Tribunal de Justiça de
Minas Gerais Decide Favoravelmente Sobre a Participação de OSCIP em Licitação
Pública.
Número
do processo: 1.0024.05.700131-5/001(1)
Numeração
Única: 7001315-59.2005.8.13.0024
Processos
associados: (...)
Relator:
Des.(a) WANDER MAROTTA
Relator
do Acórdão: Des.(a)
WANDER MAROTTA
Data
do Julgamento: 09/08/2005
Data
da Publicação: 13/09/2005
Inteiro
Teor:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - LIMINAR
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPRSCINDÍVEL PROVA DO FUMUS BONI JURIS PARA SUA
CONCESSÃO - LICITAÇÃO - CONTRATAÇÃO DE OSCIP
PELO ESTADO DE MINAS GERAIS. A liminar, na ação cautelar, só poderá ser deferida se a parte
demonstrar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, não sendo
suficiente a presença de apenas um destes requisitos. A Constituição Federal
admite, em seu artigo 197, que as ações e serviços relacionados à área de saúde
sejam executados "diretamente ou através de terceiros, e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado", admitindo a instituição de
parcerias entre organizações privadas e o poder público, desde que prevista em
lei, o que, no caso, está acobertado pela edição da Lei Estadual nº 14.870/2003
e da Lei Federal nº 9.790/99. Se tanto a lei estadual, como a federal,
permitem, expressamente, a instituição de parceria do poder público com
Organizações Sociais Civis de Interesse Público, para o fomento e execução de
atividades de interesse público, inclusive relacionadas à área de saúde, não é
possível concluir, neste primeiro momento, nenhuma ilegalidade na norma
impugnada ou no edital de Concurso de Projeto nº 002/2005.
AGRAVO Nº 1.0024.05.700131-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE -
AGRAVANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - AGRAVADO(A)(S): ESTADO
MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. WANDER MAROTTA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a SÉTIMA CÂMARA CÍVEL do Tribunal
de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls.,
na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, EM
REJEITAR PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte,
09 de agosto de 2005.
DES. WANDER
MAROTTA – Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Proferiu
sustentação oral, pelo Agravado, a Dra. Célia Cunha Mello.
O SR. DES.
WANDER MAROTTA:
Sr. Presidente.
Ouvi,
atentamente, a sustentação oral proferida em nome do Estado de Minas Gerais
pela Dra. Célia Cunha Mello. Tenho voto escrito e passo à sua leitura.
VOTO
Examina-se
agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS
GERAIS contra a r. decisão de fls. 10/13, que indeferiu a liminar pleiteada nos
autos da cautelar inominada proposta contra o ESTADO DE MINAS GERAIS.
Salienta o agravante, em síntese, que ajuizou ação civil pública
contra o agravado, objetivando a anulação do edital do concurso de projeto nº
002/2005, que tem por objetivo selecionar uma organização de sociedade civil de
interesse púbico - OSCIP - para celebrar termo de parceria com
o réu, através do qual o Estado cederá o gerenciamento e execução de atividades
e serviços de saúde desenvolvidos com a estrutura física do Hospital Pronto
Socorro Dona Risoleta Tolentino Neves. Para tanto, a OSCIP
selecionada irá receber do poder público bens móveis e imóveis, cedidos em
permissão de uso, além de aporte financeiro. Alega o agravante, entretanto, que
nos termos da CF/88 e da Lei nº 8.080/90, o Estado tem de promover DIRETAMENTE
o acesso à saúde, não podendo transferir os encargos relativos a tais serviços
a organizações sociais, antes de esgotadas as disponibilidades do SUS.
Além disso, a participação complementar de entidades privadas deve ser formalizada
mediante contrato ou convênio, observados os princípios e regras elencados no
art. 37 da Constituição da República. No caso, para realização da parceria, a OSCIP
selecionada "…receberá a importância de 31.700.000,00 (trinta e um milhões
e setecentos mil reais) pelos primeiros doze meses de contrato, além de bens
públicos móveis e imóveis em permissão de uso. Dessa forma, a gestão
patrimonial do Hospital Dona Risoleta Tolentino Neves ficará a cargo da
entidade parceira, que observará o regime jurídico de direito privado, com as
derrogações existentes na Lei Estadual nº 14.870/03, não tendo o dever de
proceder à licitação para a aquisição de bens e contratação de obras e
serviços, devendo apenas publicar regulamento próprio observando os princípios
da administração pública", o que violaria o disposto no art. 37, XXI, da
CF/88. Acrescenta o parquet que estão presentes os requisitos para a
antecipação da tutela pretendida, impondo-se a reforma da decisão agravada.
Contra-minuta às
fls. 22/28, pugnando o agravado, preliminarmente, pelo não conhecimento do
recurso, em razão do descumprimento do art. 526 do CPC; e, no mérito, batendo-
se pela manutenção do decisum.
Preliminarmente,
anoto que não ficou comprovado o descumprimento do artigo 526 do CPC por parte
do agravante.
O agravado
afirma que o agravo foi protocolado em 08 de junho de 2.005 e que não é
possível afirmar se os documentos elencados no art. 526 foram juntados aos
autos dentro do prazo de 03 (dias) previsto no citado dispositivo legal.
Cabia ao
recorrido, entretanto, comprovar que a regra referida não foi observada pelo
parquet.
Isto porque a
Lei n. 10.352, de 16 de dezembro de 2001, que acrescentou o parágrafo único ao
artigo 526 do CPC, impõe ao agravante, se for desatendida a regra do caput, e
desde que argüido e comprovado pelo agravado, a inadmissão do agravo de
instrumento.
Ausente a prova
do descumprimento, impõe-se o conhecimento do agravo.
Por tal motivo,
rejeito a preliminar.
Em primeiro
lugar, anoto que não se cuida, aqui, de pedido de antecipação de tutela, mas
sim de liminar, formulado nos autos de ação cautelar inominada, incidental à
ação civil públicaajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais contra o
Estado de Minas Gerais.
E, no caso, não
vejo presente o fumus boni iuris, razão pela qual deve ser indeferida a liminar
pleiteada.
Pretende o
Ministério Público paralisar o concurso de projeto nº 002/2005 que, segundo
afirma, tem por objetivo "…selecionar uma Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público - OSCIP - para celebrar termo de parceria com
o requerido, cujo instrumento encontra-se anexo ao edital, para o gerenciamento
e operação do Hospital de Pronto Socorro Dona Risoleta Tolentino Neves" -
(fls. 03).
Não foi juntada
ao agravo a cópia deste edital.
Nos termos da
Lei Estadual nº 14.870/2003:
Art. 1º - O
Estado poderá qualificar pessoa jurídica de direito privado como Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP -, nos termos desta Lei.
Parágrafo único.
A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento
dos requisitos estabelecidos nesta Lei.
Art. 2º - O
poder público e a entidade qualificada como OSCIP poderão firmar termo de parceria,
destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e
a execução das atividades de interesse público previstas no art. 4º desta Lei.
Art. 3º - Pode
qualificar-se como OSCIP a pessoa jurídica de direito privado
sem fins lucrativos, constituída há pelo menos dois anos, nos termos da lei
civil, e em atividade, cujos objetivos sociais e normas estatutárias atendam ao
disposto nesta Lei.
Parágrafo único
- Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica
de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros,
diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou
líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas de seu patrimônio
auferidos mediante o exercício de suas atividades e que os aplica integralmente
na consecução de seu objetivo social.
Art. 4º -
Observados o princípio da universalidade e os requisitos instituídos por esta
Lei, a qualificação como OSCIP será conferida à pessoa jurídica cujos
objetivos sociais consistam na promoção de, pelo menos, uma das seguintes
atividades:
I - assistência
social;
(…)
IV - saúde
gratuita;
(…)
Parágrafo único
- Para os fins deste artigo, a entidade deverá comprovar a execução direta de
projetos, programas ou planos de ação relacionados às áreas de atividade descritas
nos incisos do caput deste artigo, ou, ainda, a prestação de serviços
intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do
setor público que atuem em áreas afins, na forma do regulamento."
No mesmo sentido
foi editada a Lei Federal nº 9.790/99.
Tanto a lei
estadual, como a federal, permitem, expressamente, a instituição de parceria do
poder público com Organizações Sociais Civis de Interesse Público, para o
fomento e execução de atividades de interesse público, inclusive relacionadas à
área de saúde, não sendo possível vislumbrar, neste primeiro momento, nenhuma
ilegalidade na norma impugnada ou no edital de concurso de projeto nº 002/2005.
A Constituição
Federal admite, em seu artigo 197, que as ações e serviços relacionados à área
de saúde sejam executados "diretamente ou através de terceiros, e, também,
por pessoa física ou jurídica de direito privado".
Ou seja, embora
a saúde seja um serviço público a cargo do Estado, pode ser prestado através de
terceiros, admitindo o art. 199, parágrafo 1º, da Carta Constitucional,
explicitamente, a participação de instituições privadas de forma complementar
do sistema único de saúde, "mediante contrato de direito público ou
convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins
lucrativos".
Assim, de um
exame superficial da legislação aplicável à espécie e dos documentos aqui
juntados não vislumbro nenhuma ilegalidade na contratação, via edital, de OSCIP
para gerenciar e executar atividades e serviços de saúde com a estrutura física
de Hospital Estadual. Pelo contrário, o objetivo da contratação é justamente a
prestação de um serviço mais eficiente.
CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO esclarece que as organizações da sociedade civil de interesse
público foram introduzidas
"…pela Lei
9.790, de 23.3.99. De acordo com ela, tal qualificativo é atribuível,
vinculadamente, a pessoas jurídicas de Direito Privado requerentes, para fins
de habilitá-las a firmar termos de parceria com o Poder Público, com o qual se
credenciam a receber recursos ou bens públicos emprenhados neste vínculo
cooperativo entre ambos, desde que tais pessoas:
a) não tenham
fins lucrativos;
b) sejam
prepostas a determinadas atividades socialmente úteis (arroladas no art. 3º,
quais, exempli gratia, assistência social, combate à pobreza, promoção gratuita
da saúde, da cultura, da cidadania, dos direitos humanos, etc.,)
c) não estejam
no rol das impedidas (listadas no art. 2º, como, por exemplo, sociedades
comerciais, organizações sociais, instituições religiosas, cooperativas,
sindicatos e entidades criadas pelo Governo); e
d) consagrem em
seus estatutos uma série de normas (preestabelecidas no art. 4º) sobre
estrutura, funcionamento e prestação de contas" (in "Curso de Direito
Administrativo", 15ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2003, p. 225, grifos
do autor).
E MARIA SYLVIA
ZANELLO DI PIETRO:
"Parceria,
no Vocabulário jurídico de José Naufel, significa o mesmo que sociedade. É a
"reunião de duas ou mais pessoas que investem capital, ou capital e
trabalho, com o fim especulativo em proveito comum".
Como observa
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, "a palavra parceria, do latim
partiarius, participante, vem sendo empregada tradicionalmente em direito para
designar uma forma sui generis de sociedade em que não se dá a composição de um
capital social nem a instituição de uma nova pessoa, mas, apenas, uma relação
negocial, em que uma das partes assume obrigações determinadas com vistas a
participação de lucros alcançados."
Pelo fato de o
vocábulo parceria trazer em si a idéia de lucro, alguns resistem a sua
utilização no âmbito do direito público. O próprio Diogo de Figueiredo Moreira
Neto entende discutível a utilidade de transpor- se esse vocábulo quando na
realidade o que se está fazendo é rebatizar a colaboração econômica entre o
setor público e o setor privado, hipótese em que entidades não estatais
participam de atividades estatais de índole econômica, com o objetivo de lucro.
É o caso específico da concessão e da permissão de serviço público.
(…)
Neste livro, o
vocábulo parceria é utilizado para designar todas as formas de sociedade que,
sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre os setores público e
privado, para a consecução de fins de interesse público. Nela existe a
colaboração entre o poder público e a iniciativa privada nos âmbitos social e
econômico, para satisfação de interesses públicos, ainda que, do lado do
particular, se objetive o lucro. Todavia, a natureza econômica da atividade não
é essencial para caracterizar a parceria, como também não o é a idéia do lucro,
já que a parceria pode dar-se com entidades privadas sem fins lucrativos que
atuam essencialmente na área social e não econômica.
(…)
Com isso, a
parceria serve ao objetivo de diminuição do tamanho do aparelhamento do Estado,
na medida em que delega ao setor privado algumas atividades que hoje são
desempenhadas pela Administração, com a conseqüente extinção ou diminuição de
órgãos públicos da administração indireta e diminuição de quadro de servidores;
serve também ao objetivo de fomento à iniciativa privada, quando seja
deficiente, de modo a ajudá-la no desempenho de atividades de interesse
público; e serve ao objetivo da eficiência, porque introduz, ao lado da forma
tradicional de atuação da Administração Pública burocrática outros
procedimentos que, pelo menos teoricamente (segundo os idealizadores da
reforma), seriam mais adequados a esse fim de eficiência." ("Parcerias
na Administração Pública", 3ª ed., São Paulo: Atlas Ed., 1999, p. 31/32,
grifei).
Como a CF/88
admite a contratação de pessoas de direito privado para realização e execução
de serviços relacionados à área de saúde e a matéria está regulamentada em lei,
não se justifica a concessão da liminar, se não há prova cabal de violação do
artigo 37 da CF.
De outro lado,
embora o agravante afirme que a OSCIP receberá valores superiores a trinta e
um milhões de reais, além de bens públicos sem prévia licitação, não demonstrou
a veracidade de tais alegações.
O agravo foi
instruído apenas com a petição recursal e a decisão agravada, não podendo ser
presumidas verdadeiras as alegações contidas na inicial, sendo imprescindível,
no mínimo, indícios da existência de perigo para que seja concedida a liminar.
A concessão de
liminar impõe prejuízo ao réu, devendo por isto estar devidamente comprovada
não apenas a extensão do prejuízo alegado, mas também o fumus boni iuris:
"Conforme
estabelece o nosso sistema jurídico, na ação cautelar para a concessão de
liminar não basta, tão-somente, a afirmação de sua necessidade formulada pelo
requerente, a qual, mais das vezes, constitui uma opinião puramente subjetiva,
mas, principalmente, da demonstração, por parte do requerente, da existência
dos requisitos específicos da tutela cautelar, para que o juiz possa realizar a
sua indispensável avaliação e se convencer ou não da necessidade de conceder
liminar requerida (Ac. unân. 1.105/88 da 1a Câm. do TJAL no agr. 5.618, rel. des.
Paulo da Rocha Mendes; DJAL de 01.09.89; Adcoas 1990, n. 128.860 , apud Código
de Processo Civil Anotado, Alexandre de Paula, p. 3158, ed. RT).
O deferimento da
providência de natureza cautelar depende, enfim, da constatação da
plausibilidade do direito substancial -- o "fumus boni iuris" -- e da
possibilidade de risco ao processo principal, de não ser útil à finalidade
almejada, isto é, de um dano potencial capaz de dificultar ou até mesmo impedir
o reconhecimento do direito, ainda que em tese, a ser assegurado, -- "o
periculum in mora" -- a ser apurado objetivamente.
Cabe ao autor
demonstrar seu interesse pelo direito do qual se diz titular, apresentando
elementos capazes de formar um conhecimento sumário e superficial, hábeis à
convicção do julgador. Se for constatada a possibilidade do exercício do
direito de ação, deduzida dos fatos narrados, encontra-se presente o
"fumus boni iuris" capaz de autorizar a proteção das medidas
preventivas.
In casu, como
ficou enfatizado, a CF autoriza a instituição de parcerias entre organizações
privadas e o poder público, inclusive para serviços referentes à área de saúde,
não havendo demonstração válida de que o edital impugnado - que, ressalto,
sequer foi anexado ao recurso - traz prejuízo à Administração ou viola normas
constitucionais ou legais.
Por tais
motivos, nego provimento ao recurso.
Sem custas.
Em atenção às
pessoas que estão presentes para assistir ao julgamento, reafirmo, para
esclarecê-las, que não se juntou neste Agravo a cópia do edital da Licitação, à
qual se pretende dar prosseguimento, o que era absolutamente imprescindível,
tendo em vista que não se pode interromper um processo licitatório, se não se
conhecesse o edital que regula este certame. O agravo foi instruído apenas com
a petição recursal e as informações do juízo de origem, razão pela qual neguei
provimento ao recurso.
O SR. DES.
BELIZÁRIO DE LACERDA:
VOTO
De acordo.
O SR. DES.
PINHEIRO LAGO:
VOTO
De acordo.
SÚMULA:
REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.
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