sexta-feira, 22 de julho de 2016

Reconhecimento da dívida não empenhada, não liquidada e não paga de exercício anterior. É legal




Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública

Quem milita na área da Administração Pública Municipal convive com cada coisa – que é de assustar o cidadão de boa fé e que tenha o mínimo de racionalidade e noção de justiça. Os gestores municipais – muitas vezes orientados pelos seus contadores e assessores financeiros – se utilizam de falsos e irresponsáveis artifícios – que merecem ser enquadrados como crimes da Administração Pública! – quando em final de exercício e comumente em final de mandato determinam a anulação dos empenhos de despesas contratadas e não pagas durante determinados exercícios inerentes ao seu respectivo mandato. Desta forma, negando – sem causa e, por sua causa - toda formalidade processual inerente a contratações que de pronto se supõe terem sido legais, até que se prove o contrário mas, desde que se tenha o necessário rito formal para a contestação legal da relação jurídica contratual com o fornecedor.

O gestor que assim procede, de cara está a dizer que dará o calote e, portanto, nega a sua responsabilidade que é um dos requisitos necessários para o exercício do cargo de gestor público. O que por si já enseja as iras das Leis que deveriam recair penalmente sobre o agente causador da irresponsabilidade que sobrecarrega o Estado, com altíssimos custos com os tribunais que se encontram abarrotados de ações para serem julgadas que deveriam ser evitadas por serem reconhecidamente desnecessárias, vez que, a decisão de pagar depende tão somente do reconhecimento processual administrativo e, portanto, exige-se simplesmente o correto procedimento administrativo orçamentário.

O ajuizamento – que deveria ser desnecessário, caso o administrador público fosse de boa-fé – poderá se arrastar por anos o que coloca o credor em má situação, inclusive junto ao próprio Estado causador dos danos, o qual através de seus agentes de fiscalização exige sem a atenção a quaisquer justificativas e considerações o quanto é devido ao Estado, mesmo para as operações em que o Estado é o causador principal do problema. Destarte, além de ser injusto é imoral e não razoável, além de ser uma prática irresponsável e predatória contra a sociedade que dá o verdadeiro sentido à existência do Estado e, portanto, com soberania que se sobrepõe ao Estado que deverá primar por todas as garantias aos indivíduos que e instituições que dão sentido à organização da sociedade.         

In verbis parecer do Procurador Aderson Flores do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Santa Catarina que reforça o entendimento sobre o assunto:

PARECER  nº MPTC/6766/2010
PROCESSO nº COM-10/00457823
ORIGEM:  Câmara Municipal de Porto Belo
INTERESSADO: Joel Orlando Lucinda
ASSUNTO: Legalidade do reconhecimento da dívida não emprenhada, não liquidada e não paga referente ao exercício anterior


1 – DO RELATÓRIO
         O Sr. Joel Orlando Lucinda, Presidente da Câmara de Vereadores de Porto Belo, formula consulta ao Tribunal de Contas acerca da legalidade do reconhecimento de dívida não empenhada, não liquidada e não paga no exercício findo, por falta de dotação orçamentária.
Os auditores da Consultoria-Geral apresentaram o Parecer nº 402/2010, de fls. 43/59, sugerindo o conhecimento da consulta, e resposta nos termos propostos nas fls. 58/59.

2 – DA ADMISSIBILIDADE
A consulta preenche os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 103 e 104 do Regimento Interno da Corte de Contas.

3 - DO MÉRITO
Os auditores da Consultoria-Geral apresentam proposta de resposta nos seguintes termos:

É legal o pagamento, no exercício seguinte, de despesa não empenhada, [não] liquidada e não paga no exercício anterior, desde que conste do orçamento do exercício corrente dotação para atender despesas de exercícios anteriores ou mediante abertura de crédito especial, bem como haja apuração da legitimidade da despesa em processo administrativo específico, nos termos dos prejulgados 1366 e 1822, que inclua relatório conclusivo do qual conste:
a) importância a ser paga;
b) o nome do credor;
c) a data do vencimento do compromisso;
d) a causa que motivou a não realização do empenho no exercício próprio.
O processo administrativo deve culminar com o reconhecimento da obrigação do pagamento por ato emanado pela autoridade competente para ordenar a despesa, de acordo com o artigo 22, §1º, do Decreto nº 93.872, de 23-12-1986.

Nos termos do art. 37, in fine, da Lei nº 4.320/64, os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.
Sobre o assunto, ensina José Maurício Conti:[1]

Consideram-se como compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício aquelas obrigações de pagamento oriundas de lei, mas somente admitidas como direito do credor após o término do exercício correspondente. Também nesse caso há a permissão para que referidas despesas sejam pagas pela dotação despesas de exercícios anteriores.
Cumpre ressaltar que o reconhecimento de todas as obrigações acima mencionadas [descritas no art. 37 da Lei nº 4.320/64] é de atribuição da autoridade competente para efetuar o empenho da despesa (art. 22, §1º, do Decreto 93.872/1986). Além disso, o pagamento dessas despesas deverá, à medida do possível, observar a ordem cronológica, até mesmo em obediência ao princípio constitucional da isonomia e aos princípios da Administração Pública (legalidade, impessoalidade e moralidade, insertos no art. 37, caput, da Constituição Federal.
Como se vê, é legal o pagamento de compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício, sendo que o reconhecimento de tais obrigações é atribuição da autoridade competente para efetuar o empenho da despesa.
A par disso, os Prejulgados nºs 1366 e 1822 desse Tribunal de Contas estabelecem os requisitos para apuração da legitimidade da despesa, mediante processo administrativo específico.
Desse modo, a resposta formulada pelos auditores do Tribunal de Contas mantém consonância com a legislação aplicável à matéria.

4 – DA REVOGAÇÃO DE PREJULGADOS
Os auditores da Consultoria-Geral sugerem a revogação dos Prejulgados nºs 4, 627 e 809; além da exclusão do item 3 do Prejulgado nº 587, do item 1 do Prejulgado nº 593 e do item 1 do prejulgado nº 1315.
Referidos prejulgados contemplam a possibilidade de regularização de despesas de exercícios anteriores, não empenhadas em épocas próprias, cujas dotações não dispunham de créditos orçamentários suficientes, mediante reconhecimento por lei da Câmara Municipal.
Ocorre que, as despesas de exercícios anteriores devem ser regularizadas mediante previsão de dotação específica na lei orçamentária (art. 37 da Lei nº 4.320/64) ou mediante abertura de créditos especiais (art. 41, II, da Lei nº 4.320/64), exigido em qualquer caso o reconhecimento da obrigação pela autoridade competente (art. 22 do Decreto nº 93.872/86.
Uma vez que a regularização de despesas de exercícios anteriores mediante reconhecimento por lei da Câmara Municipal não encontra fundamento legal, a revogação de prejulgados se justifica.

Dessarte, ratifico os termos do bem lançado Parecer nº COG-402/2010

5 – DA CONCLUSÃO
Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO da CONSULTA, com resposta conforme a proposta apresentada no Parecer nº COG-402/2010.
Florianópolis, 26 de outubro de 2010.

Aderson Flores
Procurador




[1] Orçamentos públicos: a Lei 4.320/1964 comentada. São Paulo: RT, 2008. p. 130.


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