Nildo Lima Santos. Consultor em Administração Pública
Quem milita na área da Administração Pública Municipal convive com cada
coisa – que é de assustar o cidadão de boa fé e que tenha o mínimo de
racionalidade e noção de justiça. Os gestores municipais – muitas vezes orientados
pelos seus contadores e assessores financeiros – se utilizam de falsos e
irresponsáveis artifícios – que merecem ser enquadrados como crimes da
Administração Pública! – quando em final de exercício e comumente em final de mandato
determinam a anulação dos empenhos de despesas contratadas e não pagas durante determinados
exercícios inerentes ao seu respectivo mandato. Desta forma, negando – sem causa
e, por sua causa - toda formalidade processual inerente a contratações que de
pronto se supõe terem sido legais, até que se prove o contrário mas, desde que
se tenha o necessário rito formal para a contestação legal da relação jurídica
contratual com o fornecedor.
O gestor que assim procede, de cara está a dizer que dará o calote e, portanto,
nega a sua responsabilidade que é um dos requisitos necessários para o
exercício do cargo de gestor público. O que por si já enseja as iras das Leis
que deveriam recair penalmente sobre o agente causador da irresponsabilidade
que sobrecarrega o Estado, com altíssimos custos com os tribunais que se
encontram abarrotados de ações para serem julgadas que deveriam ser evitadas
por serem reconhecidamente desnecessárias, vez que, a decisão de pagar depende
tão somente do reconhecimento processual administrativo e, portanto, exige-se
simplesmente o correto procedimento administrativo orçamentário.
O ajuizamento – que deveria ser desnecessário, caso o administrador
público fosse de boa-fé – poderá se arrastar por anos o que coloca o credor em
má situação, inclusive junto ao próprio Estado causador dos danos, o qual
através de seus agentes de fiscalização exige sem a atenção a quaisquer justificativas
e considerações o quanto é devido ao Estado, mesmo para as operações em que o
Estado é o causador principal do problema. Destarte, além de ser injusto é
imoral e não razoável, além de ser uma prática irresponsável e predatória
contra a sociedade que dá o verdadeiro sentido à existência do Estado e,
portanto, com soberania que se sobrepõe ao Estado que deverá primar por todas
as garantias aos indivíduos que e instituições que dão sentido à organização da
sociedade.
In verbis parecer do Procurador Aderson Flores do Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas de Santa Catarina que reforça o entendimento sobre
o assunto:
PARECER nº MPTC/6766/2010
PROCESSO nº COM-10/00457823
ORIGEM: Câmara Municipal de Porto
Belo
INTERESSADO: Joel Orlando Lucinda
ASSUNTO: Legalidade do reconhecimento da dívida não emprenhada, não
liquidada e não paga referente ao exercício anterior
1 – DO RELATÓRIO
O Sr. Joel Orlando
Lucinda, Presidente da Câmara de Vereadores de Porto Belo, formula consulta ao
Tribunal de Contas acerca da legalidade do reconhecimento de dívida não
empenhada, não liquidada e não paga no exercício findo, por falta de dotação
orçamentária.
Os auditores da Consultoria-Geral apresentaram o
Parecer nº 402/2010, de fls. 43/59, sugerindo o conhecimento da consulta, e
resposta nos termos propostos nas fls. 58/59.
2 – DA ADMISSIBILIDADE
A consulta preenche os requisitos de
admissibilidade previstos nos arts. 103 e 104 do Regimento Interno da Corte de
Contas.
3 - DO MÉRITO
Os auditores da Consultoria-Geral apresentam
proposta de resposta nos seguintes termos:
É legal o pagamento, no exercício
seguinte, de despesa não empenhada, [não] liquidada e não paga no exercício
anterior, desde que conste do orçamento do exercício corrente dotação para
atender despesas de exercícios anteriores ou mediante abertura de crédito
especial, bem como haja apuração da legitimidade da despesa em processo
administrativo específico, nos termos dos prejulgados 1366 e 1822, que inclua
relatório conclusivo do qual conste:
a) importância a ser paga;
b) o nome do credor;
c) a data do vencimento do compromisso;
d) a causa que motivou a não realização
do empenho no exercício próprio.
O processo administrativo deve culminar
com o reconhecimento da obrigação do pagamento por ato emanado pela autoridade
competente para ordenar a despesa, de acordo com o artigo 22, §1º, do Decreto
nº 93.872, de 23-12-1986.
Nos termos do art. 37, in fine, da Lei
nº 4.320/64, os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício
correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no
orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem
cronológica.
Sobre o assunto, ensina José Maurício Conti:[1]
Consideram-se como compromissos reconhecidos
após o encerramento do exercício aquelas obrigações de pagamento oriundas de
lei, mas somente admitidas como direito do credor após o término do exercício
correspondente. Também nesse caso há a permissão para que referidas despesas
sejam pagas pela dotação despesas de exercícios anteriores.
Cumpre ressaltar que o reconhecimento
de todas as obrigações acima mencionadas [descritas no art. 37 da Lei nº
4.320/64] é de atribuição da autoridade competente para efetuar o empenho da
despesa (art. 22, §1º, do Decreto 93.872/1986). Além disso, o pagamento dessas
despesas deverá, à medida do possível, observar a ordem cronológica, até mesmo
em obediência ao princípio constitucional da isonomia e aos princípios da
Administração Pública (legalidade, impessoalidade e moralidade, insertos no
art. 37, caput, da Constituição Federal.
Como se vê, é legal o pagamento de
compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício, sendo que o
reconhecimento de tais obrigações é atribuição da autoridade competente para
efetuar o empenho da despesa.
A par disso, os Prejulgados nºs 1366 e
1822 desse Tribunal de Contas estabelecem os requisitos para apuração da
legitimidade da despesa, mediante processo administrativo específico.
Desse modo, a resposta formulada pelos
auditores do Tribunal de Contas mantém consonância com a legislação aplicável à
matéria.
4 – DA REVOGAÇÃO DE PREJULGADOS
Os auditores da Consultoria-Geral sugerem a
revogação dos Prejulgados nºs 4, 627 e 809; além da exclusão do item 3 do
Prejulgado nº 587, do item 1 do Prejulgado nº 593 e do item 1 do prejulgado nº
1315.
Referidos prejulgados contemplam a
possibilidade de regularização de despesas de exercícios anteriores, não
empenhadas em épocas próprias, cujas dotações não dispunham de créditos
orçamentários suficientes, mediante reconhecimento por lei da Câmara Municipal.
Ocorre que, as despesas de exercícios
anteriores devem ser regularizadas mediante previsão de dotação específica na
lei orçamentária (art. 37 da Lei nº 4.320/64) ou mediante abertura de créditos
especiais (art. 41, II, da Lei nº 4.320/64), exigido em qualquer caso o
reconhecimento da obrigação pela autoridade competente (art. 22 do Decreto nº
93.872/86.
Uma vez que a regularização de despesas
de exercícios anteriores mediante reconhecimento por lei da Câmara Municipal
não encontra fundamento legal, a revogação de prejulgados se justifica.
Dessarte, ratifico os
termos do bem lançado Parecer nº COG-402/2010
5 – DA CONCLUSÃO
Ante o exposto, o Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108
da Lei Complementar nº 202/2000, manifesta-se pelo CONHECIMENTO da CONSULTA,
com resposta conforme a proposta apresentada no Parecer nº COG-402/2010.
Florianópolis, 26 de outubro de 2010.
Aderson Flores
Procurador
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