituição assegurou a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite o seu peculiar interesse. 

Muitas outras Constituições e Emendas Constitucionais foram feitas mas, somente a Constituição Federal de 1988 é que redesenhou um novo papel para os Municípios brasileiros. Foi extremamente importante, no cumprimento de etapa no processo de democratização do País – sem o qual não se poderia avançar na organização institucional do Estado Brasileiro, principalmente numa sociedade marcada por acentuadas desigualdades de classe e enormes conflitos de interesse.

O Município, a partir de então, assume grandes responsabilidades em nível de governo Municipal, interligado com as esferas de Governos Federal e Estadual, através de cooperação mútua, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, através das suas competências comuns.

Diante deste novo quadro o Governo Municipal deixa de atuar como mera unidade administrativa do Estado e passa a assumir efetivamente um novo papel de agente promotor de desenvolvimento local e regional.

3. PAPEL DOS MUNICÍPIOS NO PROCESSO DE FORTALECIMENTO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL

O Município no papel de agente promotor de desenvolvimento local, consequentemente, coloca-se na condição de promotor do desenvolvimento regional e, ainda, como consequência, também, como promotor do desenvolvimento nacional.

Esse papel se torna mais ou menos significativo na medida em que, proporcionalmente, o município conte com fatores que possam contribuir para esta condição.

Esses fatores, pela escala de hierarquia são os relacionados a:
      
      a)      Localização física/geográfica
O desenvolvimento do Município ocorre naturalmente em função de sua localização geográfica onde diversos fatores naturais contribuem com suas potencialidades para o desenvolvimento local.

Exemplos:

- Juazeiro e Petrolina que têm o Rio São Francisco como potencial hídrico para a irrigação e, no passado para a navegação e criação de gado. Ainda por estarem localizadas em um entroncamento rodoviário e, outrora, ferroviário, também e, por estar em uma das vias aéreas de voos nacionais e internacionais, vez que, está em um dos pontos de confluência de linhas retas que partem de algumas capitais brasileiras com destinos a Estados do Nordeste e, a para alguns países da América ao norte do Brasil e, dos continentes Africano e Europeu.   

- Feira de Santana, que se localiza em um entroncamento rodoviário.

- Campos do Jordão em São Paulo por estar situada em região serrana de clima bastante agradável. 

      b)      Pela força política institucional

Dentro deste aspecto o Município se desenvolve através da força e consciência dos seus políticos com suas capacidades de promoverem ações planejadas que propiciem o fortalecimento do Município como ente-federado, os investimentos necessários à implantação de projetos estruturantes para o desenvolvimento local e regional.

      c)       Como promotor de serviços públicos

Este já é um papel tradicionalmente desempenhado pelo município como condicionante essencial para a promoção do desenvolvimento por contribuir para melhorar a qualidade de vida da população local.

      d)      Como promotor de desenvolvimento social – Através de ações eficazes voltadas para a educação, cultura, esportes, lazer e saúde.

   e)      Como promotor de desenvolvimento econômico – Dentro da oportunidade de sua posição privilegiada para criar e estimular o desenvolvimento econômico através da implantação de projetos estruturantes que possibilitem alavancar este processo e dentro da capacidade que tem dom real conhecimento de suas potencialidades.

4. FATORES LIMITANTES DO PAPEL DOS MUNICÍPIOS NO PROCESSO DE FORTALECIMENTO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL
São vários os fatores que limitam o papel dos municípios no processo de fortalecimento da integração regional:
      
      a)      Inexistência de um plano nacional de desenvolvimento. O último PND foi da época dos militares;

   b)      Inexistência de planos de desenvolvimento nos órgãos governamentais responsáveis pelo desenvolvimento regional.  Os critérios para os investimentos são meramente políticos/eleitoreiros (SUDENE, CODEVASF, etc.);

      c)       Inexistência de planejamento nas ações municipais;

    d)      Processo de escolha dos gestores públicos e representantes legislativos ultrapassado e não adequado às exigências das funções dos cargos;

       e)      Prevalência do privado sobre o público gerando graves conflitos entre o público e o privado;

       f)       Profundas contradições do sistema de domínio e dos teóricos da reforma do estado brasileiro;

     g)      Precariedade da situação econômico/financeira da quase totalidade dos municípios brasileiros, produto da concentração das receitas fiscais nas mãos dos Estados e da União, fato que tem debilitado a instituição municipal, principalmente neste momento, em que lhes são obrigadas novas competências e transferidas novas atribuições pelo Governo Federal;

      h)      Ordenamento jurídico extremamente confuso. Por um lado a Constituição Federal deu autonomia e por outro suas normas complementares e normas ordinárias do Governo Federal tiram essa autonomia, inibindo a iniciativa dos municípios para atenderem às necessidades locais;

    i)        Falta de consciência das autoridades federais e estaduais da importância dos municípios no processo de mobilização de esforços desenvolvimentistas;

     j)   Falta de articulação dos organismos Federais e Estaduais com os organismos municipais, agindo isoladamente, cada um seguindo seu caminho e cumprindo suas tarefas.

5. O POLO REGIONAL JUAZEIRO/PETROLINA – SEU FUTURO

A competitividade entre os municípios de Juazeiro e Petrolina, ao invés de isolá-los, muito pelo contrário, os integram através da dinâmica do processo de superação política e de oportunidades nos mais variados segmentos da sociedade. A cada ação empreendida são irradiadas as oportunidades a reboque desta.

Estas variáveis deverão constar da agenda dos governantes locais como preocupação de forma a serem consideradas essenciais para o processo de desenvolvimento regional. Preocupação esta que deverá coloca-los imunes a quaisquer preconceitos bairristas e nativistas.

O momento exige a união dos governantes municipais da região polo de desenvolvimento Juazeiro/Petrolina para ações que não poderão ser desenvolvidas isoladamente por exigirem um tratamento regionalizado. Alguns exemplos de ações poderemos citar:

      a)      as da área da saúde;

      b)      as da área do turismo;

      c)       as da área de preservação ambiental;
      
      d)      as de transportes,

      e)      as da área do saneamento, etc.

Um momento novo já foi inaugurado com a união de Juazeiro e Petrolina para a promoção da feira da agricultura irrigada, assim como a discussão de possível implantação de um consórcio intermunicipal de turismo e de instrumento único de ação para os municípios do Polo de Desenvolvimento Juazeiro/Petrolina que, ora vem sendo trabalhado através do Banco do Nordeste e do PNUD.

Por todas estas condições privilegiadas e, pela unidade territorial da região, não esperaremos muito para que de fato vejamos concretizado o sonho da criação do Estado do São Francisco. Um Estado não nos moldes que se apregoam, mas um Estado que leve em consideração o conceito de territorialidade respeitando as relações de integração regional. Um Estado onde se possibilite uma maior participação dos municípios envolvidos no processo decisório para o desenvolvimento regional. Um Estado onde a sua formação seja previamente negociada e onde as sedes dos poderes constituídos sejam distribuídos entre as cidades do núcleo de radiação Juazeiro e Petrolina, de forma que ambas sejam a capital e, em uma delas se instale o Poder Executivo e na outra os Poderes Legislativo e Judiciário.

Não tenho sombras de dúvidas de que em tempo não muito distante esta região será mais um Estado Federativo a contribuir com o processo de desenvolvimento nacional pelas suas próprias peculiaridades e pelo seu crescente poder de participação política na região nordeste.

Muito Obrigado.


NILDO LIMA SANTOS
Secretário de Planos e Desenvolvimento
Consultor em Administração Pública





 

             


    ·         Consultor em Administração Pública, Secretário de Planos e Desenvolvimento do Município de Juazeiro – Bahia.




[1] CASTRO, José Nilo de; Direito Municipal Positivo – Belo Horizonte: Del Rey, 1991, pg. 9.

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